Hit Makers Como Nascem As Tendências - Derek Thompson - PDFCOFFEE.COM (2024)

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CIP-Brasil. Catalogação na Publicação Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ T39h Thomp son, Derek Hit makers: como nascem as tendências / Derek Thomp son; tradução Ana Duarte. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Harp er Collins, 2018. Tradução de: Hit makers ISBN 9788595081291 1. Consumo (Economia) – Asp ectos sociais. 2. Cap italismo. 3. Comp ortamento do consumidor – Asp ectos sociais. 4. Ansiedade. 5. Consumo (Economia) – Asp ectos p sicológicos. 6. Consumidores – Psicologia. I. Duarte, Ana. II. Título. 17-46119

CDD: 306.3 CDU: 366.1

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO A canção que conquistou o mundo

PARTE I: POPULARIDADE E A MENTE 1. O PODER DA EXPOSIÇÃO Fama e familiaridade — na arte, na música e na política 2. A REGRA “MAYA” Momentos “aha” — na televisão, na tecnologia e no design 3. A MÚSICA DO SOM O poder da repetição — na canção e no discurso INTERLÚDIO: CALAFRIOS 4. A MENTE CRIADORA DE MITOS I: A FORÇA DA HISTÓRIA A soma de mil mitos 5. A MENTE CRIADORA DE MITOS II: O LADO SOMBRIO DOS HITS Porque histórias são armas 6. O NASCIMENTO DA MODA “Eu gosto disso porque isso é popular.” “Eu odeio isso porque é popular.” INTERLÚDIO: UMA BREVE HISTÓRIA DOS ADOLESCENTES

PARTE II: POPULARIDADE E MERCADO 7. ROCK AND ROLL E ALEATORIEDADE

Grilos, caos e o maior hit na história do rock and roll 8. O MITO VIRAL Cinquenta tons de cinza e a verdade sobre o porquê de alguns hits ficarem tão grandes 9. O PÚBLICO DO MEU PÚBLICO Aglomerados, grupinhos exclusivos e cultos INTERLÚDIO: LE PANACHE 10. O QUE AS PESSOAS QUEREM I: A ECONOMIA DA PROFECIA O negócio de estar errado na maior parte do tempo 11. O QUE AS PESSOAS QUEREM II: UMA HISTÓRIA DE PIXELS E TINTA O que as pessoas querem dos noticiários (e frequentemente não encontram nos noticiários) INTERLÚDIO: BROADWAY, Nº 828 12. OS FUTUROS DOS HITS: IMPÉRIO E CIDADE-ESTADO Surpresas familiares, redes e pó de pirlimpimpim Agradecimentos Notas Sobre o autor

Aos meus pais: Schlaf nun selig und süß, schau im Traum’s Paradies.

INTRODUÇÃO A canção que conquistou o mundo Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra. “Mas qual é a pedra que sustenta a ponte?”, pergunta-lhe Kublai Khan. “A ponte não é sustentada por uma ou outra pedra”, responde-lhe Marco, “mas sim pela linha do arco que elas formam.” — Italo Calvino, As cidades invisíveis As Guildas dos Cartógrafos fizeram um Mapa do Império com a imensidão do próprio Império, e que coincidia com este, ponto a ponto. As Gerações seguintes, que não nutriam tanto afeto pelo Estudo da Cartografia quanto seus Antepassados, consideraram aquele vasto Mapa Inútil e, não sem um pouco de Impiedade, foi o mapa entregue às Inclemências do Sol e dos Invernos. Nos Desertos do Ocidente, ainda hoje, sobrevivem Ruínas Esfarrapadas do Mapa, habitadas por Animais e Mendigos... — Jorge Luis Borges, Do rigor na ciência

Eu conheci a primeira música que viria a amar pela minha mãe. Todas as noites, ela se sentava do lado esquerdo da minha cama e cantava a mesma canção de ninar. Sua voz era doce, um fiozinho de voz, moldada para se encaixar em um quarto de dormir. Nas minhas viagens à casa dos meus avós maternos em Detroit, minha Momi cantava a mesma melodia em um tom mais baixo, com um timbre mais estridente e com a letra em alemão. Eu não sabia o que as palavras queriam dizer, mas eu as amava por seu antigo mistério na velha casa: “Guten Abend, gute Nacht...” Eu achava que a música era uma relíquia de família, passada adiante de geração em geração. Porém em meu primeiro ano escolar, em uma das noites que passei na casa de amigos da escola na minha cidade natal na Virgínia, um jovem amigo girou o botão na pequena caixa de música perto de sua cama e a harmonia de sons digitais ressoaram uma melodia familiar. Aprendi que a melodia da minha mãe não era nenhum segredo de família. Era espantosamente comum. Existe uma forte possibilidade de você tê-la

ouvido dezenas de vezes, talvez milhares. Trata-se de “Wiegenlied”, de Johannes Brahms. Todas as noites, durante mais de um século, milhões de famílias em todo o mundo cantaram uma versão dessa canção de ninar de Brahms a seus filhos. Trata-se de uma das mais conhecidas melodias no hemisfério ocidental. Considerando que uma canção de ninar é cantada em centenas de dias em um ano, durante vários anos na vida de uma criança, existe uma possibilidade real de que a canção de ninar de Brahms seja uma das mais ouvidas no hemisfério ocidental, se não for a mais ouvida no mundo. É inegável que “Wiegenlied” é bela, simples e repetitiva, e estes são todos os elementos necessários a qualquer canção infantil produzida pelas gargantas de pais cansados. Porém uma melodia assim tão universal é também um mistério. Como uma composição alemã do século XIX se tornou uma das músicas mais populares do mundo?

Johannes

Brahms, nascido em 1833, em Hamburgo, foi um dos mais renomados compositores de seu tempo. “Wiegenlied” foi seu sucesso mais imediato. Publicada no auge de sua popularidade, em 1868, a melodia foi escrita como uma canção de ninar para uma velha amiga, para que ela a entoasse para seu menino recém-nascido. Mas a música logo se tornou um hit em todo o continente e em todo o mundo. Um dos truques de Brahms para reabastecer seu profundo poço de belas melodias era a mescla de gêneros. Ele era estudante em uma escola de música local e um sutil ladrão de refrães fáceis de serem lembrados. Quando viajava pela Europa, com frequência visitava uma biblioteca da cidade para repassar suas coleções de canções folclóricas, com o propósito de estudar muitas partituras e transcrever suas partes prediletas. Como um astuto compositor moderno que sampleia o gancho de outro artista para sua própria música, ou um designer esperto que rouba floreios de outros produtos, Brahms incorporava melodias folclóricas remotas em suas canções artísticas. Vários anos antes de compor sua famosa canção de ninar, Brahms apaixonou-se por uma soprano adolescente chamada Bertha, em Hamburgo. Ela cantava muitas músicas para ele, como a folclórica “S’is Anderscht”, do austríaco Alexander Baumann. Alguns anos depois, Bertha casou-se com outro homem e eles deram a seu filho o nome de Johannes, em homenagem ao

compositor. Brahms queria mostrar sua gratidão e, talvez, o afeto que ainda sentia por ela. Ele compôs algumas canções de ninar com base na antiga canção folclórica austríaca que Bertha costumava cantar. Para a letra, Brahms tirou um verso de uma famosa coleção de poemas alemães, Des Knaben Wunderhorn: Boa noite, boa noite; com rosas adornada, com cravos cor-de-rosa ornamentada, entre debaixo da coberta. Pela manhã, se Deus quiser, você despertará novamente. No verão de 1868, Brahms enviou à família a partitura da música, acompanhada de um bilhete. “Bertha perceberá que eu compus Wiegenlied para seu pequenino. Ela achará bem apropriado... que, enquanto ela estiver ninando Hans, uma canção de amor estará sendo entoada para ela”.1 A primeira grande apresentação da canção deu-se um ano depois disso, em 22 de dezembro de 1869, em Viena. Foi um imenso sucesso comercial. O editor de Brahms produziu às pressas catorze arranjos da música, de longe o maior número de arranjos que teve qualquer peça de Brahms, inclusive para o coro de quatro partes, piano de três partes, harpa e cítara. “Muitas das melodias de Brahms são belas, porém, ‘Wiegenlied’ encaixa-se de forma única na estrutura padrão que os ouvintes de música moderna reconhecem em ganchos”, disse Daniel Beller-McKenna, um especialista na obra do compositor que faz parte da diretoria da Sociedade Americana Johannes Brahms. “A canção tem os elementos-chave da repetição e, então, vem a afável surpresa”, ele disse ainda, cantarolando a melodia de forma intermitente enquanto conversávamos. “Wiegenlied” era uma canção original. Todavia, também era surpreendentemente familiar, uma reunião de alusões a canções folclóricas e memórias de Hamburgo. Um historiador musical disse que a peça lembrava tanto a música original de Baumann a ponto de chegar a ser uma “velada, ainda que identificável, paródia”.2 Mas essa história ainda não responde à mais importante pergunta sobre essa canção de ninar: como ela se disseminou pelo mundo todo? No século XX, a maioria das canções pop se tornou popular porque foi tocada repetidas vezes no rádio ou em outros meios de transmissão de mídia de

massa. As canções abriam seus caminhos aos empurrões até chegarem aos ouvidos dos públicos por meio de alto-falantes em carros, televisores e cinemas. Para gostar de uma música, primeiramente teríamos de encontrá-la ou, sob uma outra perspectiva, a música teria de nos encontrar. No século XIX, canções de compositores famosos pulavam de uma sala de concerto para a outra, mas não havia nenhuma tecnologia adequada para levar rapidamente uma canção para o mundo todo. Para apreciar o ritmo lento em que a cultura viajava nos tempos de Brahms, consideremos a vagarosa viagem transatlântica da Nona Sinfonia de Beethoven. A obra estreou em 1824 no Teatro Kaerntnertor, em Viena, quando, segundo os rumores, Beethoven estava tão surdo a ponto de não conseguir ouvir os aplausos retumbantes.3 Já a primeira apresentação da Nona Sinfonia nos Estados Unidos só ocorreu 22 anos mais tarde, na cidade de Nova York. Levou mais nove anos para que a sinfonia fosse tocada pela primeira vez em Boston. Imagine se todas as obras-primas artísticas nos dias de hoje levassem 31 anos para cruzar o oceano. O álbum Thriller, de Michael Jackson, estreou em 1982, o que significa que Jackson estaria morto há quatro anos na época em que os londrinos pudessem ouvir a faixa-título e “Billie Jean”, em 2013. Please Please Me, o primeiro álbum dos Beatles, foi lançado em março de 1963 no Reino Unido, então os americanos não teriam conhecido a banda até meados do governo Clinton. Em 2021, os europeus poderiam esperar ansiosamente pela primeira temporada de Seinfeld. Os sinais de rádio não estavam de mudança no final dos anos 1870, mas as famílias alemãs estavam. Enquanto Brahms vivia seu apogeu criativo, a Europa central era um caldeirão de caos, guerra e fome. Nos vinte anos depois da estreia de “Wiegenlied” em Viena em 1869, a imigração alemã para os Estados Unidos estava a todo vapor, tendo registrado nos anos 1880 um pico ainda não superado.4 Os Estados Unidos receberam mais imigrantes alemães entre 1870 e 1890 do que durante todo o século XXI. Uma canção de ninar popular foi abençoada com um timing fortuito para a sua exportação para a Europa e os Estados Unidos, particularmente na faixa ao norte do país, onde a maioria dos alemães se estabeleceram — desde o nordeste e a Pensilvânia, passando por Ohio e Michigan e chegando a Wisconsin. Um êxodo histórico de famílias que falavam alemão realizou o que nem o rádio e nenhuma outra tecnologia poderia fazer em 1870. Uma migração

transatlântica sem precedentes distribuiu a canção de ninar de Brahms pelos Estados Unidos. Em 1879, próximo ao auge da emigração alemã, um rabino em meioperíodo chamado Joseph Kahn vivia na pequena cidade de Echternach, no leste de Luxemburgo. Joseph e sua esposa, Rosalie, viajaram de navio até os Estados Unidos com seus cinco filhos em busca de uma vida melhor. Como muitos imigrantes judeus de língua alemã, eles acabaram se estabelecendo no topo do centro-oeste americano, no Michigan. William, neto de Joseph e Rosalie, era um jovem rapaz bonito e que estava ficando prematuramente careca. Ele era chamado de Bill e adorava dar festas na piscina em sua casa em Franklin, um subúrbio bem arborizado de Detroit. Certa tarde, em 1948, em um campo verde perto de seu lar coberto de hera, ele notou uma jovem moça chamada Ellen, cuja família também havia deixado a Alemanha para escapar dos nazistas. Eles se apaixonaram e, dentro de oito meses, se casaram. No outubro seguinte, Bill e Ellen tiveram uma menininha, que ouviria a canção de ninar de Brahms na versão original, em alemão, milhares de vezes em sua vida. Eu também conheceria aquela menina. Era a minha mãe.

Este é um livro sobre hits, sobre as poucas produções e as poucas ideias que conseguem popularidade extraordinária e sucesso comercial dentro da cultura pop e da mídia. A tese deste livro diz que, mesmo que muitas das melhores músicas, programas de TV, blockbusters, memes da internet e aplicativos onipresentes pareçam vir do nada, esse caos cultural é governado por certas regras: a psicologia do porquê de as pessoas gostarem do que elas gostam, as redes sociais através das quais as ideias se disseminam e a economia dos mercados culturais. Existe uma forma como as pessoas podem projetar hits e, igualmente importante, há uma forma de outras pessoas saberem quando a popularidade está sendo projetada. Basicamente, este livro faz duas perguntas: 1. Qual é o segredo para produzir as coisas que as pessoas gostam, na música, em filmes, na televisão, nos livros, jogos, aplicativos e muito mais, pela vasta paisagem da cultura? 2. Por que alguns produtos fracassam nesses mercados enquanto ideias similares se tornam populares e imensos hits?

As duas perguntas estão relacionadas, mas não são a mesma questão, e a resposta para a primeira delas mudou com o passar do tempo, mais do que a resposta para a segunda. Produtos mudam e modas têm suas ascensões e suas quedas. Porém a arquitetura da mente humana é antiga e as mais básicas necessidades do ser humano são eternas: as necessidades de pertencimento, de escape, de aspiração, de entender, de ser entendido. Esse é um dos motivos pelos quais as causas e consequências dos hits encontram paralelo na História e, como veremos, tanto os criadores como os públicos estão eternamente reprisando as ansiedades e as alegrias de culturas passadas. Encontram-se respostas a ambas questões na história de “Wiegenlied”, de Brahms. Por que as pessoas adoraram de imediato essa canção de ninar? Talvez tenha sido porque muitas delas tinham ouvido a melodia ou algo parecido com ela. Brahms tomou emprestado a melodia de uma canção popular austríaca e a adornou com a grandeza dos salões de concerto. Sua canção de ninar tornou-se um sucesso instantâneo não porque era incomparavelmente original, mas sim porque apresentava uma melodia familiar em um ambiente original. Alguns produtos novos e algumas novas ideias entram de fininho nos sulcos bem gastos das expectativas das pessoas. Em quinze dos últimos dezesseis anos, o filme com maior sucesso de bilheteria nos Estados Unidos foi uma sequência de um filme anteriormente bem-sucedido (por exemplo, Star Wars) ou uma adaptação de um livro anteriormente bem-sucedido (por exemplo, O Grinch).5 O poder da familiaridade bem disfarçada vai além dos filmes. É um ensaio político que expressa, com nova e eletrizante clareza, uma ideia que os leitores pensaram, mas que nunca verbalizaram. É o programa de TV que apresenta um mundo alienígena com personagens tão reconhecíveis que, mesmo assim, o espectador sente como se estivesse em sua pele. É a peça de arte que impressiona com uma nova forma e, ainda assim, oferece um sobressalto com sua carga de significados. Na psicologia da estética, existe um nome para o momento entre a ansiedade de confrontar algo novo e o satisfatório clique de entender esse algo novo. Isso é chamado de “aha estético”. Essa é a primeira tese deste livro. A maioria dos consumidores são, ao mesmo tempo, neofílicos, curiosos para descobrirem coisas novas, e profundamente neofóbicos, temendo qualquer coisa que seja nova demais. Os melhores hits foram feitos por artistas que têm o dom de criar instantes de

significado ao casar o novo com o antigo, a ansiedade com a compreensão. São arquitetos de surpresas familiares. “Wiegenlied” foi uma surpresa familiar para seu público alemão. Porém, só isso não faz dela uma das músicas mais populares em todo o hemisfério ocidental. Sem as guerras que embalaram a Europa Central nos idos de 1870 e 1880, milhões de alemães não teriam emigrado e talvez milhões de crianças que conhecem a música de cor hoje em dia nunca teriam ouvido falar dela. A genialidade musical de Brahms conferiu seu apelo à canção. Porém, foi a emigração alemã que ajudou a dar alcance. A forma como as ideias são disseminadas para diferentes grupos de pessoas é profundamente importante e amplamente mal compreendida. A maioria das pessoas não passa muito tempo pensando em todas as músicas, em todos os livros e em todos os produtos que nunca viram. Porém um artigo brilhante em uma revista especializada de pouca visibilidade não é lido, uma música fácil de ser lembrada que nunca é tocada nas rádios fenece e morre na obscuridade, e um tocante documentário que não tem um contrato de distribuição pode ser condenado ao esquecimento, não importando o quão esplêndido seja. Então, a primeira pergunta para as pessoas que têm um produto novo é: como transmito minha ideia para meu público? “Wiegenlied” foi tocada ao vivo apenas para alguns milhares de pessoas. Ainda assim, hoje em dia, milhões de pessoas conhecem a melodia. A canção disseminou-se bem além da sombra da casa de ópera de Viena, propagando-se entre famílias e amigos e uma diversidade de redes sociais pelo mundo todo. Sendo assim, a pergunta mais profunda para pessoas que têm um produto novo ou uma ideia nova é: como posso fazer alguma coisa que as pessoas compartilharão por conta própria com o público do meu público? Não existe nenhuma fórmula. No entanto há algumas verdades básicas em relação ao que une as pessoas e faz com que elas falem, como, por exemplo, por que vender um aplicativo de namoro requer a estratégia oposta àquela utilizada para vender uma linha de moda hipster e por que as pessoas compartilham más notícias com amigos e boas novas no Facebook. Criar coisas belas é crucial. Todavia, entender essas redes humanas é igualmente essencial para quem faz hits. Algumas pessoas desdenham da distribuição e do marketing dizendo que são desprovidos de propósito, entediantes, de mau gosto ou todas as três coisas. Porém, eles são as raízes subterrâneas que empurram as coisas bonitas para a superfície, onde os públicos podem vê-las. Não é o bastante

estudar os produtos em si para entender seu apelo inerente, porque, com bastante frequência, as coisas mais populares dificilmente são o que alguém consideraria “o melhor”. São as coisas mais populares simplesmente porque estão por toda parte. Conteúdo pode ser o rei, mas a distribuição é o reino.

É interessante comparar a história de “Wiegenlied”, um hit do velho mundo, com a história de um hit com a quintessência do novo mundo, o aplicativo de compartilhamento de fotos Instagram, para procurar os temas comuns da familiaridade e do poder das redes. Se o mercado para a música de piano no século XIX estava cheio, o empório de aplicativos de compartilhamento de fotos nos últimos anos é um completo caos. Em 1999, o mundo tirou 80 bilhões de fotos e comprou 70 milhões de câmeras, segundo o relatório anual de 2000 da Kodak.6 Hoje em dia, o mundo compartilha mais de 80 bilhões de fotos todos os meses em vários bilhões de telefones, tablets, computadores e câmeras.7 Como diversos outros aplicativos, o Instagram permite que os usuários tirem fotos e adicionem filtros retro-cinemáticos. O design chegava à quase perfeição para seu propósito: simples e bonito, com formas intuitivas de editar e compartilhar imagens das vidas das pessoas. Porém, nesse espaço havia muitos aplicativos simples e bonitos. Além do mais, não foi o Instagram que inventou a ideia dos filtros.8 O que havia de tão especial em relação ao Instagram? O sucesso do aplicativo deveu-se igualmente à arte e à disseminação. Antes da estreia do Instagram, seus fundadores ofereceram versões anteriores do aplicativo a magnatas da tecnologia de São Francisco, como o empresário Kevin Rose, o jornalista M. G. Siegler, o evangelista tecnológico Robert Scoble e o cofundador do Twitter, Jack Dorsey.9 Essas celebridades da tecnologia postaram vários fotos do Instagram no Twitter, onde eles, no conjunto, tinham milhões de seguidores. Tirando proveito de grandes redes que já existiam, o Instagram chegou a milhares de pessoas antes mesmo de ser lançado. No dia da sua estreia, em 6 de outubro de 2010, 25 mil pessoas fizeram o download do aplicativo, o que o levou ao topo da App Store.10 Muitos usuários de iPhone que já tinham visto as fotos do Instagram de Dorsey em seus feeds do Twitter baixaram avidamente o aplicativo quando ele se tornou

público. Os jornalistas que cobrem o Silicon Valley disseram que nunca tinham visto um start-up obter tanta promoção e atenção de blogs de tecnologia antes de seu lançamento. O sucesso do Instagram teve a ver com um produto claro, divertido e simples. E também teve a ver com a rede de contatos em que foi lançado. Seja o vetor uma viagem transatlântica ou uma conta de São Francisco no Twitter, a história da distribuição de um produto é tão importante quanto a descrição de seus recursos. Raramente projetar o produto perfeito sem fazer um plano igualmente bem pensado para atingir as pessoas certas é o bastante.

Na

época de Brahms, se alguém quisesse que as pessoas ouvissem sua sinfonia, precisava encontrar músicos e um salão de concertos. A música comercial era escassa e os negócios da música pertenciam às pessoas que controlavam os salões e as gráficas. Hoje em dia, porém, está acontecendo uma coisa interessante. A escassez cedeu lugar à abundância. O salão de concertos é a internet, os instrumentos são baratos e qualquer um pode compor sua própria sinfonia. O futuro dos hits será democrático, caótico e desigual. Milhões competirão por atenção, uns poucos felizardos farão muito sucesso e uma minoria microscópica ficará fantasticamente rica. A revolução na mídia é mais clara nos últimos sessenta anos em produções cinematográficas e em vídeo. Quando o blockbuster bíblico BenHur estreou, em 18 de novembro de 1959, diante de um público de mais de 1.800 pessoas composto por celebridades, no Loew’s State Theatre em Nova York, a indústria cinematográfica era o terceiro maior negócio varejista nos Estados Unidos, depois de mercearias e do comércio de carros.11 O filme obteve os recordes em Hollywood do maior orçamento de produção e da mais cara campanha de marketing já realizada, e se tornou o segundo filme com maior bilheteria de todos os tempos, ficando atrás de E o vento levou. O piscar de flashes de câmeras na estreia pode ter cegado alguns executivos do cinema para o fato de que o relacionamento monogâmico dos americanos com a tela de prata já estava acabando. A televisão provou-se uma sedutora irresistível. Em 1965, mais de 90% das casas tinham um televisor e as pessoas passavam mais de cinco horas vendo TV todos os dias.12 O sofá da sala de estar substituiu o assento no cinema conforme o

número de ingressos comprados por adulto caiu de cerca de 25, em 1950, para quatro, em 2015.13 A televisão substituiu o filme como a mídia mais popular de contação de histórias visuais, junto com uma imensa mudança na atenção e nos dólares, passando do ingresso para cinema uma vez por semana às contas de TV a cabo, cujos pagamentos mensais suportaram um vasto ecossistema de esportes ao vivo, dramas tanto brilhantes quanto formulaicos, assim como infinitos reality shows. As mais famosas corporações cinematográficas do mundo, como a Walt Disney Company e a Time Warner, obtiveram durante anos mais lucro de canais de TV a cabo, como ESPN e TBS, do que de todas suas divisões de filmes.14 No início do século XXI, toda empresa cinematográfica está envolvida, de forma menos secreta, nos negócios da televisão.

Hoje em dia a televisão é a maior vitrine em um cintilante mundo de vidro. Em 2012, pela primeira vez na história, os americanos passaram mais tempo interagindo com dispositivos digitais como laptops e telefones do que com a televisão.15 Em 2013, o mundo produziu quase 4 bilhões de metros quadrados de telas de LCD, ou cerca de oitenta polegadas quadradas per capita.16 Em regiões em desenvolvimento, como a China, a Indonésia e a África subsaariana, o público pulou a era dos desktops e laptops por completo e entrou nessa já com computadores em seus bolsos.

Em uma visão global, a atenção do mundo está mudando, passando do conteúdo que é infrequente, grande e difundido (ou seja, milhões de pessoas indo aos cinemas uma vez por semana) para um conteúdo que é frequente, pequeno e social (ou seja, bilhões de pessoas vendo feeds de mídias sociais em seus displays de vidro e pixels a cada poucos minutos). Ainda no fim do ano 2000, o cenário das mídias era dominado por produções de um a um milhão, em telas de cinema, telas de TV e rádios dos carros. Mas nosso mundo é móvel, em que hits como Angry Birds e impérios como o Facebook prosperam em minúsculas placas de vidro. Em 2015, Mary Meeker, analista de tecnologia, declarou que um quarto da atenção da mídia americana é devotado a dispositivos móveis que não existiam uma década atrás.17 A televisão não está exatamente morrendo, mas, sim se polinizando em um bilhão de streams de vídeo e em uma diversidade de telas, a maioria das quais as pessoas carregam em suas mãos. A televisão uma vez libertou os “filmes de cinema” das garras do complexo cinematográfico; na sequência histórica, a tecnologia móvel está emancipando o vídeo da sala de estar. Conforme a mídia mudou, o mesmo ocorreu com as mensagens. A transmissão na TV tradicional era apresentada ao vivo, suportada por comerciais e ia ao ar uma vez por semana, o que fazia dela o lar perfeito para dramas e histórias policiais de investigação criminal que se fiavam em diversos cliffhangers* por episódio (para estenderem a audiência durante os comerciais) e belos finais em que todas as pontas soltas são amarradas. Porém televisão por streaming, com frequência sem comerciais, é preferida por quem assiste a muitas horas por vez. As pessoas não têm de parar depois

de um episódio de House of Cards na Netflix nem de Downton Abbey na Amazon Video; elas podem assistir a quantos episódios quiserem. Combinando a estética do filme, a natureza episódica da televisão e o potencial para “maratona” de um romance ou de uma ópera de Wagner, o futuro próximo da televisão não está preso pela camisa-de-força de blocos de uma hora. Ela tem uma “longa forma”, ou, talvez, qualquer forma. Nesse ínterim, conteúdos menores estão erodindo a televisão, vindo de baixo. Em abril de 2013, Robby Ayala, um estudante do último ano na Universidade Atlântica da Flórida, postou no Vine diversos vídeos em que tirava onda da abundância de guaxinins no campus. O Vine é uma rede social descontinuada de vídeos com loops de seis segundos que, para milhões de jovens, resultava em melhor televisão do que a televisão em si. Quando Ayala acumulou mais de um milhão de seguidores, poucos meses depois, largou a faculdade de direito e foi trabalhar uma rede do Twitter para estrelas e astros do Vine. Ele agregou 3,4 milhões de seguidores e um total de um bilhão de visualizações de seus vídeos e ganhava a vida apresentando-se em posts patrocinados para empresas como a HP. Atores costumavam usar Los Angeles ou Nova York como portas de entrada para a mídia. Agora qualquer pessoa com um telefone ou computador pode vir a se tornar a sensação viral da próxima semana. Nesse momento de fim dos grande centros como portas de entrada e atenção global, qualquer um pode lançar um hit. A tecnologia sempre moldou o entretenimento, assim como sempre moldou nossas expectativas quanto a que tipo de conteúdo é “bom”. No século XVIII, as pessoas que frequentavam sinfonias pagavam por uma apresentação que tinha a duração de uma noite. No início do século XX, a indústria da música mudou-se para os negócios do rádio e do vinil. Os primeiros discos de dez polegadas de vinil podiam confortavelmente conter cerca de três minutos de música, o que ajudou a moldar as expectativas de duração do single pop, que não deveria ultrapassar 240 segundos. Hoje em dia, um vídeo do Vine tem apenas seis segundos. O entretenimento de seis segundos é ridiculamente breve? Sim, é, se você foi criado ao som de Schubert, Brahms e dos salões de concertos. Mas não se você foi criado na era de Robby Ayala, Facebook e da tela de 3,5 polegadas de um smartphone. Para o melhor e para o pior, as pessoas tendem a gravitar em direção ao que é familiar, e essas familiaridades são moldadas pela tecnologia.

As telas estão ficando menores e mais inteligentes também. Nós costumávamos consumir conteúdos apenas. Agora, o conteúdo também nos consome — nossos comportamentos, nossos rituais e nossas identidades. Antes dos anos 1990, a indústria da música não tinha informações diárias sobre quem estava ouvindo as músicas em casa e no rádio. Hoje em dia, toda vez que você reproduz uma canção em seu telefone, a indústria musical também está ouvindo e usando suas informações para guiar o próximo hit. Facebook, Twitter e publicadores digitais têm ferramentas que lhes dizem não somente em que história você clicou, como também até que ponto você leu e onde clicou em seguida. Costumávamos tocar os hits; agora os hits nos tocam em resposta. Esses dispositivos inteligentes injetaram uma medida de ciência no mundo de formação de hits e ajudam empresas a decifrar o código supremo relacionado a consumidores e públicos: em que nós prestamos atenção e por quê?

Um livro que procura explicar os gostos de bilhões de pessoas e o sucesso ou fracasso de milhões de produtos presumirá algumas coisas que, embora sejam defensíveis no conjunto, falham em responder por algumas exceções. Eu tentei evitar fazer declarações radicais que não sejam apoiadas por um conjunto de provas. Mas tomar um grande cuidado para evitar incorreções não é a mesma coisa que estar sempre certo. Poucos meses antes de eu começar a escrever este livro, encontrei duas citações das quais gostei. Copiei-as em uma nota em meu computador para que eu sempre as pudesse ver. São as citações no início deste Capítulo. A primeira vem do livro As cidades invisíveis, de Italo Calvino. É uma ode à complexidade. Kublai Khan pergunta se existe uma única pedra que sustenta uma ponte. Marco Polo responde que uma ponte fica em pé não devido a uma rocha solitária, mas por causa de um arco formado por várias pedras. Nas últimas décadas, o gênero da não-ficção tem se deparado com uma profusão de pequenos livros sobre a vida que estão sujeitos a uma crítica comum: esses livros ultrassimplificam a forma da mente humana, que, como a ponte de Polo, não é explicada por uma pedra ou por outra, mas sim pela interação de um número incontável de elementos de apoio. Este livro também faz algumas perguntas com as quais não é fácil lidar: por que

algumas ideias e alguns produtos se tornam populares? Que fatores traçam a linha que separa os hits dos fracassos? O esforço de encontrar respostas satisfatórias a tais perguntas naturalmente requererá alguma generalização. Porém, durante todo o processo, tentei me lembrar de que os gostos das pessoas não são regidos por um conceito único nem por uma lei biológica única. Em vez disso, a forma das preferências de um indivíduo é um arco sustentado por muitas pedras. Aquela citação de Calvino, em si, seria um bom argumento contra um livro como este, que busca teorias grandiosas para como o mundo funciona. Mas é aí que entra a segunda citação. Borges descreve um império que tem uma guilda cartográfica tão avançada que projeta um mapa em tamanho real. Ainda assim, as pessoas rejeitam esse feito de exatidão, e os farrapos do mapa passam a servir para vestir mendigos no deserto. Há virtude na simplicidade. Um mapa de papel com o tamanho exato do império que ele descreve é inútil, pois um mapa só tem utilidade se for pequeno o bastante para ser segurado e lido. O mundo é complexo. No entanto, todo significado advém da sábia simplificação. Um dos temas deste livro é que os públicos estão sedentos por significado e suas preferências são guiadas por uma interação entre o complexo e o simples, o estímulo de coisas novas e um profundo conforto com o que é familiar. Em vez de achar atalhos que supersimplifiquem os motivos pelos quais alguns produtos culturais são bem-sucedidos, meu objetivo é contar uma história complexa de uma forma simples. A espinha dorsal deste livro é pequena demais para conter a ponte de Marco Polo. Na melhor das hipóteses, eu espero encontrar boas pedras, desenhar um belo mapa.

* Cliffranger: “à beira do abismo” em tradução literal, é um recurso usado em roteiros p ara exp or o p ersonagem a uma situação limite, p recária, tal como um dilema, confronto ou revelação. Geralmente, o cliffhanger é utilizado p ara p render a atenção da audiência e, em casos de séries, criar no p úblico uma exp ectativa de conclusão dos acontecimentos. [N. do E.]

Parte I

POPULARIDADE E A MENTE

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O PODER DA EXPOSIÇÃO Fama e familiaridade — na arte, na música e na política

Em uma chuvosa manhã de outono, eu caminhava sozinho pela exibição impressionista da Galeria Nacional de Arte, em Washington, D.C., nos Estados Unidos. Parado diante de uma parede coberta por pinturas famosas, fui assolado por uma pergunta que imagino que muitas pessoas se façam mentalmente em um museu, mesmo que seja rude dizê-la em voz alta na companhia de estranhos: por que essa coisa é tão famosa? Tratava-se de A ponte japonesa, de Claude Monet, uma ponte azul que se arqueia sobre uma lagoa verde-esmeralda, adornada por flores amarelas, cor-de-rosa e verdes: os icônicos nenúfares. Era impossível não reconhecer tal quadro. Quando eu era criança, um dos meus livros ilustrados incluía diversas pinturas dos nenúfares de Monet. Também era impossível ignorar o quadro por causa de várias crianças que disputavam espaço em meio à multidão geriátrica para que pudessem vê-lo mais de perto. “Sim!”, disse uma adolescente, segurando seu celular em frente a seu rosto para tirar uma foto. “Oh!”, exclamou o menino mais alto e de cabelos cacheados atrás dela. “É aquele quadro famoso!” Diversos outros estudantes de escolas secundárias ouviram seus gritos e, dentro de poucos segundos, um grupo havia se reunido em volta deste quadro de Monet. A várias salas de distância dali, a galeria contava com uma exposição especial de um outro pintor impressionista, Gustave Caillebotte. Este era um evento mais silencioso e menos agitado. Não havia nenhum estudante ali, nem exclamações extasiadas de reconhecimento, apenas muitos dizendo hum-hum e pessoas concordando, solenes. Caillebotte não é mundialmente famoso como Monet, Manet ou Cézanne. A placa do lado de fora de sua

exposição na Galeria Nacional se referia a ele como “talvez o menos conhecido dos impressionistas franceses”.1 Porém as pinturas de Caillebotte são excelentes. Seu estilo é impressionista, ainda que mais preciso, como se as imagens tivessem sido captadas com a lente de uma câmera levemente mais focada. Com frequência mostrando a vista de uma janela, ele retratava a colorida geometria urbana da Paris do século XIX, com seus paralelepípedos amarelos, suas calçadas de um branco claríssimo e os iridescentes tons de cinza de bulevares escorregadios com a chuva. Seus contemporâneos consideravam-no um fenômeno à altura de Monet e Renoir. Émile Zola, o grande escritor francês que chamou a atenção para o “delicado uso da cor” no impressionismo, declarou que Caillebotte era “um dos mais ousados do grupo”. Ainda assim, 140 anos depois, Monet é um dos pintores mais famosos da história, enquanto Caillebotte é relativamente anônimo. Um mistério: dois pintores rebeldes tiveram suas artes penduradas na mesma exibição impressionista, em 1876. Considera-se que sejam ambos promissores e de talentos similares. No entanto, os nenúfares de um deles tornam-se um hit cultural global, endeusados em livros ilustrados, estudados por historiadores da arte, admirados por alunos de escolas secundárias e em destaque em todas as turnês da Galeria Nacional de Arte, e o outro pintor é pouco conhecido entre fãs casuais de arte. Por quê? Durante muitos séculos, filósofos, artistas e psicólogos estudaram a arte moderna com o propósito de descobrir a verdade sobre a beleza e a popularidade. Por motivos compreensíveis, muitos deles focaram-se nas pinturas em si. No entanto, estudar as marcas das pinceladas de Monet e as pinceladas de Caillebotte não revelará por que um deles é famoso e o outro, não. É preciso ver a história mais a fundo. Pinturas famosas, canções que viram hits e blockbusters que parecem flutuar com facilidade na consciência cultural têm uma gênese oculta; até mesmo nenúfares têm raízes. Quando uma equipe de pesquisadores na Universidade Cornell estudou a história do cânone impressionista, eles descobriram que algo surpreendente diferenciava os pintores mais famosos.2 Não eram suas relações sociais nem o renome durante o século XIX. Tratava-se de uma história mais sutil. E tudo começou com Caillebotte.

Gustave

Caillebotte nasceu em uma rica família parisiense em 1848. Quando jovem, ele passou do direito à engenharia e ao exército francês na Guerra Franco-Prussiana. Aos vinte e poucos anos ele descobriu uma paixão pela pintura e um imenso talento para a tela. Em 1875, ele apresentou Os raspadores de assoalho à Academia de Belas Artes em Paris. Nesse quadro, a luz branca vinda de uma janela ilumina as costas brancas e desnudas de vários homens que trabalham de joelhos, raspando o chão marrom-escuro de um quarto vazio, enquanto a madeira removida forma curvas espiraladas ao lado de suas pernas. A pintura foi rejeitada. Um crítico posteriormente resumiu a resposta desdenhosa quando disse: “Faça nus, mas faças belos nus ou não faça mais nada de jeito nenhum.” Os impressionistas, ou, como Caillebotte também se referia a eles, os Intransigentes, discordavam disso. Vários deles, inclusive Auguste Renoir, gostaram de sua abordagem cotidiana dos raspadores de chão e pediram que Caillebotte participasse de uma exposição com seus colegas rebeldes. Ele tornou-se amigo de alguns dos jovens artistas mais controversos daquela era, como Monet e Degas, comprando dezenas de obras deles de uma vez, quando poucos homens ricos europeus gostavam dos quadros. Os autorretratos de Caillebotte mostram-no com meia-idade, com cabelos curtos e um rosto que parecia a ponta de uma flecha, anguloso e pontudo, com uma austera barba grisalha. Sua vida interior também tinha uma expressão e cores sombrias. Convencido de que morreria jovem, Caillebotte redigiu um testamento que instruía o estado francês a aceitar sua coleção de arte e a pendurar quase setenta de suas pinturas impressionistas em um museu nacional.3 Seus temores previram seu futuro. Caillebotte morreu de um derrame em 1894, aos 45 anos de idade. Seu legado incluía pelo menos dezesseis telas de Monet, oito de Renoir, oito de Degas, cinco de Cézanne e quatro de Manet, junto com dezoito telas de Pissarro e nove de Sisley.4 É bastante crível que suas paredes valeriam muitos bilhões de dólares em uma venda em um leilão da Christie’s no século XXI. No entanto, na época, sua coleção era bem menos cobiçada. No testamento, Caillebotte havia estipulado que todas suas pinturas fossem penduradas no Museu de Luxemburgo, em Paris. Porém, até mesmo com Renoir atuando como seu testamenteiro, a princípio o governo francês recusou-se a aceitar as obras de arte.

A elite francesa, incluindo críticos conservadores e até mesmo políticos importantes, consideraram a herança presunçosa, se não totalmente ridícula. Quem era esse patife para achar que poderia, depois de morto, forçar o governo francês a pendurar dezenas de atrocidades manchadas em suas próprias paredes? Vários professores de arte ameaçaram pedir demissão da Escola Superior de Belas Artes se o estado aceitasse as pinturas impressionistas. Jean-Léon Gérôme, um dos artistas acadêmicos mais famosos de sua época, pronunciou-se de forma explosiva, dizendo: “Teria de haver um grande relaxamento moral para que o governo aceitasse tamanha porcaria.” No entanto, o que é a história da arte senão um grande afrouxamento de valores atrás do outro? Depois de anos lutando contra o estado francês e a própria família de Caillebotte para honrar o legado dele, Renoir persuadiu o governo a aceitar por volta de metade da coleção. Estima-se que as pinturas aceitas incluíram oito obras de Monet, sete de Degas, sete de Pissarro, seis de Renoir, seis de Sisley, duas de Manet e duas de Cézanne. Quando as obras de arte foram, em 1897, finalmente penduradas em uma nova ala no Museu de Luxemburgo, isso representou a primeiríssima exibição nacional de arte impressionista na França ou em qualquer país europeu.5 O público lotou o museu para ver arte que antes criticava de forma brutal ou simplesmente ignorava. A longa batalha envolvendo o espólio de Caillebotte (que a imprensa chamou de l’affaire Caillebotte, o caso Caillebotte) teve exatamente o efeito que ele deve ter esperado: trouxe a seus amigos intransigentes uma atenção nunca antes vista e, até mesmo, um pouco de respeito. Um século depois da exposição da coleção de Caillebotte, James Cutting, um psicólogo na Universidade Cornell, contou mais de quinze mil ocorrências de pinturas impressionistas em centenas de livros na biblioteca da universidade. Ele concluiu, “inequivocamente”, que havia sete (“e apenas sete”) pintores impressionistas principais, cujos nomes e cujas obras apareciam com bem mais frequência do que os de seus pares. Esse núcleo de pintores consistia em Monet, Renoir, Degas, Cézanne, Manet, Pissarro e Sisley. Sem sombra de dúvida, esse era o cânone impressionista. O que diferencia esses sete pintores dos outros? Eles não tinham um estilo em comum. Eles não receberam louvores únicos de críticos contemporâneos nem sofreram igual censura. Não há nenhum registro de que esse grupo socializasse de forma exclusiva, nem de que eles colecionassem

exclusivamente as obras uns dos outros, nem que tivessem exibições também exclusivas. Na verdade, parecia haver uma única qualidade exclusiva partilhada pelos impressionistas mais famosos. Os sete principais pintores impressionistas eram os únicos da herança de Gustave Caillebotte.

Exatamente

cem anos depois da morte de Caillebotte, em 1994, James Cutting estava diante de uma das mais famosas pinturas no Museu de Orsay, em Paris, e teve um pensamento que nos é familiar: por que essa coisa é tão famosa? A pintura em questão era O baile no moulin de la Galette. Com cerca de 1,20m de altura e 1,80m de largura, a obra de arte mostra vários parisienses bem vestidos reunidos em um salão de dança ao ar livre, dançando valsa, bebendo e aconchegando-se em volta de mesas, sob a luz colorida de uma tarde de domingo no distrito de Montmartre, em Paris. Cutting reconheceu a obra na hora, mas ele se perguntou o que havia de tão inerentemente especial em relação a essa pintura, além do fato de que ele a reconhecia. Sim, ele admitia que O baile no moulin de la Galette era fascinante, mas a obra de arte obviamente não era melhor do que as de pintores menos celebrados em salas adjacentes. “Eu realmente tive um momento aha!”, disse-me Cutting. “Eu me dei conta de que Caillebotte não somente tinha sido dono da pintura O baile no moulin de la Galette como também de muitas outras que estavam no museu e que se tornaram extremamente famosas.” Ele retornou a Ithaca para destrinchar sua eureca. Cutting e um pesquisador assistente repassaram cerca de mil livros de arte impressionista na Universidade Cornell de modo a fazer uma lista dos artistas mais comumente reproduzidos. Ele concluiu que o cânone dos impressionistas foca-se em um grupo restrito de sete pintores principais: Manet, Monet, Cézanne, Degas, Renoir, Pissarro e Sisley — os Sete de Caillebotte. Cutting tinha uma teoria: a morte de Gustave Caillebotte ajudara a criar o cânone impressionista. Seu legado para o estado francês criara a moldura por meio da qual os fãs de arte contemporâneos e futuros veriam o impressionismo. Historiadores da arte focavam-se nos Sete de Caillebotte, o que conferiu prestígio às obras deles, à exclusão de outras. As pinturas dos Sete de Caillebotte ficavam penduradas com mais destaque em galerias, eram vendidas por maiores quantias de dinheiro para colecionadores

particulares, eram mais valorizadas por conhecedores de arte, eram impressas em mais antologias artísticas, além de serem dissecadas por mais alunos de história da arte, que se tornariam a próxima geração de especialistas, ávida para passar adiante a fama herdada dos Sete de Caillebotte.* Cutting tinha uma outra teoria: o fato de que o legado de Caillebotte moldara o cânone impressionista atestava algo profundo e universal em relação à mídia, ao entretenimento e à popularidade. As pessoas preferem as pinturas que já viram antes. O público gosta de arte que lhe confere a torrente de significado geralmente propiciada por algum vago reconhecimento. De volta a Cornell, Cutting testou sua teoria. Ele reuniu 166 pessoas de sua classe de psicologia e apresentou a elas pares de obras de arte impressionistas. Em cada par, uma das pinturas era significativamente mais “famosa” do que a outra, ou seja, havia uma probabilidade maior de que aparecesse em um dos livros de estudos da Universidade Cornell. Sessenta por cento dos alunos disseram que preferiam a pintura mais famosa. Isso poderia sugerir que as pinturas famosas são melhores. Ou poderia ter significado que os alunos da Universidade Cornell preferiam obras de arte canônicas porque estavam familiarizados com aquelas pinturas. Para provar essa segunda possibilidade, Cutting tinha de projetar um ambiente em que os alunos fossem involuntariamente, mas repetidas vezes, expostos a pinturas menos famosas da mesma forma como os públicos consumidores de arte são também involuntária, mas repetidamente, expostos ao cânone impressionista desde a juventude. O que veio em seguida foi um tanto quanto inteligente: em uma outra classe de psicologia, Cutting bombardeou os alunos com obras de arte obscuras do fim do século XIX.6 Os estudantes nessa segunda classe viram uma pintura impressionista não famosa quatro vezes para cada vez que viam de relance uma obra de arte famosa. Foi a tentativa de Cutting de recriar um universo paralelo da história da arte, em que Caillebotte nunca morreu prematuramente, em que seu lendário legado jamais criou uma ala impressionista e onde os Sete de Caillebotte nunca se beneficiaram de um incidente aleatório da história que elevou sua exposição e popularidade. No final desse segundo momento, Cutting pediu que os 151 alunos escolhessem suas pinturas prediletas dentre 51 pares. Os resultados do concurso de popularidade viraram o cânone de ponta-cabeça. Em 41 dos 51

pares, a preferência dos alunos pelas obras de arte dos impressionistas mais famosos desapareceu. O magnetismo esmeralda dos jardins de Monet, a carregada policromia de Renoir e a genialidade de Manet foram quase completamente eliminados por uma outra coisa: o poder da exposição repetida. É extraordinário o fato de que a herança de Caillebotte tenha ajudado a formar o cânone do impressionismo porque, propositalmente, ele comprou as pinturas menos populares de seus amigos. Caillebotte estabeleceu um princípio de comprar “especialmente aquelas obras de arte de amigos que pareciam particularmente impossíveis de serem vendidas”, escreveu o historiador de arte John Rewald. Por exemplo, Caillebotte serviu como comprador de último recurso ao adquirir O baile no moulin de la Galette, de Renoir. Hoje em dia, a pintura que Caillebotte resgatou da obscuridade e que inspirou o famoso estudo de psicologia da arte de Cutting é considerada uma obra-prima. Quando foi vendida em um leilão por 78 milhões de dólares, em 1990, foi a segunda obra de arte mais cara a ser comprada. Você pode achar que a pintura de Renoir é inerentemente bela — eu penso assim —, porém, sua fama canônica é inseparável de sua absurda sorte de estar em meio à coleção de Caillebotte. Mary Morton, curadora de pinturas francesas na Galeria Nacional de Arte, organizou a mostra de Caillebotte do museu, em 2015. Ela me disse que a falta de exposição poderia explicar o anonimato do artista por um outro motivo: o mais importante colecionador do impressionismo não tentava vender sua arte. Uma das figuras mais importantes dos bastidores da história impressionista é Paul Durand-Ruel, colecionador e marchand francês que atuava como uma central de um homem só para pinturas impressionistas antes de se tornarem mundialmente famosas. Seus esforços exaustivos de tentar vender obras de Monet e de outros impressionistas criaram e sustentaram o movimento enquanto os salões franceses e a aristocracia europeia consideravam seu estilo espatulado uma hedionda afronta ao romantismo francês. Durand-Ruel encontrou mais sucesso entre colecionadores americanos. “Conforme a revolução industrial e a renda aumentavam exacerbadamente, novos-ricos moravam em grandes e modernos apartamentos em Paris e na cidade de Nova York”, disse-me Morton. “Eles precisavam de decoração a preços acessíveis, belas e amplamente disponíveis, e as pinturas impressionistas combinavam todos esses três

pontos.” A nova riqueza criava espaço para novos gostos. O impressionismo preencheu essa lacuna. Porém, Caillebotte não se enquadra nessa história de que a popularidade do impressionismo se deve aos novos-ricos. Ele era milionário, herdeiro de uma grande fortuna no setor têxtil, e não tinha nenhuma necessidade de ganhar dinheiro com a pintura, que era seu hobby. Há mais de 2.500 desenhos, pinturas e pastéis atribuídos a Monet. Apesar de forte artrite que o acometia, Renoir produziu uma impressionante quantidade de 4 mil obras. Caillebotte produziu cerca de quatrocentas pinturas e fez poucos esforços para distribuí-las a colecionadores ou museus. Ele foi caindo na obscuridade no início do século XXI ao passo que seus colegas tinham suas obras penduradas em galerias lotadas e em coleções particulares, enquanto o poder ecoante do presente de Caillebotte se desenrolava pela história. Quando os alunos das escolas secundárias de hoje reconhecem os nenúfares de Monet, eles estão vendo mais de um século em termos de exposição e fama. Caillebotte é o menos conhecido dos pintores impressionistas, mas não porque é o pior deles. Isso se deve ao fato de que ele ofereceu a seus amigos um presente que estava disposto a negar a si mesmo: a dádiva da exposição.

Durante

séculos, filósofos e cientistas tentaram reduzir a vasta complexidade da beleza a uma teoria adequada. Alguns argumentavam a favor de formas e fórmulas. Lá na Antiga Grécia, filósofos haviam proposto que a beleza é quantificável e está oculta no tecido do universo observável. Outros, inclinados a explicações místicas, propuseram que um número preciso, 1,61803398875..., normalmente conhecido como “a proporção áurea”, poderia explicar a perfeição visual de objetos como flores gregas, templos romanos e dispositivos modernos da Apple. Eles suspeitavam que o mundo estivesse repleto de tais segredos e equações. Platão propôs que o mundo físico era uma réplica imperfeita de um reino ideal. Até mesmo a arte mais engenhosa ou o mais deslumbrante pôr-do-sol estava meramente se esforçando para chegar à inatingível forma perfeita do Belo em si. Nos anos 1930, o matemático George David Birkhoff foi tão longe a ponto de propor uma fórmula para se escrever poesia: O=aa+2r+2m−2ea−2esc.** (É improvável que qualquer pessoa tenha algum dia usado essa fórmula para escrever um poema digno de ser lido.)

Será que realmente existe uma equação à espreita no cálculo infinitesimal do universo que explique por que nós gostamos do que gostamos? Muitos não estavam assim tão certos disso. Alguns céticos argumentavam que a beleza sempre é subjetiva e reside nos indivíduos, não na matemática. O filósofo David Hume disse que “a busca da verdadeira beleza ou da real deformidade é infrutífera, assim como tentar determinar a doçura real ou o verdadeiro amargor”. O filósofo Immanuel Kant concordava que a beleza era algo subjetivo, todavia, enfatizava que as pessoas têm um “julgamento” estético. Imagine ouvir uma bela canção ou ficar diante de uma pintura belíssima. Perder-se no deslumbre é o oposto de insensatez. O prazer é uma forma de pensar. Estava faltando uma voz importante nesse longo debate entre caçadores de fórmulas e céticos: a voz dos cientistas. Dados quantitativos não entraram na discussão até que Gustav Theodor Fechner, um físico alemão quase cego, entrou em cena em meados do século XIX e, no processo de investigar o gosto artístico, ajudou a inventar a psicologia moderna. Nos anos 1860, Fechner estava determinado a descobrir as leis da beleza por sua conta. Seus métodos eram únicos porque poucos tinham pensado em fazer a coisa mais simples ao abordar uma questão sobre as preferências pessoais: simplesmente perguntar às pessoas do que elas gostam. Seu experimento mais famoso envolveu formas. Ele fez com que voluntários de diversas idades e diferentes históricos de vida apontassem quais retângulos eles consideravam mais bonitos. (Eram os primórdios da ciência.) Ele notou um padrão: as pessoas gostavam de retângulos que tinham as proporções áureas, cujos lados longos eram cerca de 1,6 vezes mais compridos do que seus lados curtos. Seria adorável dizer que o primeiro estudo na história da psicologia foi um triunfo. Infelizmente, a ciência é uma longa jornada de erros e a conclusão de Fechner era fabulosa, mas errada. Posteriormente, cientistas fracassaram repetidas vezes em suas tentativas de replicá-la. Nem todos os pais fundadores têm ideias dignas de serem exaltadas. A descoberta de Fechner foi um fracasso, mas seu primeiro instinto foi brilhante: os cientistas deveriam estudar as pessoas perguntando a elas sobre suas vidas e suas ideias. Com o tempo, tal princípio produziu todos os tipos de conclusões produtivas. Nos anos 1960, o psicólogo Robert Zajonc conduziu uma série de experimentos na qual ele mostrava aos voluntários palavras sem sentido, formas aleatórias e caracteres que pareciam

ideogramas chineses; em seguida, perguntava aos participantes quais eles preferiam. Em um estudo atrás do outro, as pessoas, confiantes, escolhiam as palavras e formas engraçadas que haviam visto mais. Não era o caso de alguns retângulos serem perfeitamente retangulares. Nem que alguns caracteres fossem perfeitamente como os ideogramas chineses. As pessoas simplesmente gostavam de quaisquer formas e palavras que elas tivessem visto mais. Sua preferência era pela familiaridade. Essa descoberta é conhecida como “efeito da mera exposição” ou simplesmente “efeito da exposição”, e é uma das descobertas mais sólidas e substanciais da psicologia moderna. As pessoas não apenas preferem amigos em vez de estranhos ou cheiros familiares em vez de odores com os quais não estão familiarizadas. Em centenas de estudos e metaestudos, voluntários pelo mundo todo preferem formas, paisagens, bens de consumo, canções e vozes humanas familiares. As pessoas têm ainda uma inclinação favorável à versão que lhes é mais familiar daquilo que elas deveriam conhecer melhor no mundo: seus próprios rostos. O rosto humano é levemente assimétrico, o que quer dizer que uma fotografia captura um rosto ligeiramente diferente daquele mostrado por um espelho. As pessoas às vezes se encolhem quando veem fotografias delas mesmas, e diversos estudos mostram que as pessoas preferem o rosto que veem em um reflexo. Uma superfície de vidro revela seu semblante em sua forma objetivamente mais bela? Provavelmente não. Você prefere esta versão do seu rosto porque está acostumado a vê-lo dessa forma. A preferência pela familiaridade é tão universal que alguns acham que ela deve ter sido escrita em nosso código genético quando nossos ancestrais pescavam com redes nas savanas. A explicação evolutiva para o efeito da exposição é simples: se você reconhece um animal ou uma planta, então este ser ainda não o matou.

O

filósofo Martin Heidegger disse uma vez: “Todo homem nasce como muitos homens e morre sendo único.” Há um bocado de gostos partilhados por quase todas as crianças, como, por exemplo, a preferência por comidas doces e harmonias não dissonantes.7 Porém os gostos de adultos são diversos, em grande parte porque são moldados pela experiência individual, e cada pessoa aproveita a vida e sofre nela de um jeito diferente. As pessoas nascem medianas e morrem únicas.

Não há nada mais importante para a preservação dos grupos de coletores-caçadores do que fazer sexo e mover-se de um lugar para o outro em segurança.8 Então, consideremos esses dois pilares de sua psicologia — o que torna uma face bela? O que torna uma paisagem desejável? —, para vermos as origens em potencial de uma propensão ao que nos é familiar. É comum dizer que as pessoas gostam de rostos simétricos. No entanto, a equivalência horizontal sozinha não é o melhor indicador de beleza. Pense nisso: você consegue dizer o quanto alguém é atraente apenas olhando para um dos lados de seu rosto? E transformar um rosto não atraente em um rosto perfeitamente simétrico não cria, de repente, uma top model de sucesso. A explicação mais rigorosamente científica para a beleza é que as pessoas são atraídas por rostos que se parecem com muitos outros. Em se tratando de aparência, o mediano é realmente bonito. Vários estudos que fizeram uso de simulações de computadores mostraram que a mescla de muitos rostos de pessoas do mesmo gênero cria um semblante mais atraente do que os rostos dessas mesmas pessoas individualmente. Se mesclarmos muitas pessoas extremamente bonitas, a mistura é até mesmo mais encantadora.9 O que há de tão belo em um rosto mediano? Os cientistas não estão muito certos quanto a isso. Talvez seja evolutivo, e um rosto-demuitos-rostos sugira diversidade genética. De qualquer forma, o apelo é universal e talvez até mesmo inato. Em estudos com adultos e crianças, feitos na China, em toda a Europa e nos Estados Unidos, os rostos mais medianos são considerados os mais atraentes.*** Todavia, além da média, os gostos divergem insanamente. Não existe nenhuma atração universal por botoques, batom ou franja, embora se possam encontrar milhares de pessoas no mundo todo que acham cada um deles sedutor. Muitos consideram óculos algo sexy, mas isso é meio que um retrocesso em termos evolutivos. A necessidade de tecnologia oftalmológica calibrada com precisão para uso no dia a dia é um sinal de genes ruins para a visão. Antigos coletores-caçadores provavelmente não se apaixonariam por armações em cima de seus narizes e de suas orelhas para equilibrar lentes ópticas na frente de seus olhos, mas isso não diminui a popularidade da fantasia da bibliotecária sexy. Se existem preferências biológicas por rostos, elas são como argila mole e a cultura pode moldá-la em uma miríade de formas. Outro lugar para se ver o desdobramento de preferências adultas a partir de uma origem em comum é nas paisagens. Um estudo global de fotos da

natureza, como florestas tropicais, savanas e desertos, descobriu que crianças pelo mundo todo parecem preferir a mesma topografia. É algo parecido com uma savana com cobertura de árvores, e por acaso lembra a paisagem do leste africano em que a espécie do Homo sapiens pode ter se originado. Parece, assim, que os seres humanos nascem com aquilo que Denis Dutton, professor de filosofia da arte, chama de um “gosto pleistocênico generalizado em termos de paisagens”.10 No entanto, os gostos de adultos por cenários não são nem generalizados nem pleistocênicos. São bem variados. Algumas pessoas preferem o canino afiado do pico do Matterhorn, alguns adoram uma lagoa do Maine matizada de cor de rosa pelo pôr-do-sol, e outros têm uma predileção pelos tons de laranja queimado do Marrocos. Alguns detalhes da paisagem parecem ser universalmente atraentes. Por exemplo, as pessoas no mundo todo são atraídas pela presença de água límpida, uma necessidade vital, antiga e eterna. Existem evidências de que observadores de diferentes culturas e históricos de vida sentem-se atraídos por montanhas divididas por rios serpeantes e florestas cortadas por trilhas que se esgueiram em direção a um ponto em que desaparecem.11 Esses detalhes representam uma coisa que os ancestrais humanos adorariam ver: um caminho navegável em meio ao caos da natureza. Porém, conforme os adultos vão vendo diferentes filmes, calendários, revistas, fotografias e miradouros, sua impressão da paisagem “perfeita” desdobra-se em um milhão de direções. Em uma análise final, a beleza não reside em formas, nem em proporções cósmicas, nem mesmo nas ligações elétricas que são padrão das mentes, dos corações e das entranhas dos seres humanos. Ela existe na interação entre o mundo e as pessoas, quer dizer, na vida. As pessoas adaptam-se. Parafraseando Tennyson, elas são a soma de tudo que já conheceram. Nascem medianas e morrem únicas.

Antes da existência de feeds das mídias sociais, antes que existissem redes de TV a cabo ou emissoras de televisão e antes até mesmo da existência dos modernos jornais nacionais em papel, havia museus públicos. Sem contar o anfiteatro, o museu público foi, quase indiscutivelmente, a primeira tecnologia a distribuir trabalhos artísticos, que agora são conhecidos em seu conjunto como “conteúdo”, para um público em massa. Talvez seja estranho

pensar em um museu como sendo qualquer coisa próxima a uma invenção moderna, visto que, para muitos, museus trazem à mente a ideia de antiguidade, naftalina e crianças pedindo para ir ao banheiro. Porém, assim como muitas tecnologias, desde máquinas a vapor a smartphones, o museu público democratizou um mercado de obras de arte e artefatos, disponibilizando para as massas o que antes era acessível apenas para os ricos. Embora multidões tenham olhado boquiabertas para a arte exposta publicamente durante milênios, a maior parte das coleções de arte em toda a história era particular e guardada sob cuidados de membros da realeza. O moderno museu público foi uma invenção do Iluminismo e de sua noção radical de que plebeus comuns mereciam instrução. O primeiro museu público nacional foi o Museu Britânico, inaugurado em 1759 como um “gabinete de curiosidades” que incluía artefatos do antigo Egito e flora da Jamaica.12 Museus nacionais floresceram por toda a Europa e pelo Atlântico nas décadas seguintes. O sábio americano Charles Willson Peale fundou o primeiro museu público moderno dos Estados Unidos13 na Filadélfia em 1786, com milhares de espécies de plantas e pinturas de animais de sua coleção.**** O Louvre foi inaugurado em Paris em 1793, e o Prado, em Madri, foi inaugurado em seguida, em 1819. O legado de Caillebotte agraciou as paredes do Museu de Luxemburgo no ápice dessa febre de novos museus públicos na Europa. Na segunda metade do século XIX, cem museus foram inaugurados só na Grã-Bretanha. Se museus públicos foram, durante vários séculos, as mais importantes propriedades em termos de arte, então, o rádio é o museu público da música pop, o grande salão de exposição em massa. A transmissão de música no rádio foi tão crucial para formar a popularidade de novas músicas em meados do século XXI que as gravadoras desenvolveram elaborados esquemas de “subornos comerciais” em que pagavam diretamente a estações de rádio para que tocassem suas canções. Até mesmo no nosso século, a transmissão onipresente de músicas em rádios é crucial para a criação de um hit. “Todas as pesquisas de consumidores que já fizemos mostram apenas um fator consistente: o rádio é o propulsor número um de vendas e o maior indicador do sucesso de uma música”, diz Dave Bakula, vice-presidente sênior de analítica na Nielsen, que acompanha as vendas de músicas e suas transmissões em rádios. “Nós vemos, quase invariavelmente, os maiores hits musicais serem tocados no rádio primeiro e depois aparecer [em outras

plataformas].” A exposição pública nas rádios pode ser até mesmo mais poderosa do que a “mera” exposição, porque a presença de uma canção em uma das quarenta principais estações proporciona outras pistas em relação à sua qualidade, como a sensação de que os criadores de gostos e outros ouvintes já ouviram e endossaram essa obra. Até mesmo nos primórdios dos negócios da música americana, para fazer com que uma canção virasse um hit, uma melodia memorável vinha em segundo plano — em primeiro vinha a engenhosa campanha de marketing. “Na Tin Pan Alley, o entendimento dos editores era de que não importava o quão espirituosa, fácil de ser lembrada ou imortal uma canção fosse, seu [sucesso] dependia de seu sistema de distribuição”, escreveu o historiador musical David Suisman, no livro Selling Sounds [Vendendo sons].14 Na cidade de Nova York, perto do fim do século XIX, escritores e editores em uma área próxima à Union Square apelidada de “Tin Pan Alley”, desenvolveram um processo elaborado de fazer com que novas músicas virassem hits. Eles distribuíam partituras das canções a músicos locais, que tocavam cada melodia em diferentes bairros, do Lower East Side ao Upper West Side, e depois relatavam quais haviam “pegado”. Os padrões americanos provenientes desse período, tais como “The Band Played On”, “Take Me Out to the Ball Game” e “God Bless America” eram os produtos de uma realização de testes elaborados e de uma estratégia de distribuição que tinha como suportes literais as partituras e os couros dos sapatos. Os criadores de hits da Tin Pan Alley deram lugar ao rádio e, agora, o rádio está cedendo espaço a novas formas de distribuição mais abertas, de igual valor e imprevisíveis. Os hits dos dias de hoje surgem de comerciais de TV, posts no Facebook e vídeos on-line. Uma lista do Spotify de Sean Parker, cofundador do Napster, recebe amplamente o crédito de ter lançado a canção “Royals”, de Lorde, o hit que se tornou a surpresa de 2013.15 Dois anos antes disso, uma cantora e compositora canadense, Carly Rae Jepsen, lançou uma música animadinha, “Call Me Maybe”, que estreou na posição 97 na parada de sucessos Canadian Hot 100. Por volta do fim do ano, essa música ainda não estava entre as vinte primeiras. Porém, um outro cantor de música pop canadense, Justin Bieber, ouviu essa faixa no rádio e falou bem dela no Twitter. No começo de 2012, Bieber fez um vídeo no YouTube em que, junto a vários amigos seus, entre eles a estrela pop Selena Gomez, dançava ao som dessa música usando bigodes de mentira. Esse vídeo agora tem mais de 70 milhões de visualizações e ajudou a tornar “Call Me Maybe”

(esta com mais de 800 milhões de visualizações no YouTube) uma das maiores músicas pops da década. A música (e, por sinal, toda cultura), prende-se a momentos assim e agora tais momentos podem vir de qualquer lugar. O rádio convencional ainda detém um grande poder de distribuição, afinal de contas, foi assim que Bieber primeiramente ouviu “Call Me Maybe”, no entanto, ela não mais detém um monopólio sobre a exposição. Todas as contas de mídias sociais, todos os bloggers, todos os sites da internet e todos os vídeos promiscuamente compartilhados são, essencialmente, uma estação de rádio. Seria legal pensar que, em um mercado cultural como o da música, a qualidade é tudo, e cada hit número um é o melhor de sua classe. Além do mais, parece tremendamente difícil provar o contrário. Como demonstrar que uma música desconhecida é “melhor” do que a música mais popular do país? Seria necessário uma coisa louca: um universo paralelo para comparação, em que milhares de pessoas ouviram as mesmas canções e chegaram a conclusões diferentes sem o poder do marketing. Na verdade, esse universo paralelo existe. Gravadoras consultam-no o tempo todo. É o que fazem HitPredictor e SoundOut, empresas que realizam testes com músicas on-line, pedindo a milhares de pessoas para avaliar a facilidade de se lembrar de novas canções antes que a população geral tenha formado uma opinião sobre elas. Como o nome sugere, HitPredictor [Previsor de Hit] (de propriedade da iHeart Media, a maior proprietária de estações de rádios AM e FM nos Estados Unidos) “prediz” que canções serão hits, tocando um gancho de uma nova canção para um público on-line três vezes sem lhes dizer muito mais sobre a faixa. O propósito é captar a “facilidade de se lembrar da música” em um vácuo. Os públicos dão notas numéricas à canção. Uma música pode ter uma nota alta na casa dos cem, mas qualquer uma com nota acima de 65,00 é considerada elegível para tornar-se um grande hit. Sessenta e cinco é o limiar: acima desse nível, uma faixa tem o apelo intrínseco de ser uma das canções top no país. Eis as notas do HitPredictor para diversas canções extremamente populares que ficaram entre as cinco mais na parada musical Billboard Hot 100, no outono de 2015: “Hotline Bling”, Drake: 70,25 “The Hills”, The Weeknd: 71,39

“Stitches”, Shawn Mendes: 71,55 “Sorry”, Justin Bieber: 77,14 “What Do You Mean?”, Justin Bieber: 79,12 “Hello”, Adele: 105,00 Estude esses números por um segundo. Você nota alguma coisa estranha? Em teoria, uma música pode ficar na faixa dos cem, porém, a maioria desses grandes hits está apenas um pouquinho acima do limar de 65,00. Não há nada na faixa dos oitenta pontos ou acima, exceto pelo incrível e atípico valor dado a “Hello”. Fique com esse mistério em segundo plano por alguns parágrafos, porque existe algo de enganoso e poderoso sobre essas notas “apenas” na faixa dos setenta pontos alcançadas por esses hits. SoundOut é uma empresa similar no Reino Unido que testa cerca de dez mil faixas on-line todos os meses. Cada nova canção é transmitida via streaming para mais de cem pessoas, que lhes dão notas depois de pelo menos noventa segundos. Na SoundOut, o número mágico é oitenta, e qualquer música com nota acima desse limiar (cerca de 5% das músicas testadas), é considerada suficientemente fácil de ser lembrada para se tornar um hit. O disco que apresentou o melhor desempenho na história da SoundOut foi o segundo álbum de Adele, 21, que incluiu três hits número um mundiais e ganhou, em 2012, o Grammy de melhor álbum do ano. “Todas as canções no álbum 21 tiveram notas acima de oitenta”, disse-me David Courtier-Dutton, fundador e CEO da SoundOut, em fins de 2015. “Nós nunca tínhamos visto isso antes e nunca vimos algo assim desde então.” Tanto a HitPredictor quanto a SoundOut acham que, sim, existe uma qualidade mensurável ou uma facilidade de se lembrar da canção. Melodias que não atingem seus números mágicos tendem a fracassar também no mundo real. Todavia, analise novamente os top hits do final do ano de 2015: músicas na faixa dos setenta rotineiramente batem dezenas de outras canções que tiveram notas nas faixas dos oitenta e noventa, senão centenas delas. Acima de um certo nível, a facilidade de se lembrar de uma canção não faz dela um hit monstro. A exposição, sim. “Para cada grande canção que chega às paradas musicais e fica sendo tocada nas rádios durante meses, há uma centena de outras simplesmente tão boas quanto, se não melhores, que, se fossem cantadas pelo artista certo e com o marketing certo, seriam tremendos hits”, disse Courtier-Dutton, da

SoundOut. “É total e categoricamente verdade que existem milhares de músicas por aí que nunca verão a luz do dia porque jamais terão a distribuição de que precisam para decolar no mercado, mesmo que tenham conseguido notas acima de oitenta.” O que está impedindo o sucesso de milhares de músicas interessantes? Às vezes lhes falta simplesmente o poder do marketing de uma gravadora, a sorte de um vídeo viral ou o apoio de uma celebridade como Justin Bieber. Às vezes, os djs não gostam do artista ou a canção não se encaixa em suas playlists. Talvez a banda seja birrenta e um total pé no saco de se comercializar. Talvez sejam várias dessas coisas juntas. No entanto, o ponto é que, todos os anos, centenas de canções não se tornam hits e isso tem muito pouco a ver com o fato de não serem “fáceis o bastante de lembrar”. É o efeito Caillebotte em ação novamente: duas canções pops são lançadas. Pesquisas independentes determinam que elas são igualmente fáceis de serem lembradas. Porém uma torna-se um imenso hit, onipresente em cafeterias, elogiada por sites musicais mainstream, adorada por estudantes de escolas secundárias e até mesmo parodiada no YouTube, ao passo que a segunda é amplamente ignorada e, por fim, esquecida, porque, por algum motivo, nunca recebeu aquele momento crucial de consagração. Existem muitas canções “boas o bastante” para cada canção digna de engatar e tornar-se um genuíno hit. Parece que, para o sucesso, qualidade é um atributo necessário, porém insuficiente. Críticos e o público podem preferir pensar que os mercados são perfeitamente meritocráticos e que os produtos e as ideias mais populares são obviamente os melhores. No entanto, os universos da HitPredictor e da SoundOut provam que, para cada canção hit que você já ouviu, existem centenas igualmente fáceis de serem lembradas, mas relativamente anônimas, melodias que você nunca ouviu. Além de um determinado nível de genialidade na composição, o número de vezes em que o público já ouviu uma melodia é mais importante para sua popularidade do que a facilidade de lembrar-se dela.

Em um mundo de mídias escassas, com apenas um museu público francês, ou somente três estações de rádio locais, a popularidade passa mais por um processamento passo a passo. Hits são mais facilmente controlados e previstos. No entanto, hoje em dia, existem mais de oitenta museus só na

cidade de Nova York. Em sites de streaming, como Pandora, Spotify e Apple Music, existem milhões de estações de rádio públicas e personalizadas. O poder da imprensa pertence a qualquer um que tenha um smartphone. Nesse mundo em que as coisas passam por uma “colcha de retalhos”, onde a autoridade cultural estilhaça-se em um milhão de canais de exposição, é mais difícil prever os hits e proteger a autoridade. Vejamos a arena mais solene da nação para concursos de popularidade: eleições políticas. “Política como entretenimento” é uma frase comum na imprensa, mas a verdade pode estar bem perto disso: para melhor ou pior, política é entretenimento. Toda campanha política é uma organização da mídia. As campanhas gastam metade de seu dinheiro em propaganda.16 Representantes eleitos passam 70% de seu tempo engajados naquilo que qualquer pessoa sã reconhece como telemarketing: pedindo dinheiro diretamente, pedindo que outras pessoas peçam dinheiro, ou formando relações com pessoas ricas, que é uma forma polida e indireta de atingir o mesmo objetivo.17 Até mesmo a sede do governo é uma indústria de entretenimento: segundo os cientistas políticos Matthew Baum e Samuel Kernell, um terço dos funcionários da Casa Branca trabalha em algum aspecto de relações públicas, de modo a promover o presidente e suas políticas. A Casa Branca é um estúdio e o presidente é o seu astro.18 No entanto, a aura de celebridade da presidência encolheu nas últimas décadas ao mesmo tempo em que os canais de exposição cresceram. A maneira mais bem-sucedida de um presidente moldar a opinião pública é falando diretamente com os eleitores.19 Receber a atenção do povo costumava ser uma tarefa mais simples. Nos anos 1960 e 1970, a CBS, NBC e ABC respondiam por mais de 90% da audiência da TV. Eram tempos áureos do púlpito televisionado: só nos anos 1970, o presidente Richard Nixon fez nove pronunciamentos à nação no prime time.20 Os típicos discursos de Nixon e de seu sucessor, Gerald Ford, chegavam à metade de todas as casas onde havia um aparelho televisor. Conforme os canais de televisão foram aumentando, ficou mais fácil ignorar o presidente americano. Ronald Reagan, cujas habilidades telegênicas eram lendárias, atingia, em média, menos de 40% das casas, e o charme eloquente de Bill Clinton conferiu-lhe apenas 30% desse alcance. Enquanto isso, a média dos breves discursos presidenciais em noticiários encolheu de 40 segundos em 1968 a menos de 7 segundos nos anos 1990.21 A

TV a cabo criou a era de ouro da televisão, mas pôs um fim à era de ouro da comunicação presidencial.

O presidente está encolhendo e o mesmo está acontecendo com o partido político. Durante o último meio século, o melhor indicador do sucesso eleitoral de um candidato político era a suposta eleição primária invisível com apoios de políticos, líderes de partidos e doadores. Segundo uma teoria chamada de “o partido decide”, são as elites dos partidos Democrata e Republicano, e não os eleitores, que decidem por seus candidatos prediletos, e essas figuras de autoridade enviam sinais por todas as mídias aos obedientes cidadãos comuns, o que é bem similar ao antigo fluxo da indústria da música: figuras de autoridade (gravadoras e DJs) alardeavam seus produtos prediletos (músicas) por poucos e poderosos canais de exposição (estações de rádio) e os consumidores tipicamente obedeciam (compravam álbuns). No entanto, nas eleições primárias de 2016, o aparente poder da propaganda quase desapareceu. Os candidatos do Partido Republicano Americano com maior apoio da elite, Jeb Bush e Marco Rubio, gastaram cerca de 140 milhões de dólares em anúncios na televisão durante todo o começo do ano de 2016, porém, ambos tiveram suas chamas apagadas.22 O candidato do Partido Republicano com o menor apoio da elite, Donald Trump, gastou menos de 20 milhões em propaganda, todavia, obteve uma vitória esmagadora nas primárias, porque suas declarações infames e sua

candidatura improvável eram irresistíveis estímulos para redes e editores desesperados por audiência e público. No verão de 2016, Trump havia ganhado 3 bilhões em “mídia gratuita”, mais do que o restante combinado de seus rivais.23 Com o aumento das fontes de mídias alternativas, as elites dos partidos perderam sua habilidade de controlar o fluxo de informações políticas passadas aos eleitores, e a figura sem precedentes de uma celebridade de mente singular, petulância autoritária e fanfarrice nativista ganhou com facilidade as eleições primárias.***** Não foi o partido que decidiu. Pelo contrário, tal como a concentração da mídia política em si, ele pareceu dissolver-se. Na política, como em qualquer setor, existe um produto, uma estratégia de marketing e uma oportunidade de compra: um político, uma campanha e um voto. Tanto na política como nos negócios, as pesquisas mostram que a propaganda é mais poderosa quando os consumidores são mais inocentes. A propaganda política, por exemplo, é mais potente quando os eleitores são ignorantes em termos de política de modo geral ou em relação às escolhas de uma eleição em particular (eis um motivo pelo qual a influência de dinheiro tende a ser maior em eleições locais que os eleitores não seguem com tanta atenção). De modo similar, marcas corporativas são mais poderosas em mercados em que os consumidores têm poucas informações, de acordo com Itamar Simonson, professor de marketing em Stanford, e Emanuel Rosen, exexecutivo de software. Pode ser devido ao fato de que o produto é, de alguma forma, técnico (por exemplo, creme dental, visto que a maioria dos consumidores, na verdade, não sabe qual gel é melhor para o esmalte de seus dentes) ou porque o produto é refinado (por exemplo, vinho, setor em que, segundo estudos, os consumidores preferem qualquer safra considerada cara). Assim como a TV a cabo e a internet eliminaram o poder de autoridades políticas, desafiando a teoria de que o partido decide, o fluxo de informações da internet também está diluindo o poder de marca de muitos produtos de consumo.25 Analisemos o mercado de TVs de tela plana: há apenas uns poucos detalhes relevantes em relação a uma grande tela que projeta imagens, como largura e resolução. Qualquer um pode encontrar esses detalhes on-line, então quem precisa consultar o nome que está no plástico embaixo da tela? Logo, não é de se admirar que o negócio de venda de TVs de tela plana esteja um desastre: o preço das TVs diminuiu 95%

entre 1994 e 2014. Nesse mesmo período, a unidade de televisores da Sony foi perdendo dinheiro a cada ano. Quando os consumidores não conhecem o verdadeiro valor dos produtos que estão procurando, eles confiam na iconografia corporativa para guiálos.24 Porém, quando conseguem calcular o valor de um produto por si, ignoram propagandas e marcas. É por isso que Simonson e Rosen chamaram sua teoria de “valor absoluto”. Eles dizem que a internet será uma grande tecnologia assassina de marcas, inundando o mundo com informações e afogando o sinal da propaganda para muitos produtos. Nos anos 1890, um único museu tinha o poder de estabelecer um cânone artístico. Nos anos 1950, uns poucos canais de televisão tinham o poder de enobrecer todas as salas de estar com uma visão do presidente. Agora não mais. A TV a cabo afogou o pronunciamento presidencial na TV. As mídias sociais estão erodindo os partidos. A internet afoga a estigmatização corporativa. Em todos os tipos de mercados, de música, filmes, arte e política, será mais difícil prever o futuro da popularidade conforme o poder de exibição do rádio e da televisão for democratizado e os canais de exposição crescerem. Hoje em dia, existem tantas plataformas que ninguém, nem o presidente, nem o Partido Republicano, nem a Coca-Cola, pode nutrir esperanças de dominar todas de uma vez. Foi-se o tempo das portas de entrada clássicas. Agora, simplesmente, há portas demais.

O poder da exposição é penetrante, desde a arte e a música até a política e as marcas, mas sua origem é difícil de ser captada. Como a familiaridade se metamorfoseia em prazer, de modo que “eu comparo isso com alguma outra coisa” vire “eu gosto disso”? Em seu tratado de 1790, Crítica do juízo, Immanuel Kant propôs que o prazer pode surgir de uma “livre interação” da mente.26 Quando uma pessoa descobre uma ideia ou história atraente, isso dispara um gatilho de um diálogo entre a imaginação e o entendimento, cada um do qual anima o outro. Segundo a interação livre, arte, música e ideias belas oferecem um tipo de provocação cognitiva: elas seduzem com a promessa de compreensão, mas em nenhum momento proveem a plena satisfação de obtê-la. Interação livre é uma ideia adorável: o quão bonito é pensar que nossos pensamentos e sentimentos têm parceiros de dança. E talvez isso seja mais

do que poesia filosófica. Dois séculos depois do tratado de Kant, psicólogos desenvolveram a ideia de “metacognição”.27 Eles propuseram que existe um nível de pensamento acima do pensamento. As pessoas têm pensamentos sobre seus pensamentos e sentimentos sobre seus sentimentos. Você já ouviu alguém dizer “Isso está fazendo o meu cérebro doer”? É comum que se trate de uma piada, mas isso diz algo bem real. De certa forma, nós podemos sentir nossos pensamentos. Alguns deles se desenvolvem com facilidade: como imaginar palavras que rimam com “chapéu”, ouvir a mesma música simples e repetitiva ou uma opinião eloquente em prol de uma posição política com a qual já se concorda. Porém, às vezes, pensar parece um trabalho: ouvir música eletrônica vanguardista sem marcação de tempo ou processar um argumento complexo em prol de uma posição política que se considera abominável. Existe um termo psicológico para o pensamento que vem fácil e, felizmente, também é fácil de ser lembrado. Chama-se “fluência”. Ideias e produtos fluentes são processados mais rapidamente e fazem com que nos sintamos melhor, não apenas em relação a ideias e produtos com os quais nos deparamos, mas também em relação a nós mesmos. A maioria das pessoas geralmente prefere ideias com as quais já concorda, imagens fáceis de se discernir, histórias de fácil conexão e quebra-cabeças fáceis de resolver.****** Uma das mais importantes fontes de fluência é a familiaridade. Uma ideia familiar é mais simples de ser processada e colocada no mapa mental. Quando as pessoas veem uma obra de arte que as faz lembrar de algo famoso, elas sentem a excitação do reconhecimento e atribuem essa excitação à pintura em si. Quando leem um argumento político que reflete suas propensões, isso se encaixa de forma aconchegante em sua noção de como funciona o mundo. Sendo assim, familiaridade, fluência e fato estão ligados de forma inextricável. Pensamentos como “essa ideia me parece familiar”, “essa ideia parece certa” e “essa ideia é boa e verdadeira” mesclam-se em um mingau mental. No entanto, nem todos os pensamentos vêm com facilidade. Algumas ideias, imagens e alguns símbolos são mais difíceis de serem processados e “disfluência” é o termo para o pensamento difícil. Assim como o mingau mental liga a fluência a boas ideias, as pessoas tendem a considerar a

disfluência um sinal de que alguma coisa está errada. Existe um jogo para se brincar em casa que explica tal efeito. Siga esses quatro passos: 1. Pense no último filme, na última peça teatral ou na última série de TV que você terminou de ver: sussurre seu nome para si. 2. Entre 1 (horrível) e 10 (perfeito), imagine como seria a nota que você poderia dar para esta obra. 3. Agora, pense em sete coisas específicas de que você gostou em relação ao filme, à peça ou série de TV. Conte-as nos dedos e não pare até que tenha chegado até a sétima. 4. Finalize a nota que você daria ao filme, à peça ou à série. Esse tipo de jogo é famoso porque algo curioso ocorre com frequência: entre os passos dois e quatro, a nota tipicamente fica mais baixa. Por que sua opinião de um filme, de uma peça ou de uma série de TV diminui conforme você pensa em mais motivos para gostar dele(a)? Depois de uns poucos elogios virem à mente, o esforço de escavar mais torna-se difícil. As pessoas vivenciam a disfluência. E, às vezes, cometem o equívoco de atribuir a sensação de incômodo à qualidade do programa em si. Esse é o efeito do “menos é mais” ou “menos é melhor”. Isso significa que pensar menos leva a gostar mais.28 Um audacioso experimento do Reino Unido descobriu que a opinião dos alunos britânicos sobre o ex-primeiroministro Tony Blair afundava conforme eles listavam mais de suas boas qualidades. Quando se pede que os cônjuges citem menos características encantadoras de seus parceiros, eles louvam-nos mais. Quando se torna difícil pensar em alguma coisa, as pessoas transferem o desconforto do pensamento ao objeto de seu pensamento.29 Quase todas as mídias que as pessoas consomem, todas as compras que fazem, todos os designs com que se deparam, tudo isso vive em um espectro entre a fluência e a disfluência, facilidade e dificuldade de pensar. A maioria das pessoas leva vidas de pacata fluência. Ouvem músicas que soam como aquelas já ouvidas. Ficam ansiosas por filmes com personagens, atores e tramas reconhecíveis. Não prestam atenção a ideias políticas de partidos da oposição, especialmente se essas ideias também parecerem dolorosamente complicadas. Tal como veremos no próximo capítulo, isso é uma pena,

porque as maiores alegrias vêm de descobrir a fluência em lugares inesperados. A atração da fluência é óbvia. Porém, existe uma verdade mais silenciosa: as pessoas precisam de um pouco de seu oposto. Elas querem ser desafiadas, chocadas, escandalizadas, forçadas a pensar... só um pouco. Elas gostam do que Kant chamava de interação livre, não apenas um monólogo de fluência, mas sim um dialogo entre “entendi”, “não estou entendendo” e “eu quero saber mais”. As pessoas são complicadas: curiosas e conservadoras, sedentas por coisas novas e propensas às coisas familiares. A familiaridade não é o fim. É apenas o começo. A pergunta a seguir pode ser a mais importante para todos os criadores e fazedores de coisas no mundo: como fazer algo novo se a maioria das pessoas simplesmente gosta do que conhece? É possível surpreender com a familiaridade?

* No p resente final ao estado francês, Renoir adicionou duas p inturas de Caillebotte. No entanto, elas foram amp lamente ignoradas p elos mais influentes historiadores da arte, talvez devido à sua inclusão de última hora. O monumental livro História do impressionismo, de John Rewald, p ublicado em 1946, considera Caillebotte p elo legado de sua herança, mas lista os sete artistas com os quais estamos familiarizados como os mestres exclusivos do imp ressionismo e mal menciona a p roeza artística de Caillebotte. [N. do A.] ** Na fórmula p ara p oesia, aa refere-se a aliteração e assonância, r é a rima, m, musicalidade, ea, excesso de aliterações, e esc, excesso de sons de consoantes. Antes de usar esta fórmula como modelo p ara escrever seu p róp rio soneto, note que esse é o tip o de equação que colocaria o Dr. Seuss acima de Walt Whitman e “Frère Jacques”, a cantiga de ninar francesa, acima da maioria dos p oemas de e. e. cummings. [N. do A.] *** Você p ode escrever p ara seu amado ou p ara sua amada um bilhete do Dia dos Namorados, dizendo: “Seu rosto é p erfeitamente mediano de todas as formas p ossíveis.” Porém, naqueles p reciosos segundos antes que ele ou ela o deixe p ara todo o semp re, p or favor, não diga que tirou a ideia deste livro. [N. do A.] **** A vida de Peale não tem nada a ver com este livro, mas com certeza merece sua p róp ria exp osição de museu e muito mais. Sua carreira, que começou na p obreza, em M ary land, foi uma longa sequência de p ioneirismos. Ele abriu o p rimeiro museu moderno americano; p intou o p rimeiro retrato de George Washington, em 1772; organizou a p rimeira exp edição científica dos Estados Unidos, em 1801, p ara escavação de fósseis em Nova York; colocou em exp osição o p rimeiro esqueleto de mastodonte em qualquer museu do mundo; e foi o p rop rietário da p atente americana da p rimeira versão de uma cop iadora, na ép oca em que era chamada de p olígrafo (não deve ser confundida com o moderno detector de mentiras). Ele também deu nomes de p intores e cientistas famosos à maioria de seus filhos, fato de relevância considerável p ara o Cap ítulo 6. [N. do A.] ***** A fonte da p op ularidade de Donald Trump é um mistério multifacetado cuja exp licação p lena teria de incluir: as ansiedades econômicas e culturais de americanos brancos de classe média (esp ecialmente homens); o racismo latente de muitos eleitores; e a habilidade singular de Trump de monop olizar uma mídia fragmentada que cobriu de modo desp rop orcional sua camp anha p or ser digna de se tornar notícia, chocante e boa p ara os índices de audiência. Pessoalmente, creio que a exp osição massiva de Trump foi uma esp ada de dois gumes: ela maximizou seu ap oio (que já era grande, p ara o choque geral, e inflou seus números desfavoráveis, os mais altos de qualquer candidato em eleições gerais já registrado. É difícil colocar Trump como um simp les exemp lo do efeito de exp osição, em p arte p orque muitos americanos foram amp lamente exp ostos tanto ao candidato em si quanto a muitos argumentos relacionados aos p erigos de sua candidatura. [N. do A.]. ****** Você leu essa frase e disse: “Esp era, eu gosto de quebra-cabeças difíceis de resolver!”? Eu também. Eu p rometo que chego até você. [N. do A.]

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A REGRA “MAYA” Momentos “aha” — na televisão, na tecnologia e no design

Décadas antes de ficar conhecido como um artista famoso pelos grandes hits no século XX, Raymond Loewy era um órfão francês a bordo do SS France em 1919, com um uniforme do exército feito sob medida e quarenta dólares no bolso.1 Seus pais haviam morrido durante a pandemia da gripe. A Primeira Guerra Mundial havia terminado. Com 25 anos de idade, Loewy procurava começar uma nova vida em Nova York, talvez, ele pensou, como engenheiro elétrico. Enquanto cruzava o Oceano Atlântico, um cutucão gentil de um estranho redirecionou sua carreira. Vários passageiros estavam leiloando algumas de suas posses para conseguirem um dinheiro fácil. Não tendo nada de valor, Loewy contribuiu com um desenho feito com pena e tinta de uma passageira caminhando ao longo do convés de passeio do navio. O desenho foi vendido por 150 francos ao cônsul britânico em Nova York, que deu ao jovem Loewy um contato na grande cidade, o sr. Condé Nast, o prestigiado editor de revistas. Quanto mais Loewy pensava no convite, mais intrigado ficava com a ideia de trabalhar com arte para viver.2 Quando Loewy chegou em Manhattan, seu irmão mais velho, Maximilian, levou-o ao número 120 da Broadway. Sendo uma das maiores estruturas de Nova York no início do século XX, o edifício Equitable é um arranha-céu neoclássico com duas torres conectadas que ascendem de uma base compartilhada como se fosse um gigantesco diapasão. Ele subiu no elevador até a plataforma de observação, quarenta andares acima, e olhou pela primeira vez para baixo, para a boca escancarada da cidade de Nova York e seu horizonte de dentes irregulares.

O engenheiro em Loewy ficou pasmado com o que viu. Nova York era cheia de coisas novas: torres, bondes elétricos e barcos. Ele podia ouvir balsas assoviando do rio Hudson. Porém, quando o artista olhou com mais atenção, ele ficou triste. Nova York era um produto sujo da era das máquinas: oleoso, bruto e desajeitado. Ele havia imaginado tantas formas diferentes à bordo do SS France: simples, esguias, até mesmo femininas. O mundo abaixo de Loewy logo refletiria sua visão sonhadora. Dentro de umas poucas décadas de sua chegada à cidade, ele seria amplamente conhecido como o pai do design moderno.3 Ele ajudaria a recriar o carro esportivo, o trem moderno e o ônibus Greyhound; faria o design da fonte da Coca-Cola e do icônico maço de cigarros Lucky Strike. Sua firma sancionava produtos tão prosaicos quanto o apontador de lápis e tão etéreos quanto a primeira oficina orbital da NASA. Em 1950, a revista Cosmopolitan escreveu: “Loewy provavelmente afetou a vida diária de mais americanos do que qualquer homem de seu tempo.”4 Hoje em dia, é difícil andar por algumas cidades, alguns escritórios ou casas sem ver um produto cujo design foi feito pela Apple. Nos anos 1950, era igualmente impossível passar pelos Estados Unidos sem se deparar com alguma coisa cujo design tivesse sido feito por Loewy e sua firma. Em uma época em que os gostos dos americanos seguiam um fluxo violento, Loewy teve o que provavelmente parecia ser um senso inefável do que as pessoas gostam. Ele também tinha uma teoria grandiosa disso, à qual chamou de “MAYA”. As pessoas gravitam na direção de produtos ousados, ainda que instantaneamente compreensíveis: “Most Advanced Yet Acceptable” [mais avançado, ainda assim, aceitável]. Sem que o agora falecido Loewy soubesse, esse insight, desde então, vem sendo validado por inúmeros estudos nos últimos cem anos. Foi usado para explicar as canções que grudam na cabeça da gente na música pop, os blockbusters nos cinemas, e até mesmo o sucesso dos memes na mídia digital. Não se trata meramente da sensação de que alguma coisa é familiar. É um passo além disso. trata-se de algo novo, desafiador ou surpreendente que abre uma porta para a sensação de conforto, significado ou familiaridade. Isso se chama aha estético.

Raymond Loewy chegou em Manhattan em um momento chave na colisão entre a economia e a arte. Artesãos e designers do século XIX tinham se esforçado para criar coisas suficientes a fim de atender à crescente demanda de consumidores.5 Porém, as fábricas modernas, com sua eletricidade, suas linhas de montagem e um fluxo de trabalho cientificamente calibrado, produziam uma provisão sem precedentes de mercadorias baratas e idênticas nos anos 1920. Tratava-se de uma era de produção em massa, originando uma abundância de produtos idênticos. O Modelo T, de Henry Ford, era um símbolo de sua época e, de 1914 a 1925, estava disponível apenas na cor preta.6 As empresas ainda não se dedicavam à idolatria nos altares de estilo, opções e design. Os capitalistas daqueles tempos eram monoteístas: eficiência era seu único e verdadeiro deus. No entanto, nos anos 1920, a arte recuperou sua importância, ainda que por motivos comerciais. Havia ficado claro que as fábricas tinham capacidade para fabricar mais do que os consumidores podiam comprar. Os americanos ainda eram neofóbicos, temendo o novo, e resistentes a mudanças. Os capitalistas precisavam que os consumidores fossem neofílicos, atraídos pelo novo, e, sendo assim, sedentos pela próxima grande coisa em que gastariam o dinheiro de sua renda. Nesse período, os industrialistas americanos estavam aprendendo que, para vender mais produtos, não se podia apenas torná-los práticos. Era necessário que os fizessem bonitos, até mesmo “legais”. Executivos como Alfred Sloan, o CEO da General Motors, reconheceram que, ao trocar o estilo e a cor de um carro todo ano, os consumidores poderiam ser treinados para ansiarem pelas novas versões do mesmo produto. Esse insight, de fazer o casamento da ciência da fabricação de eficiência e a ciência do marketing, inspirou a ideia da “obsolescência programada”, que é a criação de produtos que estejam na moda ou que sejam funcionais por um período limitado de tempo propositalmente, de modo a encorajar repetidas compras.7 Em toda a economia, as empresas perceberam que poderiam projetar um movimento nas transações e vendas múltiplas ao trocar constantemente as cores, as formas e os estilos de suas mercadorias. A tecnologia possibilitava opções e as variedades criavam a moda, aquele ciclo perpétuo de hype em que os designs, as cores e os comportamentos parecem repentinamente legais e depois, de súbito, parecem anacrônicos.

Tratava-se de uma era de coisas novas, do nascimento da neofilia americana. Artistas, uma vez silenciados pelo zumbido de esteiras de montagem cuspindo produtos idênticos, desempenhavam um papel fundamental na nova economia de produção em massa. Designers tornaramse os magos do sonho consumista americano. Para muitas pessoas hoje em dia, ansiar pelo novo hit da Nike, da Apple ou da Disney parece tão natural quanto a espera pelas mudanças de estação. Porém isso não é nenhum antigo desejo darwiniano. Durante milênios, os ancestrais dos fashionistas de hoje em dia usaram as mesmas roupas, e os filhos de cada geração não pareciam se importar em usar as túnicas de seus bisavós. A moda, como nós a conhecemos, não estava escrita no DNA humano. É uma invenção recente da produção em massa e do marketing moderno. As pessoas tiveram de ser ensinadas a desejar com ansiedade tantas coisas novas e Loewy foi um dos primeiros grandes professores da neofilia. Paul Hekkert, um professor de faculdade de design industrial e psicologia, recebeu um subsídio para desenvolver uma grande teoria que explicasse os motivos pelos quais as pessoas gostavam daquilo de que elas gostam, um Modelo Unificado de Estética. A grande teoria de Hekkert começa com duas pressões em competição.8 De um lado, o ser humano busca a familiaridade, porque isso faz com que se sintam seguros. Por outro lado, as pessoas são tocadas pela emoção de um desafio, movidas por intenso desejo pioneiro. Nossos ancestrais simplesmente não saíram andando da África; eles também saíram do Oriente Médio, e dos Balcãs, e da Ásia, e da América do Norte. Os seres humanos escalaram o pico do monte Everest e desceram até o ponto mais baixo da fossa das Marianas. Há uma curiosidade radical cruzada com mentes conservadoras. Essa batalha entre a descoberta e a familiaridade nos afeta “em todos os níveis”, disse Hekkert. Não influencia apenas nossas preferências por imagens e canções, mas também em relação a ideias e até mesmo pessoas. Em estudos, Hekkert e sua equipe pediram que os entrevistados dessem notas a diversos produtos, como carros, telefones e chaleiras, por sua “tipicalidade, novidade e preferência estética”, isto é, por familiaridade, surpresa e gosto.9 Os pesquisadores descobriram que nem a medida de tipicalidade nem novidade sozinhas tinha muito a ver com a preferência da maioria das pessoas; apenas considerados juntos é que previam de forma consistente os designs de que as pessoas gostavam. “Quando começamos

com o estudo, nós nem mesmo tínhamos conhecimento sobre a teoria de Raymond Loewy”, disse-me Hekkert. “Somente depois alguém nos disse que um famoso desenhista industrial já havia chegado às mesmas conclusões a que havíamos chegado, e isso era chamado de MAYA”.

Raymond

Loewy sonhava com movimentos para a frente. Desenhos de carros e trens enchiam cadernos de desenho de sua infância. Até mesmo nas trincheiras da guerra, os cantos mais sombrios de sua vida recebiam seu toque de leveza. Como disse um recruta de 21 anos na Primeira Guerra Mundial, Loewy havia decorado sua trincheira com “papel de parede florido e tapeçarias”, segundo a revista Time. Quando a calça padrão militar francesa não teve o caimento de que ele gostava, ele costurou para si uma calça nova, porque, em suas palavras, “eu gostava de entrar em ação bem vestido”. Porém, nos Estados Unidos, inicialmente, Loewy se sentiu empacado.10 No começo da década de 1920, ele trabalhou como ilustrador de moda para Condé Nast, o editor de revistas, e na Wanamaker, uma loja de departamentos. Durante vários anos, ele teve trabalho em excesso e foi também excessivamente solitário, “nunca saindo para um encontro, nunca se divertindo”, conforme escreveu. Ele passava longas horas desenhando em seu apartamento-estúdio na rua 57 oeste, com frequência até a alvorada, quando o familiar e pesado bater dos cascos dos cavalos dos leiteiros servia-lhe de lembrete para colocar os lápis para dormir. Loewy havia se devotado ao desenho, mas sentia que sua atenção vagava novamente na direção da engenharia, para polir a cidade suja estirada diante dele em sua primeira tarde em Nova York. Estava obcecado com o hediondo design do mundo da produção em massa: seus carros que pareciam caixas, seus refrigeradores cinzentos. “Por que fabricar a feiura aos montes”, escreveu ele, “e encher o mundo com tanto lixo?” Por fim, em 1929, ele recebeu sua primeira solicitação de um design, vinda de Sigmund Gestetner, um fabricante britânico das primeiras impressoras conhecidas como mimeógrafos. Gestetner perguntou se Loewy tinha alguma ideia para dar uma mexida na aparência da máquina. Naturalmente, Loewy tinha mais do que algumas sugestões. Sua reação inicial à máquina duplicadora foi de uma repulsa visceral:

Desembrulhada e nua diante de mim, ela parecia uma máquina muito tímida e muito infeliz. Era de um tipo de preto sujo e tinha um corpo pequeno e gordo posicionado alto demais em cima de quatro pernas longas e finas que, de repente, se espalhavam em pânico quando se aproximavam da terra. O que parecia ser quatrocentas pequenas peças mecânicas, como rotores, molas, alavancas, engrenagens, tampas, parafusos, porcas e rebites estava coberto por um azul misterioso que parecia o mofo em uma fatigada peça de queijo gorgonzola. Tendo apenas três dias para a tarefa, Loewy se pôs a trabalhar. Ele refez o design da manivela e da bandeja, eliminou as quatro pernas longas e finas, cobriu o máximo possível da máquina com uma armação removível feita de argila plástica. Loewy nunca havia usado uma duplicadora antes de ser instruído a consertar décadas de engenharia ruim dentro de 72 horas. Porém, quando Gestetner viu o modelo de argila, ele enviou na hora o projeto para a sua matriz no Reino Unido. A empresa não apenas aceitou o design de Loewy, manteve um contrato com ele para que lhes prestasse serviços quando precisassem pelo restante de sua carreira. A abordagem de Loewy fazia parte de uma filosofia nascente chamada de “design industrial”, que tinha uma instrução dupla de fazer com que os produtos fabricados em massa fossem mais eficientes e mais agradáveis. Um grande designer industrial atuava tanto como consultor em engenharia quanto como psicólogo de consumidor, igualmente ciente de rotinas de montagem e hábitos de compras. Porém o conceito de design industrial em si exigia um pouco de familiarização para as empresas da era das máquinas. Loewy passou muito tempo dos anos 1930 viajando a Toledo, Cleveland e Chicago para implorar que fábricas do Meio-Oeste dos Estados Unidos vissem seus desenhos. Em viagens de negócio movidas à base de aspirina, Loewy apresentava suas ideias diante de dezenas de fabricantes, a maioria dos quais o ignorava. Seu lema pessoal era de que o sucesso era “25% inspiração e 75% transporte”.11 A primeira oportunidade de Loewy foi na duplicação, mas seu primeiro sucesso foi na refrigeração. Em 1934, a Sears, Roebuck and Co. pediu que ele refizesse o design de sua geladeira Coldspot. Loewy aceitou 2.500 dólares e gastou o triplo desse valor mudando o motor de lugar e instalando as primeiras prateleiras de alumínio que não enferrujariam. O novo design

foi uma sensação: dentro de dois anos, as vendas anuais da Sears quadruplicaram, passando de 60 mil a 275 mil geladeiras vendidas. Sua próxima mudança revolucionaria aconteceu nas locomotivas. O presidente da Pennsylvania Railroad abordou o jovem designer com uma proposta: se Loewy conseguisse criar uma maneira melhor para os passageiros se livrarem do lixo em seu grande terminal da cidade de Nova York, na Estação da Pensilvânia, ele teria a oportunidade de fazer o design dos trens. Loewy aceitou o desafio, entusiasmado. O jovem rapaz que se importava tanto com papéis de parede em tempos de guerra estava mais do que apto a embelezar as latas de lixo de uma estação ferroviária. Ele passou três dias imerso em antropologia amadora na Estação da Pensilvânia, analisando os hábitos de descarte de lixo de sua violenta corrente de passageiros e funcionários. A Pennsylvania Railroad aceitou de bom grado as sugestões de Loewy e recompensou-o com a oportunidade de refazer o design da locomotiva mais popular da empresa. Ele sugeriu a eliminação de milhares de rebites ao soldar uma casca, uma pele cromática, única e lisa, para toda a máquina. O desenho de seu trem é agora icônico, com a cabeça redonda e um corpo mais esguio, na forma de uma projétil disparado contra a água. Seus talentos estenderam-se a logotipos. Nos primeiros meses do ano de 1940, George Washington Hill, presidente da American Tobacco Co., apostou 50 mil dólares supondo que Loewy não seria capaz de melhorar a icônica embalagem verde e vermelha do cigarro Lucky Strike. Loewy desenhou uma alternativa que mantinha a fonte, o alvo vermelho, assim como o slogan, “It’s Toasted”. Então ele substituiu o fundo verde pelo branco e copiou o logotipo na parte de trás do maço do cigarro, de forma que o selo da empresa sempre estivesse voltado para cima, duplicando suas impressões de marca. No mês de abril daquele mesmo ano, Loewy convidou Hill a voltar a seu escritório e mostrou a ele os novos designs. Ele ganhou a aposta na hora e o design branco do Lucky Strike durou pelo restante do século. Nas próximas décadas, a firma de Loewy faria vários logotipos famosos nos Estados Unidos, entre eles, os da Exxon, Shell e do Serviço Postal. Esses sucessos com a Gestetner, Sears, Pennsylvania Railroad e Lucky Strike abriram as portas da firma de Loewy para todas as variedades de projetos de design: balsas, móveis, embrulhos de palitos de dente, pontes, xícaras de chá, designs de cardápios e interiores de lojas. Loewy era fascinado por todos os tipos de curvas onduladas, porém, ele gostava de

dizer aos executivos que a mais bela curva era a de vendas movendo-se rápida e diretamente para cima.12 Seus designs mais memoráveis foram as carcaças externas de seus carros. No início de sua carreira, Loewy havia patenteado o desenho de um sedã. O estilo predominante dos carros nos anos 1920 era rígido e feito caixas, como uma daquelas carruagens puxadas por cavalos, só que com um motor. A silhueta dos primeiros esboços de carros de Loewy previu o futuro do automóvel. Seus desenhos apresentavam uma sutil inclinação para a frente, como se o Modelo T estivesse em itálico. Até mesmo parado, disse Loewy, um carro deveria ter um “inerente movimento para a frente”.13 Nos anos 1950, seu trabalho com a fabricante de automóveis, Studebaker, produziu o que talvez seja o trabalho mais famoso a ele atribuído. O Cupê Starliner, apelidado de “Cupê de Loewy”, é um dos designs automotivos mais famosos do século XX. A carcaça do carro, longa e angulosa, ergue-se para apresentar dois faróis que parecem olhos arregalados. Era exatamente assim que Loewy, quando jovem, imaginou que os carros poderiam ser um dia: parecendo estar em movimento até mesmo quando parados. Em março de 1962, ele viu o avião do presidente John F. Kennedy aterrissar no aeroporto perto de sua casa em Palm Springs. Naquela noite, ele disse a um amigo e assistente na Casa Branca que o avião tinha uma aparência “terrível” e era “gritante”. Alguém captou essa indireta e Loewy foi convidado para ir até a Casa Branca. Ele apresentou para o presidente alguns desenhos coloridos do avião mais famoso dos Estados Unidos para o presidente.14 Kennedy olhou para os designs e selecionou um vermelho e dourado, com uma solicitação especial. Kennedy perguntou-lhe se aquele design poderia ser feito em sua cor predileta, azul. Loewy aceitou a sugestão do presidente. A versão azul do design para o avião que ele mostrou ao presidente Kennedy adorna o Air Force One 747 até hoje. Designer reconhecido em sua área nos Estados Unidos do meio do século, Loewy e sua firma imprimiram seu toque em todo o ciclo de vida dos apetites americanos: eles projetaram os tratores da International Harvester que lavraram as Grandes Planícies; as prateleiras de mercadorias nos supermercados Lucky Stores, que ajudavam a conter os produtos; gabinetes de cozinha em lares suburbanos, que guardavam os alimentos; os fogões da Frigidaire, que cozinhavam as refeições; e os aspiradores da Singer, que ingeriam as migalhas do jantar. Como designer de empresas soviéticas em

meio à Guerra Fria, os instintos de design de Loewy transcenderam ideologias e hemisférios. No fim de sua carreira, ele não ficou preso nem mesmo pela atmosfera. A NASA pediu a ajuda da firma de Loewy no design do ambiente de alojamento dentro de sua primeira estação espacial, a Skylab. A empresa de Loewy conduziu extensos estudos de habitabilidade e concluiu que os astronautas em órbita apreciariam um lembrete da coisa mais familiar da Terra: o próprio planeta. Foi Loewy que insistiu na inclusão de uma escotilha, de modo que os astronautas pudessem dar uma espiada em seu lar azul claro. E, sendo assim, a carreira do designer terminou como começou: olhando para baixo de uma grande altura e imaginando algo mais bonito. A contribuição final de Loewy para o design foi, literalmente, uma nova forma de ver o mundo.

A

oficina de Raymond Loewy era, de forma muito similar a qualquer gravadora musical ou estúdio de Hollywood, uma fábrica de hits de sua época. Fotografias de meados dos anos 1950 mostram um mundo coberto por cromo liso. Loewy queria revestir as protuberâncias afiadas feitas pelo homem da era da máquina com os invólucros suaves da natureza. Os cupês da Studebaker, apontadores de lápis e as locomotivas daquela era, todos têm o mesmo estilo ovular. Isso era proposital. Loewy considerava o ovo o pináculo da natureza do design e da funcionalidade, testado pelo tempo, uma estrutura de uma curvatura tão precisa que uma casca com menos de três milímetros era capaz de resistir a nove quilos de pressão.15 Uma vez que se conheça a estrela-guia de Loewy, é impossível parar de ver ovos, ou curvas similares às dos ovos, por todos os designs de sua firma. A amplitude do sucesso de Loewy levanta uma questão: como pôde um homem, ou, sendo mais realista, a empresa de um homem, desenvolver uma filosofia para o que milhões de americanos queriam, em tudo, desde palitos de dentes até estações espaciais? O próprio Loewy apresentou duas respostas a essa pergunta: uma tática e antropológica; a outra, grandiosa e psicológica. O estilo pessoal de Loewy era ultrarrefinado, seus ternos e seus carros, ele mesmo os projetava meticulosamente, mas sua filosofia de negócios era

guiada pela experiência prática e pela observação em vez da teoria. Ele acreditava que a etnografia era um ponto de entrada para o design: primeiro entenda como as pessoas se comportam; depois, crie produtos que atendam a seus hábitos. Quando a empresa de embalagens de carne, Armour & Co., o contratou para refazer seus oitocentos produtos diferentes, Loewy enviou funcionários em uma turnê com seis meses de duração para que falassem com centenas de donas de casa sobre as carnes da Armour. (A sua conclusão: a embalagem vinha em muitas cores diferentes.) Para reprojetar a locomotiva da Pennsylvania Railroad, Loewy viajou em seus trens por milhares de quilômetros, conversando com passageiros e membros de suas equipes, de modo a descobrir as mais sutis deficiências da máquina. Embora ele seja mais famoso por jogar um revestimento cromático sobre a locomotiva, suas horas de viagens também revelaram sérias falhas de design, como a ausência de toaletes para os funcionários. Então, ele também os instalou. Loewy era um excelente professor de preferências dos consumidores em parte porque estudava obsessivamente os seus hábitos. Ele pegava carona no comportamento das pessoas em vez de projetar produtos que as forçariam a mudar suas vidas. No entanto, Loewy sentia que sua sensibilidade em relação às familiaridades de seus consumidores estava conectada a uma camada mais profunda da psicologia. Sua teoria MAYA, Most Advanced Yet Acceptable, abordava a tensão entre o interesse das pessoas em serem surpreendidas e sentirem-se confortáveis. “O consumidor é influenciado em sua escolha de estilo por dois fatores opostos: (a) atração pelo novo e (b) resistência àquilo com que não está familiarizado”, ele escreveu. “Quando a resistência àquilo com que não se está familiarizado chega no limiar de uma zona de choque e a resistência à compra se instala, o design em questão chegou a seu estágio MAYA: Most Advanced Yet Acceptable.”16 Loewy entendeu que a atenção simplesmente não é puxada em uma única direção. Pelo contrário, trata-se de um cabo de guerra entre forças opostas da neofilia versus neofobia, o amor pelo novo versus a preferência pelo antigo; a necessidade que as pessoas têm de estímulo versus sua preferência pelo que é passível de ser entendido. Um hit é um vinho novo envelhecido em um antigo carvalho, ou um estranho que, de alguma forma, parece um amigo: uma surpresa familiar.

O capítulo anterior explicou como o poder da exposição é uma das forças mais poderosas na popularidade. A exposição dá à luz a familiaridade, que faz nascer a fluência, e a fluência frequentemente faz nascer o gostar. No entanto, nós temos o excesso de familiaridade. De fato, isso está em toda parte. É ouvir uma canção grudenta pela décima vez seguida, assistir a um filme que é tão previsível e não criativo, ou ouvir um palestrante de talento usar um chavão atrás do outro. Em estudos de fluência, o poder da familiaridade é desconsiderado quando as pessoas se dão conta de que o moderador está tentando intimidá-los repetidas vezes com o mesmo estímulo. Este é um dos motivos pelo qual o excesso de propaganda não funciona: as pessoas têm uma resistência inerente ao marketing que parece tentar seduzi-los. Pelo contrário, as experiências e os produtos mais especiais envolvem um pouco de surpresa, imprevisibilidade e disfluência. Imagine-se entrando em uma sala cheia de estranhos. Você olha ao seu redor, procurando por alguém que conheça, mas não consegue encontrar nem ao menos um único rosto conhecido. E, então, de repente, a sala se abre e, em meio à multidão, você consegue vê-la: a pessoa que é sua melhor amiga. A sensação cálida de alívio e reconhecimento irrompe em meio às nuvens da confusão. Trata-se do êxtase da fluência repentina, um momento de eureca. A cultura pop é um desfile desses momentos de eureca, grandes e pequenos. Palavras cruzadas são projetadas para criar confusão seguida de coerência: Aha! Grandes contadores de histórias são excelentes na criação de tensão seguida de uma libertação catártica: Aha! Em 2013, vários pesquisadores pediram que as pessoas dessem notas a pinturas de artistas cubistas, inclusive Pablo Picasso, Georges Braque e Fernand Léger.17 Primeiramente, os pesquisadores registraram as reações das pessoas às pinturas em si, não muito boas. Depois, os cientistas incluíram pistas para o significado das pinturas ou breves históricos dos pintores em si. Com isto, as notas dadas pelo público melhoraram drasticamente; de súbito, as pinturas abstratas não eram como as inescrutáveis costas de estranhos, mas sim como um novo amigo, esticando para eles sua mão. “A criação do significado em si é recompensadora”, me disse a pesquisadora Claudia Muth. “Uma obra de arte não tem de ser ‘fácil’ para ter apelo junto a seu público.” As pessoas gostam de um desafio se acharem que conseguem resolvê-lo. Ela chama este momento em que a disfluência se rende à fluência do aha estético.

O público aprecia tanto os momentos aha quanto gosta de simplesmente esperar por eles, mesmo que este momento nunca chegue. Alguém pode desfrutar um longo livro ou uma série de TV que não lhe ofereça nenhuma resposta por horas a fio se o gênero em si prometer uma resolução. Quando Lost, a popular e mística série de TV, terminou, os fãs tiveram surtos de indignação porque os showrunners não resolveram os muitos quebracabeças da série, o que privou os espectadores do momento aha final que eles achavam ter-lhes sido prometido. Algumas pessoas certamente sentem que perderam várias e várias semanas, até meses, de suas vidas, esperando por respostas. Porém, seu desapontamento final não altera a emoção sincera que eles sentiram durante toda a série. Lost foi um hit monstruoso durante muitos anos porque os espectadores gostavam da experiência de prever respostas, mesmo que os roteiristas estivessem acumulando charadas sem resoluções. Muitas pessoas se colocam em situações com um pouco de angústia disfluente se esperarem uma resolução fluente no final. É comum que videogames também sejam quebra-cabeças cuja interatividade oferece o maravilhoso clique de reconhecimento ou a guinada da realização. O videogame mais popular de todos os tempos é o Tetris.18 Alexey Pajitnov era um analista de sistemas de 28 anos que trabalhava em um centro de pesquisa e desenvolvimento soviético em Moscou, quando, depois de comprar um conjunto de dominós que tinham um formato engraçado, teve a ideia para um videogame. Em 6 de junho de 1984, lançou uma versão inicial do jogo, que ele nomeou combinando “tetra”, com base no formato quadrado dos blocos de cada peça, e “tênis”, seu esporte predileto. Não tardou para que o jogo se disseminasse por Moscou, desse um pulo até a Hungria, quase fosse roubado por um desenvolvedor britânico e seguisse em frente, tornando-se o maior best-seller dos videogames de todos os tempos, vendendo 400 milhões de cópias. O jogo é uma dança de antecipação e conclusão. Muitos romances e muitas histórias de mistérios podem ser análogos a peças de quebra-cabeças que ficam caindo e que se encaixam no lugar, mas o Tetris é, explicitamente, apenas isso. O segundo maior best-seller dos videogames de todos os tempos é o Minecraft,19 em que os usuários constroem formas e mundos virtuais a partir de tijolos digitais.20 Minecraft é uma espécie de herdeiro cultural do Lego, que em si era “herdeiro do legado de brincar com blocos”, como escreveu o jornalista de tecnologia Clive Thompson. Porém, enquanto os kits de Lego, com frequência, vêm com um conjunto detalhado de instruções precisas,

Minecraft é menos ilimitado. Os jogos mais populares para smartphones, em que o nível de jogo deve ser simples o bastante para ser executado com o polegar, também são frequentemente quebra-cabeças, entre eles 2048 e Candy Crush. O propósito desses jogos não é nem de fazer com que os jogadores arranquem seus cabelos nem ceder o segredo tão facilmente, mas sim o de projetar o que o neurologista Judy Willis chama de um “desafio passível de ser atingido”.21 Most advanced yet achievable — MAYA. Somos totalmente cercados por momentos aha menores, do tipo que faz com que a gente simplesmente sorria em vez de sairmos correndo nus pela vizinhança. Existe um vídeo popular on-line chamado “4 Chords”,22 que tem mais de 30 milhões de visualizações. Nele, o grupo de comédia musical Axis of Awesome repassa dezenas de canções criadas com base nas mesmas quatro cordas: I—V—vi—IV.* Essa progressão de cordas é a espinha dorsal de dezenas de clássicos, entre eles velhos hits (“Let It Be”, dos Beatles), canções pop de karaokê (“Don’t Stop Believin’”, de Journey), canções country para se cantar junto (“Take Me Home, Country Roads”, de John Denver), arena rock (“With or Without You”, do U2), musical animado (“Can You Feel the Love Tonight”, de O Rei Leão), pop acústico (“I’m Yours”, de Jason Mraz), reggae (“No Woman, No Cry”, de Bob Marley) e dance pop moderno (“Paparazzi”, de Lady Gaga). Em 2012, pesquisadores espanhóis lançaram um estudo que analisou 464.411 gravações populares pelo mundo entre 1955 e 2010 e descobriram que a diferença entre novos e antigos hits não estava em estruturas de acordes mais complicados.23 Pelo contrário, era nova instrumentação trazendo um som diferente a “progressões harmônicas comuns”. Vários críticos musicais usam vídeos como “4 Chords” para argumentar que a música pop é simplesmente derivativa. No entanto, isso parece um retrocesso. Primeiramente, se o propósito da música é tocar o público, e as pessoas são tocadas pelo que é dissimuladamente familiar, então, artistas criativos deveriam aspirar a uma mescla de originalidade e derivação. Em segundo lugar, é simplesmente errado dizer que todas as canções que usam a estrutura I—V—vi—IV soam iguais. “Don’t Stop Believin’”, “No Woman, No Cry” e “Paparazzi” não são nem um pouco parecidas. Os compositores não estão retraçando os passos uns dos outros. São cartógrafos mais espertos, cada um tendo recebido um imenso mapa, planejando novas rotas para casa.

O efeito aha não está confinado às artes e à cultura. Trata-se de uma força poderosa no mundo acadêmico também. Cientistas e filósofos são perfeitamente sensíveis à vantagem de ideias que já desfrutam ampla familiaridade. A história da ciência é um longo relato de boas ideias que se deparam com uma punidora rejeição atrás da outra, até que os cientistas se tornem familiarizados com os conceitos, e esses conceitos se tornem leis. Max Planck, o físico teórico que ajudou a estabelecer a base para a teoria quântica, disse: “Uma nova verdade científica não triunfa ao convencer seus oponentes nem ao fazer com que eles enxerguem a luz, mas sim porque seus oponentes acabam morrendo e uma nova geração cresce familiarizada com ela.” Em 2014, uma equipe de pesquisadores da Universidade de Harvard e da Universidade do Nordeste queria saber exatamente que tipo de propostas tinham mais probabilidade de conseguir fundos de instituições prestigiadas, como os Institutos Nacionais de Saúde: propostas seguramente familiares ou extremamente criativas?24 Eles prepararam cerca de 150 projetos de pesquisa e os classificaram em termos de novidade. Em seguida, recrutaram 142 dos melhores cientistas do mundo para avaliarem cada proposta. As ideias mais inovadoras obtiveram as piores notas.25 “Todo mundo tem aversão a novidades”, me explicou o autor principal, Karim Lakhani, e os “especialistas tendem a ser ultracríticos em relação a propostas em seus próprios domínios.” Projetos extremamente familiares se saíram um pouco melhor, mas também receberam notas mais baixas. As notas de avaliação mais altas foram para as propostas consideradas levemente novas. Existe um “índice de novidade ideal” para ideias, disse Lakhani. Avançadas e, ainda assim, aceitáveis. O gráfico do índice de novidade ideal se parece com o seguinte:

Esse apetite pela “novidade ideal” percorre todo o mundo da criação de hits. Produtores cinematográficos, assim como os cientistas das Instituições Nacionais de Saúde, têm de avaliar centenas de projetos por ano, mas só podem aceitar uma minúscula porcentagem deles. Para chamar sua atenção, os roteiristas frequentemente emolduram ideias originais como uma nova combinação de dois sucessos familiares, usando um “alto conceito para tentar vender o produto”, como: “É Romeu e Julieta em um navio que está afundando!” (Titanic) ou “É Toy Story com animais falantes!” (Pets — A vida secreta dos bichos). No Vale do Silício, onde capitalistas especuladores de riscos também examinam uma abundância de propostas, altos conceitos para a tentativa de venda de produtos são tão comuns que são praticamente uma piada. A empresa de aluguéis de casas, Airbnb, já foi chamada de “eBay para casas”. As empresas de serviços de carros ondemand, Lyft e Uber, já foram consideradas “Airbnb para carros”. Quando a Uber decolou no mercado, novas start-ups começaram a se autodenominar “Uber para...” qualquer coisa. Pessoas criativas com frequência ficam enfurecidas com a sugestão de que elas têm de se curvar para fazerem o marketing de suas ideias ou revestilas com familiaridade. É agradável pensar que o brilho de uma ideia deve ser claro como o sol e não é preciso o teatro do marketing. Todavia, seja você um acadêmico, roteirista ou empresário, a diferença entre uma nova

ideia brilhante com um marketing ruim e uma ideia medíocre com um marketing excelente pode ser a diferença entre a falência e o sucesso. O truque é aprender a emoldurar novas ideias como se fossem ajustes a ideias antigas, mesclar um pouco de fluência com um pouco de disfluência, para fazer com que seu público veja a familiaridade atrás da surpresa.

Durante a última década ou mais, a ESPN é a marca mais valiosa na mídia. Durante muitos anos, essa rede esportiva respondeu por metade dos lucros anuais da Walt Disney Company e mais do que sua divisão cinematográfica inteira.26 Muito do lucro da ESPN advém da peculiar economia dos esportes e do moderno negócio da TV. O telespectador “tradicional”, aquele com um controle remoto, um aparelho de TV a cabo e um menu ao vivo de programas, levou um soco no estômago na última década. Entre 2010 e 2015, a quantidade de tempo que as pessoas na faixa dos dezoito aos trinta e quatro anos de idade passaram assistindo à tradicional TV a cabo diminuiu em cerca de 30%.27 Para fazer com que as pessoas fiquem sentadas na frente de um programa ao vivo (e estejam presentes para os anúncios também feitos ao vivo), os executivos fizeram altas apostas em entretenimento que deve ser visto agora. Isso inclui musicais ao vivo, programas de variedades ao vivo, game shows ao vivo, shows de música ao vivo e, o mais importante, esportes ao vivo. Esportes são a pedra angular do arco da TV a cabo. Sem eles, a coisa toda sofreria um colapso. Todo mês, sua empresa de TV a cabo envia metade da sua conta para as redes de TV que você pode ver no menu. As taxas variam de um centavo a poucos dólares.28 A ESPN recebe cerca de seis ou sete dólares por cliente pagante de TV a cabo por mês, não importando se aquela casa assistiu a zero minutos de ESPN ou a cem horas de sua programação. Isso é o equivalente a dezenas de milhões de lares comprando seis ingressos para ver o mesmo filme no cinema, mesmo que não vejam nada do filme. Porém, a ascensão financeira da rede na última década foi mais do que uma jogada inteligente da economia da TV por assinatura. Isso também tem a ver com o engendramento da familiaridade. Na sede da rede na cidade de Nova York, na rua 66, Oeste, em 2014, estive sentado, junto com Artie Bulgrin, diretor de pesquisa da ESPN, em

uma sala de conferência com um painel de madeira enquanto ele repassava slides de uma gigantesca apresentação anual que vinha preparando para a empresa desde 1998.29 Ele parou no chamado “quadro do dinheiro”. Esse quadro mostrava os resultados de uma pesquisa que perguntava aos homens quais eram suas redes prediletas de TV a cabo. “Os homens disseram que éramos seu canal predileto durante catorze anos seguidos”, disse ele. “Outras redes precisam criar hits. Nós, não. As pessoas sintonizam na ESPN sem nem mesmo saber o que está passando.” A líder mundial em esportes nem sempre teve tal domínio. Na virada do século, a rede estava em crise. No final dos anos 1990, a ESPN estava padecendo, depois de uma década de crescimento descontrolado. “Conforme nós crescíamos, tentávamos ser tudo para todo mundo”, disse o vicepresidente de vendas e marketing da ESPN, Sean Bratches, sentando à direita de Bulgrin, naquela sala de conferência na rua 66. “Nós tínhamos pesca esportiva, animação de torcida, dança de salsa, dramas e comédias”, disse ele. “Nós tentávamos promover todas as coisas em vez de focarmos em poucas.” Para guiar essa reviravolta, a ESPN buscou um novo e improvável líder. John Skipper, um editor de revista que não tinha nenhuma experiência na televisão, chegou à Disney depois de atuar como presidente da revista musical Spin. Em seus quinze anos na ESPN, antes de tornar-se presidente em 2012, ele supervisionou revistas e livros que carregavam a marca da Disney, lançou a ESPN The Magazine e gerenciou o website ESPN.com. Em uma das primeira reuniões executivas, Skipper disse aos líderes da empresa que a ESPN havia perdido o senso do essencial. Em vez de ser excelente servindo um produto perfeito, como um restaurante especializado em carnes, a ESPN havia se tornado uma rede que servia muitos pratos medíocres, como um restaurante barato. Skipper começou essa reviravolta concentrando-se no SportsCenter, a inevitável colagem das notícias do dia da ESPN. Em vez de servir a muitos públicos dentro do espectro esportivo, indo desde o squash de faculdade até o críquete indiano, ele disse que o SportsCenter deveria passar mais horas cobrindo as histórias mais populares. Por quê? Com o propósito de maximizar as chances de um fã, sempre que sintonizasse no canal, ver um time, jogador ou uma controvérsia reconhecível, como os New England Patriots, LeBron James, ou os escândalos olímpicos de doping. Ele decidiu que o SportsCenter se tornaria um especialista em termos de entretenimento,

assim como as casas de carne, servindo novas abordagens sobre os mesmos esportes, astros e escândalos principais, repetidas vezes. Depois disso, disse Bulgrin, as coisas “começaram a mudar de forma um tanto quanto drástica”. O SportsCenter havia se tornado aquilo pelo que todo fã de esporte silenciosamente anseia: uma máquina de notícias para a apresentação de novas abordagens sobre histórias familiares. Os índices de audiência foram às alturas e a ESPN tornou-se a rede predileta dos homens americanos desde então. Nos últimos anos, a CNN assumiu essa mesma abordagem, devotando mais tempo a menos histórias, como ataques terroristas e aviões que desaparecem. Isso acaba criando uma TV bem repetitiva se você assistir a noticiários o dia todo. Mas quem ia querer ficar assistindo à CNN o dia todo? O típico espectador de notícias na televisão assiste a cerca de cinco minutos de noticiários na TV a cabo por dia. A CNN está fazendo uma coisa inteligente: maximizando as expectativas dos telespectadores de que eles verão uma história reconhecível, não importando quando sintonizem no canal. Durante toda a eleição de 2016, os holofotes da CNN ficaram com sua luz branca e quente focada em Donald Trump, que, segundo rumores, referiuse ao presidente da rede, Jeff Zucker, como seu “apostador pessoal”.30 Os críticos de mídia suspiravam com a obsessão singular da CNN, mas a estratégia se pagou, pelo menos no sentido mais literal. Em 2015, a CNN teve sua mais alta audiência em sete anos e desfrutou o mais forte índice de crescimento de anúncios de qualquer rede de TV a cabo.31 Jornalistas zombavam da idolatria trumpista da rede, frequentemente com bons motivos, mas a economia da televisão não é um jogo de moralidade. O relacionamento entre Trump e Zucker se provou fantasticamente rentável. A ESPN e a CNN descobriram o que as quarenta melhores rádios já sabem há décadas: a maioria das pessoas sintoniza em um canal de TV para ouvir mais sobre alguma coisa que já sabe. Os ouvintes das rádios não têm como prever qual é a próxima música que vão ouvir. Porém, como todo motorista de carro e executivo de rádio afirmará, as pessoas na maior parte do tempo só querem ouvir canções reconhecíveis. Durante décadas, djs em estações de rádio de música pop consideravam que canções com as quais as pessoas não estavam familiarizadas faziam com que mudassem de estação, porque os ouvintes tendem a rejeitar música nova. Mas os ouvintes querem ser surpreendidos, por isso sintonizam no rádio ao invés de tocar um CD ou

uma playlist; no entanto, eles querem ser surpreendidos pela sensação de familiaridade. A era da televisão da velha guarda, com uma tela dominante e um fluxo ao vivo, está cedendo espaço a uma era de redes de vídeo sociais com bilhões de telas e zilhões de feeds personalizados. De 2010 a 2015, a média de audiência do SportsCenter caiu em quase 40% entre o público de 18 a 34 anos de idade.32 O pedaço de vidro mais valioso para a ESPN hoje em dia poderia ser a tela do smartphone. Em média, em uma semana, a ESPN transmite mais de 700 milhões de alertas a dezenas de milhões de telefones.33 Quando acontece algo grande em termos esportivos, mais de 7 milhões de pessoas recebem uma notificação da ESPN em seus bolsos e em suas bolsas; isso é mais do que dez vezes a típica audiência do SportsCenter. Um milhão e meio de pessoas, uma audiência considerável para um programa de TV, inscreveram-se para receber alertas de notícias relacionadas a um único time de basquete, o Golden State Warriors. Quando o esquadrão da área da baía de São Francisco faz algo digno de virar notícia, alarmes da ESPN soam na tela principal dos celulares de mais pessoas do que as populações combinadas de São Francisco e Oakland. A tecnologia está mudando rapidamente a distribuição de notícias, mas não necessariamente a filosofia do que as pessoas querem delas. Analise um ecossistema de notícias bem oposto à ESPN e aos noticiários de TV a cabo: o Reddit, um site de notícias comunitário criado por usuários anônimos. No Reddit, cada parcela de conteúdo é dividida em duas partes: uma manchete e um link para um artigo. Os usuários podem promover links com “votos positivos” ou registrar sua insatisfação com “votos negativos”. Vários anos atrás, uma equipe de pesquisadores em análise de sistemas na Universidade de Stanford apresentaram e reapresentaram para o Reddit milhares de imagens com diferentes manchetes e controlados para propósitos de rede, de modo a ver se a comunidade do site tinha uma preferência clara por determinados títulos.34 Eles queriam entender uma pergunta em que eu penso o tempo todo: o que dá uma grande manchete? No tempo em que passei no The Atlantic, desenvolvi, descartei, refinei e revivi inúmeras teorias prediletas sobre o que gera a manchete perfeita. Quando eu era mais novo, costumava dizer que uma grande manchete deveria ser “definitiva ou deleitosa”. Ou seja, deveria tentar fazer uma declaração clara e superlativa (“Gráfico explica porque os Estados Unidos é o melhor lugar do mundo para se iniciar uma empresa”) ou deveria ser obviamente

divertida ou fofinha (“Eu não consigo parar de olhar para esse bebê tigre que está brincando com a lã”). Vários anos atrás, a internet foi tomada por uma espécie exótica de manchetes tendo como base algo chamado de “lacuna da curiosidade”.35 Ou seja, o redator conta o suficiente para o leitor de modo a estimular seu interesse e, então, como um mágico de araque, ele diz: “Você não vai acreditar no que vem em seguida.” Essas manchetes conquistaram o mundo (bem, meu mundo) por vários meses, e, depois, caíram de moda pelo mesmo motivo pelo qual as pessoas se cansam de todos os truques do marketing: quando se conhece a fonte da fluência, tende-se a descontar o estímulo como sendo chato ou manipulativo. Quando o público conhece a fórmula, um truque de mágica não é mais mágica, é apenas um truque. Contudo, depois do ano da lacuna de curiosidade, The Atlantic continuou encontrando grande sucesso com histórias sobre a mente e o corpo, essencialmente, psicologia e saúde, e meu lema pessoal para manchetes mudou novamente para: “O assunto predileto de um leitor é o próprio leitor.” Nesse ínterim, alguns analistas de sistemas de Stanford estavam colocando carnes empíricas nos ossos expostos das minhas teorias de redação de manchetes. Eles concluíram que as manchetes mais bemsucedidas no Reddit apresentavam imagens ou histórias novas enquanto se “[conformavam] às normas linguísticas da comunidade à qual eram submetidas”. Uma boa manchete, disseram, não é extremamente familiar, mas sim familiar o bastante; uma surpresa bem-vinda expressa na linguagem vernacular de seu público em potencial; uma promessa de avanço do entendimento em um assunto amplamente aceito — MAYA.**

Se uma televisão é um mobiliário, um dispositivo móvel é um apêndice, não apenas familiar, como também pessoal e até mesmo íntimo. Um mundo de uma tela tem como alvo o mainstream. Todavia, agora as pessoas obtêm música, notícias e todo o resto do pedaço de vidro que têm em seus bolsos. Esse mundo de bilhões de telas, não preso pelos limites da programação linear, é feito sob medida para os indivíduos. E, embora todo mundo tenha fome de familiaridade, os apetites podem variar. Com mais de 80 milhões de ouvintes e 21 bilhões de horas de músicas tocadas a cada ano, Pandora é o aplicativo de rádio digital mais popular do

mundo.36 Diga as bandas de que você gosta e o Pandora formará uma estação de rádio com gêneros semelhantes. Se eu digo que gosto dos Beatles, o Pandora tocará The Kinks, The Rolling Stones e bandas mais novas que tenham uma vibe na linha dos Beatles. Os usuários podem melhorar a estação ao assinalar as canções que amam ou pulando aquelas de que não gostam. Essas interações dão aos cientistas do Pandora uma visão de cima de como funcionam os gostos. O melhor não é pensar no algoritmo do Pandora como uma fórmula, mas sim como uma orquestra de centenas de fórmulas conduzidas por uma metafórmula. Um dos instrumentos mais importantes nesta sinfonia algorítmica é a familiaridade. “A reclamação mais comum em relação ao Pandora é que há muita repetição de bandas e canções”, disse Eric Bieschke, o primeiro analista de dados essenciais no Pandora. “Preferências pela familiaridade são muito mais individuais do que eu achava que fossem. Pode-se tocar exatamente as mesmas canções para duas pessoas com os mesmos gostos musicais. Uma delas considerará a estação perfeita e familiar, e a outra a achará horrível e repetitiva.” Há duas implicações fascinantes aqui. A primeira é de que a neofobia, ou a preferência pelo familiar, não é uma constante humana universal. Particularmente, existe um espectro entre as pessoas que gostam de coisas que são extremamente familiares e as que gostam do surpreendente: um fã dos Beatles que quer ouvir apenas Beatles versus um fã dos Beatles que quer ouvir novas canções com inflexões de John Lennon; uma família que gosta de ir ao mesmo destino a cada férias versus uma família que nunca visita um lugar duas vezes. O grupo neofílico mais significativo na economia do consumidor provavelmente são os adolescentes. Pessoas jovens são “muito mais receptivas a designs avançados”, escreveu Loewy, porque têm menor participação no status quo. “O sonho do designer industrial mentalmente ágil seria fazer design para adolescentes... Quer eles caiam ou não em alguma moda boba, o que não faz mal a ninguém, seu gosto básico permanece fundamentalmente correto.” A segunda implicação da análise do Pandora é que a familiaridade como gosto pode variar por gênero. Algumas pessoas são hipsters musicais (adoram ficar pulando entre bandas esotéricas), mas são pessoas-toupeiras em termos de informação (leem apenas um blog liberal local). Outras são o oposto, conservadoras em termos musicais, mas aventureiras em relação à

leitura de colunas políticas de autores dos quais discordam. Como Loewy entendia, a neofilia e a neofobia não são estados isolados, mas sim estados em conflito, em constante batalha tanto dentro das mentes de todos os compradores quanto dentro de toda uma economia de compradores. Recentemente, eu fiz uma visita à Spotify, a grande empresa de música streaming on-line, para conversar com Matt Ogle. Ele é o engenheiro-chefe de um novo produto hit chamado Discover Weekly, uma lista personalizada de trinta canções entregues toda segunda-feira a dezenas de milhões de usuários. Durante cerca de uma década, Ogle trabalhou para empresas musicais para projetar o mecanismo perfeito de recomendação. Sua filosofia de música era de que a maioria das pessoas gosta de canções novas, mas elas não gostam do esforço necessário para encontrá-las. As pessoas querem revelações musicais sem esforço e sem atritos, uma série de desafios passíveis de serem completados. No design do Discover Weekly, “todas as decisões que tomamos foram moldadas pelo objetivo de transmitir a sensação de receber uma mix tape de um amigo, disse ele. Eis como isso funciona. Toda semana, os bots do Spotify fazem uma caça por vários bilhões de playlists de usuários no mundo todo para ver quais canções são tipicamente agrupadas. Imagine que a Canção A, Canção B e a Canção C com frequência aparecem juntas na mesma playlist. Se eu ouço com frequência as Canções A e C, o Spotify acha que, provavelmente, eu vou gostar da Canção B, mesmo se eu nunca tiver ouvido falar na banda. Essa forma de prever gostos por meio da agregação das preferências de milhões de pessoas é conhecida como “filtragem colaborativa” — colaborativa porque faz uso dos inputs de muitos usuários e filtragem porque usa os dados para definir claramente a próxima coisa que você quer ouvir. Em termos conceituais, isso é similar aos algoritmos que fomentam as seções de itens relacionados da Amazon e de outros sites de compras: se muitas pessoas compram uma determinada cadeira com uma certa mesa, compradores daquela mesa receberão uma sugestão para que comprem aquela cadeira. No final de nossa entrevista, eu e Ogle conversamos sobre como a maioria dos fãs de música (mas não todos) são fundamentalmente conservadores. Eles gostam do que gostam e não querem ser desafiados demais por música. “A frase dos psicólogos é que, se você já viu isso antes, isso ainda não o matou”, brinquei.

A expressão no rosto de Ogle ficou radiante. “Eu tenho uma história para você”, disse ele. A versão original do Discover Weekly deveria incluir apenas músicas que os usuários nunca tinham ouvido antes. Porém, em seu primeiro teste interno no Spotify, um bug no algoritmo deixou passar canções que os usuários já conheciam. “Todo mundo reportou isso como sendo um bug, que nós consertamos, de modo que todas as canções fossem totalmente novas”, disse ele. No entanto, depois que sua equipe consertou o bug, algo incomum aconteceu: o engajamento com a playlist caiu. “Acontece que ter um pouco de familiaridade faz nascer confiança, especialmente para usuários que estão usando o produto pela primeira vez. Se nós criarmos uma playlist nova para você e não houver nenhuma referência que você reconheça, para que diga ‘Ah, sim, essa é uma boa escolha!’, então a lista se torna totalmente intimidante e as pessoas não se engajam com ela.” O bug original era, na verdade, um recurso essencial. O Discover Weekly era um produto mais atraente quando tinha ao menos uma banda ou música familiar. “Eu acho que os usuários queriam confiar no recurso, mas eles estavam esperando ver algum sinal de que o recurso também os conhecia”, disse Ogle. Os usuários do Spotify queriam sentir um gostinho de novidade, mas também queriam se certificar de que isso não os mataria.

Nos anos 1950, Raymond Loewy podia, de forma razoável, declarar que o carro mais icônico, a locomotiva mais usada e o avião mais famoso nos Estados Unidos do meio do século nasceram da ponta afiada de um de seus lápis. Sendo assim, o que ele pode ensinar aos artistas dos dias de hoje sobre como criar um hit? MAYA oferece três lições claras. Primeira: o público não sabe de tudo, mas sabe mais do que os criadores. Os artistas e empresários mais bem-sucedidos tendem a ser gênios. No entanto, o paradoxo é que eles são ao mesmo tempo mais espertos do que o consumidor médio e mais tolos do que todos os seus consumidores, porque não sabem como seus consumidores vivem, o que fazem todos os dias, o que os irrita, o que os toca. Se a familiaridade é a chave para o gostar, então, as familiaridades das pessoas, as ideias, as histórias, os comportamentos e os hábitos com os quais elas têm fluência, são as chaves para seus corações. Loewy tinha suas próprias teorias de

beleza, suas cascas de ovos e seus acabamentos cromados. Mas sabia que fazer design para estranhos era, no começo, como tatear em um túnel escuro em direção a um minúsculo pontinho de luz. Ele era obcecado com o entendimento das pessoas para quem estava projetando o design. Segunda: para vender algo familiar, torne-o surpreendente. Para vender algo surpreendente, torne-o familiar.*** Nos pontos mais extremos do pensamento radical, é crucial que artistas e empresários com ideias selvagens prestem atenção à puxada da familiaridade e se lembrem do aviso de Max Planck: até mesmo as mais brilhantes inovações científicas encaram um ceticismo inicial quando se distanciam demais do pensamento prevalecente. Grande arte e grande produtos atendem a públicos onde eles estão. Porém, o fato de que as pessoas gravitam na direção da fluência em termos de arte e design não é nenhuma desculpa para a simplicidade tosca. O insight central da regra MAYA é que as pessoas preferem a complexidade até o ponto em que param de entender alguma coisa. Muitos dos frequentadores de museus dos dias de hoje não ficam apenas fitando os nenúfares. Eles gostam de arte estranha e abstrata que lhes propicie uma sensação ou os leve a ter um solavanco de significado. Telespectadores não ficam apenas assistindo a reprises. Eles gostam de mistérios complexos com quebra-cabeças narrativos que chegam à completude. Frequentadores de teatro adoram revivals familiares, mas os mais influentes e bombásticos hits da Broadway são aqueles que, como Hamilton, contam uma história que nos é familiar de forma engenhosamente nova. O poder da fluência, afinal de contas, é mais forte quando emerge de seu oposto, de um desafiador período de disfluência, de modo a criar um momento aha. Terceira: às vezes as pessoas não sabem o que querem até que já estejam encantadas. Loewy e seus colegas estavam constantemente abrindo caminho à força para os gostos em meio a um público de americanos do meio do século que não sabia que queria alguma coisa nova. Nas páginas finais de suas memórias, Loewy fia-se em uma velha piada sobre um escoteiro e seu mestre-escoteiro discutindo a Boa Ação obrigatória do dia.37 “E que boa ação você realizou hoje, Ray?” “Eu, Walter e Henry ajudamos uma senhora a atravessar a rua”, diz o menino. “Muito bem. Mas por que precisou vocês três para fazer isso?”

“Ela não queria atravessar a rua.” Se Loewy fosse um escoteiro, ele teria sido como seu xará, Ray, impositivo, ainda que jogando dentro de um determinado conjunto de regras. Ele havia ensinado soporíferos consumidores da era das máquinas a serem neófilos da mais alta classe. Ele nutria um apetite pela surpresa combinado com um gosto pelo familiar. O jovem rapaz que analisou a cidade de Nova York em 1919 do topo do Equitable Building no número 120 da Broadway viu o outro lado de uma rua e levou o país a atravessá-la consigo. Ele não pediu permissão.

* Na chave de C-maior, esta p rogressão é C—G—Am—F. [N. do A.] ** Não confunda esta reflexão sobre estratégias quantitativamente bem-sucedidas de manchetes com jornalismo qualitativamente bem-sucedido. O melhor jornalismo p ode ser bem indiferente à aceitabilidade, p orque ele p rocura, acima de tudo, ser verdadeiro. A caça p or conteúdo de sucesso quantitativo levou muitos redatores e muitas emp resas de mídia p ara longe da verdade. [N. do A.] *** David Foster Wallace uma vez disse que romances realistas p odem servir a dois p rop ósitos: “Tornar o estranho, familiar, [e] fazer do familiar, estranho, novamente.” [N. do A.]

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A MÚSICA DO SOM O poder da repetição — na canção e no discurso

Savan Kotecha sabe o número de cor: 160. Esse é o número de cartas de rejeição que ele guarda em uma pasta na casa de seus pais em Austin, Texas. Dentre as assinaturas dessas cartas estão os nomes de algumas das mais famosas gravadoras e editoras musicais no país, cada uma dos quais chegou à mesma conclusão: as canções de Kotecha simplesmente não eram boas o bastante. Hoje em dia, a reputação de Kotecha se atém a números maiores. Duzentos milhões, por exemplo, é o número de cópias das suas canções vendidas no mundo todo.1 Compositor e produtor de astros e estrelas da música pop como Ariana Grande, Justin Bieber, Usher, Maroon 5, Carrie Underwood e One Direction, Kotecha tornou-se um dos mais prolíficos compositores de música pop jovem nos Estados Unidos, além de ter emplacado mais de uma dúzia das canções no Top 10 nos Estados Unidos e no Reino Unido, entre eles diversos hits número um, como “Can’t Feel My Face”, do cantor The Weeknd e “What Makes You Beautiful”, do One Direction. Quando Kotecha era menino, seu pai trabalhava para a IBM, o que levava a família a mudar-se por todo o país. Em Austin, onde eles finalmente se assentaram, ele dormia no sofá da sala de estar do pequeno apartamento de seus pais. Certo dia, ele entrou no quarto de sua irmã, descobriu ali um teclado e sentou-se para brincar com ele. Alguma coisa acendeu-se dentro de Kotecha. Daquele dia em diante, segundo o próprio compositor, ele tornouse obcecado por todas as dimensões da composição e da apresentação musical. Aprendeu a tocar piano sozinho enquanto estudava teoria musical. Ele cantava tanto no coro da escola quanto em uma boy band. Devorou

livros sobre a história da música pop e guias explicativos sobre gravadoras e editoras musicais. Enquanto Kotecha sonhava com uma vida em que comporia músicas que voariam alto nas ondas sonoras, seus estudos práticos sofriam com isso. Ele poderia ter entrado em mais apuros por matar aulas, mas sua professora de coro reconhecia o talento da criança como sendo algo potencialmente extraordinário. Quando a mãe de Kotecha ligava para a escola, a instrutora musical frequentemente atendia o telefone e o protegia com uma desculpa para suas faltas. “Meus pais estavam surtando”, disse-me Kotecha sobre o início de seus hábitos musicais, rapidamente dizendo, como uma forma de explicação: “Eles eram pais indianos muito tradicionais.” Ele enviou centenas de fitas demos e recebeu mais de cem cartas que o dispensaram e ele fez questão de guardá-las como peles de rejeição. Quando ele se formou e insistiu que seu futuro ainda estava em uma indústria que não lhe havia oferecido nada além de desprezo constante, o pai de Kotecha lhe fez um ultimato. “Ele disse que eu tinha dois anos para ser um perdedor e depois eu teria de ir para a faculdade”, o músico lembrou, rindo. Kotecha foi abrindo, agressivamente, seu caminho nos festivais musicais. No South by Southwest, festival de Austin, ele foi de carro até o centro da cidade para visitar o DoubleTree e outros hotéis, entrou de fininho no saguão e entregou fitas para todos os caça-talentos da A&R que passavam pelas portas. O DoubleTree colocou-o para fora de lá várias vezes. Kotecha aprendeu a usar vários disfarces. Quando a gerência do hotel o levava até a porta para que ele saísse de lá, o músico voltava vários minutos depois com uma nova camiseta, só para ser chutado para fora do hotel novamente (e voltava de novo, trajando nova roupa e trazendo consigo mais fitas). Por fim, em 1999, Kotecha teve um momento de sorte em tempos difíceis. Um executivo musical de Nova York que tinha profundas conexões em Estocolmo deu-lhe instruções que mudariam sua vida: “Vá para a Suécia.” Se a música pop fosse uma tecnologia global, a Suécia seria seu Vale do Silício.2 A Suécia e expatriados suecos são a fonte inexaurível das melodias que ficam. Liderado por Max Martin, o lendário superprodutor responsável por dezenas de singles número um dos Backstreet Boys, de Katy Perry e Taylor Swift, o pequeno país escandinavo exporta música contagiante desde a estreia do ABBA, nos anos 1970.3 Por que a Suécia? A resposta envolve uma mistura de política, história e o efeito magnetizante do talento. Primeiramente, o governo sueco promove

de forma ativa a educação musical pública em uma época em que muitos países não têm tal política (“Eu tenho de agradecer à educação musical pública por tudo”, disse Martin, em 2001).4 Em segundo lugar, a Suécia tem uma cultura musical que promove melodias com as cordas principais acima das letras, o que torna suas canções altamente exportáveis para públicos que não falam sueco.5 Em terceiro lugar, desde os tempos áureos do ABBA nos anos 1970, a Suécia formou uma indústria nacional dedicada à composição, produção e venda de música pop, o que atrai alguns dos melhores talentos pop do mundo, como foi o caso do adolescente indiano-americano de Austin, Texas.6 Os economistas, às vezes, chamam esse efeito magnetizante de “aglomeração” e é por tal motivo que empresas similares têm uma tendência a congregarem-se nas mesmas cidades.* Quando geógrafos na Universidade de Uppsala estudaram a indústria musical da Suécia, eles disseram que a música seguia um modelo que o economista Michael Porter chama de “agrupamento industrial”.7 Da mesma forma como empresários talentosos vão para São Francisco para ficarem por perto de pessoas como eles na indústria do software, compositores gravitam para os centros de poder da Suécia. “Na Suécia, eu me encontrei com RedOne, o compositor de Lady Gaga, e com toda sua equipe”, lembrou-se Kotecha. “Por meio de um outro contato por lá, conheci Simon Cowell e me envolvi com o The X-Factor, o que me levou a ser o treinador líder e compositor do One Direction. Poucos anos depois, conheci Max Martin. E então, tudo realmente explodiu.” Kotecha fala extasiado de Martin que, durante várias décadas, está no centro do novelo de compositores suecos. Em uma entrevista ao Hollywood Reporter, ele comparou Martin ao Michael Jordan da música pop.8 Essa comparação me deixou fascinado. Eu posso ver claramente o que faz de Michael Jordan um grande cestinha e um grande defensor. Eu me perguntava se o que havia originado a analogia poderia ser aplicado com um pouco de rigor à inefável arte da composição de canções. Então, perguntei a Kotecha: “Se Michael Jordan é Michael Jordan porque ele consegue acertar as cestas com eficiência, o que faz de Max Martin o Michael Jordan de seu ramo?” Kotecha não hesitou em me responder. “Essa é fácil. Ele tem o melhor ouvido para melodias que grudam, talvez o melhor na história da música pop. Ele consegue compor grandes melodias,

entende o que está errado com melodias de outras pessoas, ele é um médico genial das canções, um arranjador incrível e um impressionante finalizador.” “O que Max Martin lhe ensinou?”, perguntei a ele. “Que a grande música pop é muito estruturada, muito estruturada mesmo”, continuou falando Kotecha. “A construção de uma música pop é algo quase matemático. Max me ensinou que cada parte tem de falar com as outras partes. Se o verso começa na primeira [batida], o pré-refrão deveria começar na primeira batida também. Melodias precisam chegar rapidamente ao gancho e depois se repetir. É isso que as torna fáceis de serem lembradas.” O que é isso... esse... grude? O que em uma linha de melodia torna um gancho tão irresistível? Até mesmo os melhores compositores, às vezes, não são capazes de explicar a anatomia de um grande gancho. Como muitos artistas questionados a respeito da mecânica específica de seu processo, eles reagem da forma como uma pessoa comum faria se lhe pedissem para explicar os detalhes mais delicados da respiração. A habilidade é tão intrínseca que sua mecânica se torna invisível. Para entender os elementos básicos da facilidade de se lembrar de algo, por que gostamos do que gostamos, desde a canção ao discurso, é preciso começar do início. Como um som se torna uma canção?

Certa manhã, na primavera de 2009, Walter Boyer, um professor de música da quinta série na Escola Atwater, em Shorewood, Wisconsin, pediu que seus dezoito alunos da quinta série ouvissem uma gravação de uma mulher falando. Enquanto eles ficavam lá sentados, parados, uma voz ritmada veio ao ar. Os sons, na forma como aparecem para vocês, não são apenas diferentes daqueles que realmente estão presentes, mas às vezes se comportam de forma tão estranha a ponto de parecerem impossíveis. Era uma frase bem confusa para um grupo de inocentes alunos do quinto ano. Alguns torceram os narizes, como se as palavras fossem em alemão antigo. Mas eles continuaram ouvindo. Conforme a gravação prosseguia, várias palavras foram repetidas.

... às vezes se comportam de forma tão estranha... E foram repetidas de novo. Às vezes se comportam de forma tão estranha. E de novo. Às vezes se comportam de forma tão estranha. Conforme essas oito palavras eram repetidas várias vezes, algo realmente estranho aconteceu. Por meio da repetição, as palavras faladas pareciam desenvolver um ritmo e até mesmo uma melodia. Sorrisos assomaram-se aos rostos das crianças. “Tentem”, sugeriu o Sr. Boyer e, de repente, como se estivessem lendo uma partitura, os alunos começaram a cantar, em um uníssono perfeito. “Às vezes se comportam de forma tão estranha”, eles cantavam juntos. Muitos davam risadinhas com o choque de ver palavras comuns transformando-se, como se por meio de magia, em música. Alguns até dançavam em seus assentos. O Sr. Boyer interrompeu a reprodução da gravação. “Vocês ouviram a melodia?”, ele perguntou à classe. “Siiiiim”, responderam eles, naquela lenta fala arrastada de crianças que são forçadas a responder a uma pergunta óbvia. “Mas, em algum momento, ela estava realmente cantando?” “Nãããão”, eles disseram. “Então, o que vocês acham que aconteceu?” A sala de aula ficou em silêncio. Várias semanas depois, Diana Deutsch, uma psicóloga na Universidade da Califórnia, San Diego, recebeu um vídeo da classe da quinta série do sr. Boyer. Deutsch era a anfitriã de um jantar em sua casa, em La Jolla. Ela quase chorou ao ver as dezoito crianças cantando junto com uma voz — sua voz — enquanto discurso se transformava em música por meio de mera repetição. Deutsch é uma detetive de ilusões musicais. Sua descoberta mais famosa é o fenômeno testemunhado na aula de música do sr. Boyer. Trata-se da “ilusão do discurso que se transforma em canção”.9 Se você pegar uma frase

falada e repeti-la em um intervalo comum, as palavras enunciadas podem evoluir até soar como se fossem música. Quando Deutsch reproduz a frase “às vezes se comportam de forma tão estranha” para seus próprios voluntários de pesquisa, eles invariavelmente cantam a melodia em resposta, de forma tão precisa que ela tem chave, assinatura de tempo, síncope, contratempo e ritmo. Se você sabe ler uma partitura musical, soa exatamente assim [em inglês]:10

“Quando alguém está falando, existe uma central executiva no cérebro que toma decisões quanto ao fato de a frase ser falada ou cantada”, disse-me Deutsch. “A repetição é uma pista. Ela diz ao cérebro para ouvir a música.” Mais do que um truque enganoso, a repetição é a partícula de Deus da música. Baleias-jubartes (também chamadas de baleias-cantoras), gibõesde-mãos-brancas e mais de cem espécies americanas de pássaros são consideradas cantoras, e pesquisadores de animais reservam o termo “cantar” apenas para sons específicos que se repetem em intervalos comuns.11 O poder da repetição na música humana é fractal, aparecendo em todos os níveis.12 Repetir o ritmo é necessário para formar um gancho musical. A repetição de ganchos é necessária para os refrães. Refrães repetem-se várias vezes em cada canção, e é comum que as pessoas honrem suas músicas prediletas colocando-as para tocar repetidas vezes. Como todos os pais e mães podem atestar, crianças adoram repetir as mesmas canções. Porém adultos não são assim tão diferentes. Em 90% do tempo em que as pessoas ouvem música, elas estão ouvindo uma canção que já ouviram antes.13 Ocasionalmente, as pessoas ouvirão música repetidas vezes até mesmo quando não querem ouvir, por exemplo, quando uma música fica grudada na cabeça. Esse fenômeno é chamado de earworm [música chiclete, em tradução livre] e trata-se de um flagelo antigo e global. O termo em inglês vem do alemão Ohrwurm, “verme de ouvido” enquanto os franceses chamam

este fenômeno de musique entêtante, ou “música teimosa”. Thomas Edison inventou o fonógrafo em 1877, um ano depois de Mark Twain ter publicado uma história no The Atlantic Monthly sobre jovens estudantes assombrados por um jingle irresistível.14 Essa é uma aflição cultural pela qual os críticos não podem culpar a tecnologia. A culpa está em nossos cérebros. É lá que reside o verdadeiro mistério. Earworms são mais estranhas do que parecem. Se você mostrar a uma amiga um pedaço de uma pintura de Claude Monet, ela não passará os próximos trinta minutos reclamando que não consegue parar de ver o restante do quadro. (Se isso acontecer, leve-a imediatamente a um hospital de pesquisa.) Por que as pessoas têm “vermes de ouvido” mas não têm também, perdoem-me pelas imagens mentais, vermes de nariz ou de língua? Earworms são como um buraco de fechadura pelo qual podemos olhar para o passado e o futuro da manipulação musical do tempo. O cérebro infestado pela praga das earworms fica preso em um loop entre a repetição (eu quero me lembrar de como isso continua) e da expectativa (eu quero saber como isso termina). Essa própria confusão, o puxão da repetição versus o empurrão da expectativa, define as músicas mais fáceis de serem lembradas. Lembro-me de meus ganchos prediletos e de como eles com frequência parecem se partir no meio, uma queda e uma elevação, uma pergunta e sua resposta. Descendo ritmicamente no “bye bye” e subindo ritmicamente em “Miss American Pie”; baixo em “With the lights out” e alto em “it’s less dangerous”; erguendo-se em “she loves you” e caindo em “yeah, yeah, yeah”; um passo para baixo em “Hey, I just met you” e um passo para cima em “and this is crazy”.** Um grande gancho musical é uma boa pergunta com uma resposta que pede para repetir a pergunta. “As pessoas gostam de melodias novas e surpreendentes”, disse Elizabeth Margulis, uma musicóloga na Universidade do Laboratório de Cognição de Música do Arkansas. “Porém, quando nós sentimos que podemos fazer minúsculas previsões de forma precisa em relação a como uma música seguirá, a sensação é realmente boa.” Não requer nenhum esforço lembrar-se de uma melodia que é fácil de ser lembrada; a melodia lembra a si mesma. Quando uma canção fica presa na sua cabeça, isso pode levá-lo à loucura. Porém, visto que essa aflição é universal, atemporal e autoinfligida, isso deve revelar alguma coisa sobre nossos circuitos internos. Um earworm

é uma contenda cognitiva. A mente automática anseia por repetição que o cérebro ciente considera chata. Como vimos em capítulos anteriores, talvez o eu inconsciente queira mais repetição, deseje mais do velho, queira mais do familiar do que o eu consciente acha “bom”.

N ão se trata apenas de uma teoria sobre os jingles irritantes que você não consegue tirar da cabeça. A subestimada sedução da repetição é uma base fundamental para toda a economia da música pop. O Billboard Hot 100 é o registro padrão de popularidade na música americana.15 A lista apresenta a contagem regressiva das músicas nos topos das paradas nos Estados Unidos em todas as semanas desde 1958. Porém a lista da Billboard era formada com base em mentiras, meias-mentiras e estatísticas forjadas. Durante décadas, não havia nenhuma forma de se medir com precisão quais canções tocavam mais nas rádios e não havia nenhuma forma confiável de saber que álbuns haviam sido vendidos na semana anterior nas lojas de discos. A Billboard confiava na honestidade das estações de rádio e dos donos das lojas de discos, e nenhum deles tinha muitos motivos para ser honestos. Gravadoras davam empurrõezinhos ou subornavam descaradamente os DJs das rádios para que tocassem certos discos. As lojas de discos não queriam promover álbuns que haviam se esgotado. A indústria era tendenciosa em direção à rotatividade. As gravadoras queriam que as músicas e os discos entrassem e saíssem das paradas musicais rapidamente, para que pudessem continuar vendendo novos hits.*** Em 1991, a Billboard abandonou esse inconsistente sistema de honra e começou a coletar dados dos locais de vendas das caixas registradoras. “Isso foi revolucionário”, explicou Silvio Pietroluongo, diretor das paradas de sucesso da Billboard. “Nós finalmente éramos capazes de ver que discos realmente estavam sendo vendidos.” Por volta da mesma época, a empresa começou a monitorar a transmissão nas rádios por meio da Nielsen. O Hot 100 tornou-se muito mais honesto dentro do espaço de poucos meses. Isso teve duas implicações principais. A primeira delas foi que o hip-hop subiu de súbito nos índices enquanto o antiquado rock começou a, lentamente, desaparecer das paradas. (Talvez uma indústria dominada por caras brancos não tivesse prestado atenção suficiente nos interesses musicais

das minorias.)**** Em 22 de junho de 1991, na semana seguinte à atualização da metodologia da Billboard, Niggaz4life, do N.W.A. ganhou de Out of Time, do R.E.M., fazendo desta a primeira vez em que um grupo de rap teve o álbum mais popular no país.16 Um estudo recente dos últimos cinquenta anos na música pop americana chamou a ascensão do rap, em 1991, de “o acontecimento mais importante que moldou a estrutura musical das paradas de sucesso americanas”.17 Em mercados onde a popularidade importa, informação é marketing. Quando ouvintes de música ficaram sabendo o quão popular o hip-hop realmente era, isso tornou o hip-hop ainda mais popular.***** Uma outra coisa aconteceu com as preferências musicais dos americanos: elas ficaram muito mais repetitivas. Sem as gravadoras manipulando as paradas de sucesso, a Billboard era um espelho mais perfeito dos gostos dos americanos e o reflexo nesse espelho dizia: Só toca hit! As dez canções que passaram mais tempo no Hot 100 foram todas lançadas depois de 1991. Visto que as canções mais populares agora ficam nas paradas de sucesso por meses, o valor relativo de um hit explodiu. Um por cento de bandas e artistas solo agora ganham mais de 80% de toda a renda registrada em música. E, mesmo que a quantidade de música digital vendida tenha aumentado subitamente, as dez faixas mais vendidas comandam 82% mais do mercado do que uma década atrás.18 Como Pietroluongo, da Billboard, resumiu: “Acontece que nós simplesmente queremos ouvir as mesmas músicas repetidas vezes.” Isso faz parte da força fractal da repetição: as pessoas querem ouvir os mesmos ritmos repetidos em ganchos, repetidos em refrães, repetidos nas músicas e, se deixarem por nossa conta, colocaremos essas canções para serem tocadas repetidas vezes. Mas ninguém quer ouvir exatamente a mesma coisa repetida para sempre. Repetição demais causa monotonia. A pergunta é: como os compositores e sua classe sabem como equilibrar repetição e variedade?

David Huron é um iminente musicólogo na Universidade Estadual de Ohio, e se você lhe pedir uma explicação sobre música pop, ele lhe falará sobre camundongos.19 Pegue um camundongo e toque um ruído alto: chame esse ruído de B. O camundongo ficará paralisado. Talvez ele vire a sua minúscula

carinha pontuda e branca, com uma expressão de pura surpresa. Toque B mais uma vez, e, de novo, ele ficará adoravelmente assustado. Mas chegará um momento em que o camundongo vai parar de reagir. O barulho não mais interessará. Ele terá se tornado “habituado” a ele. A habituação é algo comum com a música. A repetição pode ser a partícula de Deus, mas está longe de ser a única partícula. Provavelmente você não quer ouvir “Three Blind Mice” agorinha e com certeza não quer ouvir essa música sete vezes seguidas. Algum dia você gostou dessa canção, quando tinha cinco anos de idade talvez, mas agora ela não lhe diz nada. Trata-se da habituação e isso acontece com todas as canções e com quase qualquer estímulo. É a forma que o cérebro tem de dizer: “Já estive lá, já fiz isso.” Em muitos aspectos da vida, a habituação é uma coisa normal e boa. Se você não consegue se concentrar no trabalho por causa do barulho da construção mas logo se esquece de que aquele barulho está ali, você será mais produtivo. Porém, em termos de entretenimento, a habituação é morte. Se torna: “Eu já vi o bastante de filmes de histórias em quadrinhos que são sombrios e misteriosos... não, obrigado.” Se torna: “Este novo álbum de rap poderia ser trocado pelos últimos dois álbuns do artista sem diferença, então, nem.” Se é verdade que os públicos gostam de repetição, e é verdade que os públicos podem ficar entediados com o excesso de repetição, como viciar as pessoas sem as tornar habituadas? Voltemos ao nosso pobre camundongo. Em vez de tocar notas B eternamente para o bichinho, os cientistas podem tocar diversas notas B em sequência e, então, exatamente quando o camundongo estiver prestes a descobrir o padrão, atingem-no com um novo som: C! A nota C também deixará o camundongo alarmado. Mas o importante é que a introdução de uma nova nota fará com que o camundongo se esqueça um pouquinho da nota B. Isso é chamado de “desabituação”. A única reprodução de C preserva a potência do estímulo de B. Em algum momento, o camundongo ficará habituado tanto a B quanto a C. Mas tudo bem. Os cientistas podem deixar ainda mais lento o processo de habituação, introduzindo uma terceira nota: D!****** Para assustar um camundongo durante o mais longo período de tempo com menos notas, os cientistas encontraram sucesso com variações da seguinte sequência:

BBBBC—BBBC—BBC—BC—D A pesquisa de Huron descobriu que esta sequência de repetição e variação reflete padrões musicais globais que vão deste sonatas europeias, passando pelo canto gutural dos inuítes e chegando ao rock americano. “Pelo mundo, a música é consistente com a repetição no começo”, disse ele. “A ideia é ser repetitivo até o ponto em que as pessoas possam querer arrancar os cabelos e, depois, mudar sutilmente as coisas. Da perspectiva de um compositor, para fazer algo simples e belo, você poderia pensar: ‘Qual é a quantidade mínima de material que eu posso compor para entreter meu público pelo maior período de tempo?’” Eu sou particularmente atraído pelo trechinho final da sequência, que é o seguinte: BBC—BC—D Essa estrutura pode não lhe parecer obviamente familiar, mas chamemos B de verso, C de refrão e D de verso alternativo ou ponte. Substitua as notas por suas palavras correspondentes e você obterá a seguinte estrutura de canção. Eu acho que você a reconhecerá, pois este pode ser o padrão mais comum dos últimos cinquenta anos de música pop. Verso-verso-refrão — verso-refrão — ponte******* A resposta para a pergunta como eu assusto um camundongo com o menor número de notas pelo maior período de tempo?, acaba sendo um padrão específico que prevê a forma como muitas músicas pop modernas são compostas. A repetição inicial estabelece um tema de refrão-C. O verso e as passagens do refrão passam a batuta adiante e de volta. Para evitar que o público fique entediado, o artista introduz uma ponte-D para desabituar o ouvinte tanto em relação ao verso quanto ao refrão, e estabelece a sequência musical final. Uma canção pop não passa de um estudo elaborado de desabituação de um camundongo? Críticos de música pop moderna poderiam acolher de bom grado tal simplificação, no entanto, a conclusão mais sábia aqui é mais complicada e menos incendiária.

Quando paramos para pensar no quão repetitivas são as canções pop das pessoas, em como alternam com confiança versos, refrães, versos, refrães, pontes e refrães amplificados, é inegável que a grande música oferece antecipação dentro de linhas específicas de expectativa. “As pessoas acham as coisas mais prazerosas quanto mais vezes você as repetir, a menos que elas se tornem cientes de que você está sendo repetitivo”, disse Huron. “As pessoas querem dizer: ‘Eu não sou seduzido(a) pela repetição! Eu gosto de coisas novas!’, mas a repetição disfarçada é prazerosa de forma confiável, pois leva à fluência, e a fluência faz com que nos sintamos bem.” Huron está desempacotando a psicologia da habituação, ele não está oferecendo um kit de montagem caseiro para compor a próxima grande canção pop. Repetição e variação não tornam uma peça musical incrível por si só. Em vez disso, estabelecem regras claras com as quais os grandes compositores trabalham. Escrever poesia sem rima é “como jogar tênis sem uma rede”, disse uma vez o poeta Robert Frost. Na música, a repetição é a rede.

A música pode ser mais elementar do que a linguagem. Canções precedem o discurso, tanto na vida humana como na história dos animais. Crianças conseguem fazer ritmos com palavras sem sentido muito antes de serem capazes de explicar exatamente porque merecem mais doces. Nos primórdios da linguagem humana, o discurso e a música eram quase a mesma coisa: simples sons proferidos por grupos, repetidamente.20 Antes da escrita cuneiforme ou de uma alfabetização mais ampla, a memória era a biblioteca de uma civilização. É pouco de se admirar que muitos dos mais antigos clássicos literários, entre eles, Beowulf, A Odisseia e Ilíada, de Homero, as Metamorfoses, de Ovídio, Eneida, de Virgílio, e Os contos de Canterbury, de Geoffrey Chaucer, sejam considerados poemas épicos. Cada um deles faz uso de repetição, ritmo, rima e aliteração para se travarem no banco de memória do próximo contador de histórias. De algumas formas, a repetição é memória, “memória protética”, tomando emprestada a maravilhosa frase de Alison Landsberg.21 Uma canção “lembra-se” de seu gancho, em nome do ouvinte, repetindo-o. Os sonetos de Shakespeare “lembram-se” de seus sons, repetindo-os em forma de rimas.

Para muitas pessoas, é mais fácil lembrar-se de palavras quando elas estão ligadas a ritmos e melodias. Vítimas de derrame e outros que sofrem de distúrbios de linguagem afásicos e lutam para conseguir falar, com frequência ainda conseguem cantar. Gabby Giffords, congressista do Arizona que levou um tiro na cabeça em uma tentativa de assassinato, vem lutando para recuperar sua habilidade verbal. Porém, em fevereiro de 2015, ela estrelou vídeo emocionante compartilhado on-line em que acerta todas as palavras em uma passagem de “Maybe”, uma canção do musical Annie.22 A afasia frequentemente surge de danos causados às partes do lado esquerdo do cérebro que controlam a linguagem, porém, estudos de imagens por ressonância magnética funcional mostraram que a terapia musical ativa a inteligência melódica do hemisfério direito do cérebro.23 Isso sugere que a repetição é poderosa não apenas para a música, mas para toda comunicação. Música é como os doces da memória. A linguagem musical ajuda as pessoas a se lembrarem de palavras e envia sinais às pessoas de que vale a pena lembrar-se de algumas palavras. Durante milhares de anos, escritores e oradores persuadiram audiências com seus efeitos de passagem de canção para música, revestindo suas palavras faladas com o doce xarope da repetição. E eles ainda fazem isso.

Em 27 de julho de 2004, o redator de discursos Jon Favreau apresentou-se a Barack Obama, pedindo que o futuro presidente parasse de falar. Favreau era um graduado de 23 anos de idade da Faculdade da Santa Cruz em Massachusetts que trabalhava para a campanha presidencial do senador John Kerry. Obama, senador estadual de Illinois, estava ensaiando o discurso da política de ação que ele apresentaria na Convenção Nacional Democrática no Fleet Center de Boston mais tarde naquela noite. Favreau interrompeu o ensaio de Obama e perguntou se o senador poderia considerar a possibilidade de mudar um pouquinho a parte do discurso sobre os estados vermelhos e os estados azuis, que era similar demais a uma das falas aplaudidas de Kerry.24 Dizem que Obama ficou furioso: aquela era uma de suas partes prediletas do discurso. Mas ele mudou a sua fala mesmo assim. Era difícil dizer qual homem era o maior impostor no palco do Fleet Center no verão de 2004. O orador principal, Obama, nunca havia assumido

um cargo político nacional. O jovem Favreau teve a boa sorte de tornar-se um redator de discursos só porque a campanha de Kerry tinha sido tamanho desastre antes da convenção partidária em Iowa que os conselheiros mais experientes a haviam abandonado.25 “Eles não conseguiam encontrar ninguém que quisesse entrar em cena quando nós estávamos prestes a perder para o [antigo governador de Vermont, Howard] Dean”, disse Favreau à Newsweek. “Eu me tornei o redator de discursos substituto, mesmo não tendo nenhuma experiência prévia nisso.” Três meses depois, Kerry perdeu a eleição presidencial e Obama havia se tornado uma celebridade política nacional que precisava de um redator de discursos. Em janeiro de 2005, Favreau encontrou-se com Obama na lanchonete do Senado no Edifício Dirksen na Colina do Capitólio.26 O senador perguntou a ele: “Qual é sua teoria em relação à redação de discursos?”27 “É interessante”, disse-me Favreau, dez anos depois daquela reunião, “porque o que me atraiu para Obama a princípio não foi a retórica altiva, mas sim sua autenticidade. Sendo um redator de discursos, eu penso muito em empatia. Eu sempre tento imaginar o público: de onde eles vêm? De que base de conhecimento eles partem? Como ambos nos conectamos a onde eles estão e os erguemos um pouco?” Ele conseguiu o emprego. Quando Obama anunciou que estava concorrendo à presidência vários anos depois disso, Favreau tornou-se um dos mais jovens redatores de discursos principais de um candidato presidencial na história dos Estados Unidos.28 Três anos depois, no início de 2008, a campanha presidencial de Obama parecia encantada, entrando tempestuosamente em New Hampshire, com uma liderança de dois dígitos, ganhando na convenção partidária de Iowa. Mas ele perdeu as primárias para Hillary Clinton por três pontos percentuais. Em 8 de janeiro de 2008, Obama assumiu o palco da Nashua High School South, agradeceu àqueles que o apoiavam e apresentou, inadvertidamente, o discurso que talvez tenha sido o mais citado de sua carreira. Ele estruturou a abordagem em torno de uma frase tão simples que uma vez ele a rejeitara29 por ser piegas demais: “Sim, nós podemos.”******** Pois em momentos nos quais nos deparamos com adversidades impossíveis, quando nos disseram que não estávamos preparados ou que não deveríamos tentar ou que não podíamos, gerações de americanos responderam com um simples credo que resume o

espírito de um povo: Sim, nós podemos. Sim, nós podemos. Sim, nós podemos. Foi um credo escrito nos documentos da fundação que declararam o destino de uma nação: Sim, nós podemos. O mesmo foi sussurrado por escravos e abolicionistas enquanto abriam ardentemente um caminho em direção à liberdade, em meio à noite mais sombria: Sim, nós podemos. Foi cantado por imigrantes enquanto saíam de terras distantes e por pioneiros que avançavam à força contra uma terra inóspita e implacável: Sim, nós podemos. Foi este o chamado de trabalhadores que se organizaram, mulheres que tentavam alcançar as urnas, um presidente que escolheu a lua como nossa nova fronteira e um rei que nos levou até o topo da montanha e apontou o caminho para a terra prometida: Sim, nós podemos... “Essa é a frase mais simples que se pode imaginar”, disse Favreau, “três palavrinhas que as pessoas dizem umas para as outras todos os dias”. Apesar disso, o discurso ficou gravado no conhecimento retórico. Inspirou vídeos musicais, memes e a gama total de reações que qualquer blockbuster recebe on-line hoje em dia, desde elogios, passando pelo humor fora de contexto e chegando à total zombaria. O refrão “Sim, nós podemos” de Obama é um exemplo de dispositivo retórico conhecido como epístrofe ou a repetição de palavras no final de uma sentença. Trata-se de um dos tipos retóricos mais famosos, a maior parte dos quais têm nomes do grego, tendo como base alguma forma de repetição. Existe a anáfora, quando a repetição se dá no início de uma sentença (Winston Churchill: “Nós lutaremos nas praias, nós lutaremos nos campos de pouso, nós lutaremos nos campos”). Existe o tricolon, que é a repetição triplicada curta (Abraham Lincoln: “Governo do povo, pelo povo, e para o povo”). Existe a epizêuxis, em que a mesma palavra é repetida várias vezes seguidas (Nancy Pelosi: “Apenas se lembrem dessas quatro palavras em termos do que significa essa lei: empregos, empregos, empregos e empregos”). Existe a diácope, que é a repetição de uma palavra ou de uma frase com uma breve interrupção (Franklin D. Roosevelt: “A única coisa de que devemos ter medo é do próprio medo”) ou, mais simplesmente, uma

estrutura A-B-A (Sarah Palin: “Simule, baby, simule!”). Existe a antítese, que é a repetição de estruturas de cláusulas para justapor ideias contrastantes (Charles Dickens: “Era a melhor época, era a pior época”). Existe o paralelismo, que é a repetição da estrutura da sentença (o parágrafo que você acabou de ler). Por fim, existe o rei de todos os truques modernos de se fazer um discurso, a antimetábole, que é a inversão retórica: “Não é o tamanho do cachorro na luta; é o tamanho da luta no cachorro.” São vários os motivos pelos quais a antimetábole é tão popular. Em primeiro lugar, ela é complexa o bastante para disfarçar o fato de que é formulaica. Em segundo lugar, é útil para destacar um argumento ao estabelecer um claro contraste. Em terceiro lugar, é bem pop, no sentido sueco da composição de músicas, pois cria um gancho em torno de dois elementos, A e B, e inverte-os para dar aos ouvintes uma gratificação e um significado imediatos. A estrutura clássica da antimetábole é AB;BA, o que é fácil de ser lembrado, visto que também é o nome de uma certa banda sueca.********* Entre exemplos famosos de ABBA na política estão os seguintes: “O homem não é a uma criatura de circunstâncias. Circunstâncias são as criaturas dos homens.” — Benjamin Disraeli “O Oriente e o Ocidente não desconfiam um do outro porque estão armados; nós estamos armados porque desconfiamos um do outro.” — Ronald Reagan “O mundo depara-se com uma Rússia muito diferente daquela de 1991. Como todos os países, a Rússia também se depara com um mundo muito diferente.” — Bill Clinton “Se trouxermos nossos inimigos à justiça ou se levarmos a justiça até nossos inimigos, a justiça será feita.” — George W. Bush “Direitos humanos são direitos da mulher e os direitos da mulher são direitos humanos.” — Hillary Clinton Em particular, o presidente John F. Kennedy tornou a estrutura ABBA famosa (e a estrutura ABBA tornou John F. Kennedy famoso). “A humanidade deve pôr um fim à guerra ou a guerra haverá de pôr um fim à humanidade”, disse ele, e também: “Cada aumento de tensão produziu um aumento de armas; cada aumento de armas produziu um aumento de tensão”,

e a mais famosa: “Não pergunte o que seu país pode fazer por você; pergunte o que você pode fazer por seu país”. A antimetábole é como a progressão de cordas C—G—Am—F na música pop ocidental. Quando você descobre isso, você a ouve por toda parte.30********** Ideias difíceis e até mesmo controversas são transformadas, por meio da estrutura ABBA, em algo parecido com ganchos musicais. Obama e Favreau não se apoiavam tão intensamente em nenhum dispositivo de linguagem, mas eles faziam um combo poderoso em parte porque pensavam nos discursos da forma como Savan Kotecha e outros compositores pensam em canções: necessitando de ganchos, refrães e estruturas claras. Com frequência eles buscavam inspiração nos discursos de Martin Luther King, que eram bíblicos, rítmicos e propelidos por uma musicalidade explícita na tradição da pregação negra. The Hum [A cantarola], o teólogo Evans Crawford comparou sermões a riffs de blues, “caracterizados por ritmos livres e improvisados e um contraponto idiomático”.31 O sermão perfeito deveria “começar lento, seguir assim, subir mais e pegar fogo”.32 Favreau, um pianista autodidata que estudou música clássica na faculdade, deleita-se com a comparação de seu trabalho à composição de canções pop. “Uma boa fala em um discurso é como uma boa peça musical”, disse ele. “Se pegarmos uma coisinha e a repetirmos durante todo o discurso, como um refrão em uma música, o discurso se torna memorável. As pessoas não se lembram das músicas por seus versos. Elas se lembram das canções pelos refrães. Se quiser tornar algo memorável, é necessário repetição.” Quando trabalhavam juntos nos discursos mais importantes, Obama e Favreau se perguntavam: “Qual é a ‘espinha dorsal’ desse discurso?” A espinha dorsal era o gancho, o tema ou o refrão retórico que amalgamava um discurso. Em 2008, quatro anos depois de seu primeiro encontro, o ex-senador estadual de Illinois e o ex-redator de discursos substituto de Kerry estavam de volta à Convenção Nacional do Partido Democrata, dessa vez como o indicado histórico e seu renomado redator-chefe de discursos. Dias antes de sua apresentação, o futuro presidente disse a Favreau que seu discurso não estava muito bom. Precisava de uma espinha dorsal. “Ele disse: ’Vamos pensar em alguma coisa que possa ser levada por todo o discurso’”, lembrou Favreau. “Nós acabamos usando o conceito da

‘promessa americana’ como o fio que mantinha a coesão do discurso.” Na transcrição oficial, Obama repete a palavra “promessa” 32 vezes. Pode ser que a retórica política americana esteja ficando mais musical com o passar do tempo. Nos anos 1850, a maioria dos discursos presidenciais eram apresentados com uma retórica de nível de faculdade quando eram julgados pelo teste de legibilidade Flesch-Kincaid, um método desenvolvido para a Marinha dos Estados Unidos nos anos 1970, de modo a garantir a simplicidade dos manuais de instrução militares. Porém desde os anos 1940, os discursos presidenciais estão mais para o nível da sexta série da escola.33 É tentador enxergar essa tendência como a idiotização do público americano. Mas os Estados Unidos são consideravelmente mais bem cultos do que eram nos idos de 1800. A aumentada simplicidade da retórica política é, na verdade, um sinal de que os discursos políticos pretendem atingir um público mais amplo e, sendo assim, estão emulando outras formas populistas de entretenimento de massas, como a música. No início da república, quando apenas homens brancos podiam votar, “presidentes podiam presumir que estavam falando com públicos compostos em uma grande maioria por homens como eles mesmos: cultos donos de terras com mentes cívicas”, disse Jeff Shesol, historiador e ex-redator de discursos de Bill Clinton. No entanto, conforme os direitos de voto se expandiram, os apelos presidenciais ampliaram-se. A maior mudança em direção a discursos presidenciais mais simples aconteceu por volta de 1920, o que coincide com pelo menos quatro desdobramentos positivos:34 a Sétima Emenda, permitindo a eleição direta de senadores em 1913; a Nona Emenda, dando às mulheres o direito ao voto em 1920; o movimento para tornar o ensino público obrigatório, na mesma época; e a disseminação do rádio, que passou dos 50% de penetração entre residências nos Estados Unidos por volta dos anos 1930.35 (A televisão chegaria lá vinte anos depois.) Uma retórica política simples não minou a democracia americana. O crescimento da democracia americana tornou a retórica política simples.

A linguagem musical

é mercenária. Gosta de ganhar em uma guerra de atenção, e a verdade pode ser deixada sangrando no campo de batalha. As

pessoas confiam em belas palavras, até mesmo quando essas palavras estão erradas. Primo da ilusão da transformação de discurso na música é o efeito da rima como razão. Assim como a repetição de palavras pode criar a ilusão de canto, a linguagem musical pode criar a ilusão de racionalidade.36 Estudos mostram que as pessoas consideram gracejos ritmados como “a bebida entra, a verdade sai” ou “pesares antigos unem inimigos” mais precisos do que suas versões que não combinam, como “aquilo que a sobriedade esconde, a cerveja desmascara”. Repetição e rima são como melhoradores de sabor para a linguagem: podem tornar ideias ruins extraordinariamente inteligentes, porque os ouvintes não pensam demais quando ouvem belas palavras. Com frequência apenas presumem que essas palavras sejam verdadeiras. Um bom indicativo de que a linguagem musical é pobre, até mesmo um indicador negativo de verdade é que nós a usamos para dizer coisas que não são verdadeiras em termos literais. Há diversos aforismos famosos como “Uma maçã por dia a ida ao médico adia”, que são errados, mas são amplamente aceitos porque parecem divertidos de anunciar, enquanto outros ditos — como a infame defesa de O. J. Simpson: “Se não conseguem acusálo, vocês devem inocentá-lo” — são memoráveis, ainda que equivocados. No entanto, é precisamente por causa de sua musicalidade que nós aceitamos essas declarações, amplamente formuladas, como sendo verdades. As pessoas processam a rima e, depois, procuram a razão. Para o melhor ou o pior, esse mesmo livro pertence a um gênero da nãoficção que um crítico poderia chamar de “evangelho de sucesso”. A maioria desses livros revendem o senso comum. O autor toma uma peça de sabedoria convencional que o leitor já percebeu intuitivamente e a reembala dentro de novas histórias. É um pouco como “dar de presente algo intuitivo que se ganhou de outra pessoa”: vocês já conhecem essa lição, mas aqui está ela com uma nova embalagem. No best-seller de Dale Carnegie, de 1936, Como fazer amigos e influenciar pessoas, muitas das citações mais compartilhadas são musicais e brincam particularmente com a antítese e com quiasmos.37 (Coloquei as repetições em negrito e as aliterações em itálico, de modo a acentuar o efeito repetitivo.) “Não tenha medo de inimigos que o atacam. Tenha medo dos amigos que o bajulam.”

“A felicidade não depende de condições externas. Ela depende de condições internas.” Sobre ganhar em discussões: “Se você perde, você perde; e se você ganha, você perde.” “Para ser interessante, seja interessado.” Parece que a chave para uma escrita memorável é simples. É só redigi-la em pares. Ou, para honrar o legado de Carnegie: “Para ser lembrado, seja repetitivo.” Ou, se isso não for grudento o bastante, invoque o efeito da rima como razão: “Para escrever algo que as pessoas usarão, suas ideias em pares vocês dividirão.” Existe um lado bom e um lado ruim nisso. Ao transformar argumentos em música falada e ao criar poesia de políticas, a antimetábole e suas primas podem fazer com que ideias complicadas sejam engolidas com mais facilidade. Porém, elas também podem girar uma varinha mágica sobre ideias frívolas e dúbias, transformando algo questionável em memorável.

Como exatamente a repetição cria música a partir do som? Eu tinha uma teoria e liguei para Diana Deutsch. Talvez, eu propus, a música seja uma ilusão conjurada da cacofonia de sons por meio da repetição. Assim como o efeito da rima como razão pode criar significado a partir de bobagens sem sentido, talvez a repetição faça com que os ouvintes escutem algo que não está lá. Para a minha surpresa, Deutsch insistiu que o oposto é verdadeiro. Em seus estudos daquela frase que agora é famosa, “às vezes se comportam de forma tão estranha”, as pessoas que escutaram mais repetições foram também as melhores na imitação de seu som real. Elas não estavam cantando uma música que surgiu do nada. Pelo contrário, a repetição ajudou-as a ouvir o ritmo e o tom da sentença falada com mais clareza. Deutsch não estava tentando cantar e, ainda assim, sua voz produziu tal verso musical.

Conforme Deutsch falava, procurei ouvir a música furtiva em suas frases. Mas eu não conseguia ouvi-la. Ouvintes comuns têm certa dificuldade em prestar atenção explícita aos tons e ritmos de seus interlocutores. Eles devotam mais de seu foco ao “fluxo do discurso”, o significado e a intenção de quem está falando. A repetição redireciona a atenção para o som do discurso em si, o tom da voz, o ritmo das paradas, as melodias secretas da conversação. O efeito de transformação de discurso em canção é considerado uma ilusão, porém, se houver uma melodia oculta embrenhada em toda linguagem, então, a ilusão é a cacofonia. A estranha verdade é que todo discurso é composto de melodias microscópicas e canções não descobertas. Só se faz necessário um pouco de repetição para se ouvir a música.

* “Aglomeração” divide uma raiz com “conglomerado”, que vem do latim glomus, “massa em forma de bola”. Então, se p ode p ensar não efeito da aglomeração como sendo o enrolamento em um carretel de uma bola de lã. Conforme os fios soltos voltam em loop p ara o centro, a bola vai ficando maior, mais forte e mais ap ertada. É esse o efeito do agrup amento: p oder da p roximidade. [N. do A.] ** Resp ostas: “American Pie”, de Don M cLean; “Smells Like Teen Sp irit”, do Nirvana; “She Loves You”, dos Beatles; “Call M e M ay be”, de Carly Rae Jep sen. *** Poderia ser dito que a indústria musical do século XX era excelente em obsolescência p rogramada. Exatamente como Alfred Sloan nos mostrou que é p ossível fazer com que as p essoas desejem mais carros da GM , constantemente trocando suas cores e seus modelos, a indústria da música manip ulava a rotatividade nos hits número 1 p ara encorajar as p essoas a comp rarem novos discos. [N. do A.] **** O que é irônico, visto que os guardiões dos p ortões da música p op nos anos 1950 inicialmente consideravam o rock and roll como “música de selva”; p or volta de 1980, p oderosos homens brancos p rotegiam um gênero que a geração anterior de p oderosos homens brancos considerava uma ameaça. [N. do A.] ***** A mesma coisa sup ostamente aconteceu nas notícias nos Estados Unidos com o movimento #BlackLivesM atter [Vidas Negras Imp ortam]. O Facebook e o Twitter direcionaram uma imensa quantidade de leitores p ara artigos sobre racismo e violência contra comunidades negras nos Estados Unidos. Os fatos subjacentes não mudaram muito; os negros dep araram-se com op ressão e sofreram com a brutalidade p olicial durante anos. Porém o interesse dos criadores de notícias na cobertura dessas histórias mudou. A mídia social tornou inevitavelmente óbvio que estes tiroteios estavam acontecendo e milhões de p essoas queriam saber mais sobre eles. A iluminação de histórias anteriormente subcobertas é p rovavelmente uma coisa boa, de modo geral. M as uma imp licação desalentadora é que a mídia de notícias, ainda desp rop orcionalmente branca, minimizou a imp ortância dessas histórias durante décadas, de alguma forma como as gravadoras (também dominadas p or homens brancos) ignoraram a ascensão do hip -hop . [N. do A.] ****** Segundo Huron, há duas maneiras de burlar a habituação. A p rimeira delas é a variedade, ou desabituação. A segunda é o temp o. Digamos que você escute “I Will Survive” vinte vezes seguida. No dia seguinte, você p referirá ouvir unhas rasp ando uma lousa a ouvir mais Gloria Gay nor. Porém, várias semanas dep ois, a canção toca no rádio e você quer ouvi-la novamente.

Huron chama isso de “recup eração esp ontânea”: você acha que já chega de ouvir Gloria, p orém, dep ois de algum temp o, você quer uma outra dose de “I Will Survive”. [N. do A.] ******* Huron notou que, só p orque muitas canções p op americanas p artilham da mesma estrutura de verso e refrão, isso não quer dizer que esta seja a estrutura biologicamente ideal p ara uma canção. Trata-se ap enas da forma mais familiar de equilibrar rep etição e variedade p ara os p úblicos ocidentais. M uitas canções icônicas não têm refrães, como “Thunder Road”, de Bruce Sp ringsteen, e “Bohemian Rhap sody ”, do Queen. Estas canções ainda têm várias melodias que se rep etem com variações. [N. do A.] ******** Obama achou a frase “p iegas demais” quando seu conselheiro, David Axelrod, a p rop ôs durante sua p rimeira candidatura ao senado dos Estados Unidos, disse Axelrod ao The New York Times. Ambos consultaram M ichelle, que determinou que a frase “não era p iegas”. [N. do A.] ********* Eu duvido muitíssimo que eles p retendessem relacionar o nome a disp ositivos retóricos gregos, mas a “antimetábole é ABBA” é uma conveniente heurística. [N. do A.] ********** “Quando você descobre isso, você a ouve p or toda p arte” é um exemp lo de outra estrutura retórica grega, o quiasmo, que é p arecido com a antimetábole, mas segue regras mais soltas. Ainda é simétrico em termos estruturais, mas não exige a inversão exata das mesmas p alavras. A abordagem inaugural de Kennedy começa com uma orgia de quiasmo: “Nós observamos hoje em dia não uma vitória de um p artido, mas sim uma celebração da liberdade, simbolizando um fim, assim como um começo, significando renovação, assim como mudança.” Se removêssemos todos os quiasmos e as antimetáboles do mais famoso discurso de Kennedy, ficaríamos com uma lista de conjunções. [N. do A.]

INTERLÚDIO Calafrios

Subindo e descendo em seus braços, logo ali sob a sua pele, em meio às veias, glândulas, artérias, aos vasos e nervos, há um músculo fino e liso que segura a raiz de cada um de seus pelos. Esse músculo é chamado de arrector pili (do latim, eriçador de pelos), e é ativado pelo sistema nervoso simpático.1 Isso significa que você não consegue controlá-lo, nem o flexionar de forma impressionante quando quiser, como faz com o bíceps. Pelo contrário, alguma coisa fora do corpo deve chamar a atenção do arrector pili. Por exemplo, se um animal peludo se arrepia por causa do ar frio, os músculos retraem-se e fazem com que milhares de pelos fiquem eriçados de uma vez, como se estivessem em pé, fazendo uma ovação folicular.2 Esses pelos eriçados prendem o ar perto da superfície da pele de modo a formar uma fina atmosfera em volta do corpo. Uma emoção forte, como o terror, pode acionar o mesmo reflexo de aviso. Hominídeos já foram mais peludos. Agora, a maior parte de nossa pelagem se foi. Porém, os músculos permanecem, assim como seus reflexos. Quando sentimos frio, quando estamos febris ou profundamente emotivos, nossos pelos ficam eriçados e criam uma textura grossa e grumosa ao longo de nossa pele, como a pele de um pássaro que acabou de ter suas penas arrancadas. As pessoas no mundo todo nomearam esse efeito com base em diversas aves. Em chinês, eles referem-se a isso como “grumos em pele de frango”. Em hebraico, dizem “pele de pato”. Em inglês, são chamados de “grumos de gansos”. Alguns anos atrás, em uma reunião da faculdade, eu caminhava pela extensão sul do campus em um dourado dia de outono em Evanston, Illinois, e, de repente, senti uma premência de ouvir músicas de Jeff Buckley. Fazia muitos anos que eu não ouvia nada de Buckley, talvez desde a minha

formatura. Mais famoso por sua adorável e amplamente imitada cover de “Hallelujah”, ele gravou apenas um grande álbum antes de morrer afogado. Fiquei ouvindo esse álbum repetidamente durante todo o verão de 2004, adentrando a minha pré-orientação em setembro e durante o meu primeiro mês de faculdade. Reproduzir novamente a música dele nove anos depois era como abrir uma cápsula do tempo e ficar observando como seus tesouros reagem ao oxigênio fresco. Dentro das canções viviam as lembranças da minha primeira paixonite na faculdade, a ansiedade da minha primeira aula de jornalismo e do meu primeiro debate político às quatro da manhã, na área de estudos com seus sofás de feltro azul, o aroma de pipoca de micro-ondas com manteiga quimicamente adicionada e os pisos preocupantemente grudentos. Porém, a canção também continha as conclusões para essas ansiedades: o conhecimento do romance fracassado, um emprego em uma revista que eu amava e o fato de que meu amigo das quatro da manhã estava prestes a se casar. Andando pelo campus e ouvindo a música tocar dentro das recordações ou as lembranças serem reproduzidas dentro da música, a canção fez disparar o gatilho de uma antiga resposta hominídea: fiquei todo arrepiado. Uma sensação passou para debaixo da minha pele e puxou milhares de pequenos músculos e lá estava eu, dando a volta no lugar onde eu costumava pisar, todo arrepiado. “A arte não é, como dizem os metafísicos, a manifestação de alguma Ideia de beleza ou Deus”,3 escreveu Leon Tolstoi em um pequeno (para Tolstoi) livro, em 1897, O que é Arte?. Ele dizia ainda: Não se trata, como dizem os fisiologistas estéticos, de um jogo em que o homem libera seu excesso de energia armazenada; não é a expressão das emoções do homem por meio de sinais externos; não é a produção de objetos agradáveis; e, acima de tudo, não é prazer; trata-se de um meio de união entre os homens, que os junta nos mesmos sentimentos, e que é indispensável para a vida e o progresso em direção ao bem-estar de indivíduos e da humanidade. Para Tolstoi, arte é sentimento; a transmissão de sentimentos; um protocolo de comunicação escrito na linguagem dos sentimentos. Todo mundo sabe que letras são apenas formas, que serifas não têm um propósito e

os espaços entre as palavras são mero vazio. Porém livros ainda produzem lágrimas e adrenalina. Quando as pessoas leem, elas ouvem vozes e veem imagens em suas cabeças. Essa produção é total sinestesia e é algo próximo à loucura. Um grande livro é um filme alucinado em IMAX para começo de conversa. O autor tinha um sentimento que ele transformou em palavras, e o leitor obtém um sentimento daquelas palavras; talvez seja o mesmo sentimento e talvez, não. Como escreveu Peter Mendelsund em What We See When We Read [O que vemos quando lemos, em tradução literal], um livro é uma coprodução.4 Um leitor tanto apresenta o livro quanto assiste ao espetáculo. O leitor é o condutor, a orquestra e o público. Um livro, seja ele de não-ficção ou de ficção, é um “convite para sonhar acordado”.* Quando comecei a sonhar acordado com este livro, eu passei muito tempo conversando com psicólogos sobre a fluência, a facilidade de pensar. Porém, quando refleti sozinho sobre minhas canções prediletas, meus livros e filmes favoritos, cheguei a ver que aquilo de que mais gosto não são as coisas fáceis, mas sim a recompensa de ter compreendido algo difícil. Esses momentos aha não são apenas a sensação do pensar fácil. São o êxtase que vem do trabalho de discernir alguma coisa. Eu amava as peças de Shakespeare desde quando eu era novo demais para entender as palavras. Hamlet é um dos poucos livros que tenho em cima de minha escrivaninha — um excruciante clichê para qualquer visitante, mas lá está ele. Minha devoção a Shakespeare é tamanha que eu nunca incluiria uma observação sobre hits que não se aplicasse primeiramente a ele. Suas fontes primárias são familiares, mas seu estilo era inovador, uma mistura de poesia aforística e humor baixo que, como escreveu Ben Jonson, “não são de uma época, mas sim, eternos!” Shakespeare tinha poucas tramas originais. Ele era, como George Lucas no próximo Capítulo, um mestre na arte de reunir antigas alusões. Até mesmo Hamlet é ao mesmo tempo singular e derivativo; o livro é baseado em um mito nórdico do século XIII, Amleth.6 A peça é confusa e ambígua de uma forma enlouquecedora, mas as poucas respostas que ela produz são, para mim, da melhor espécie. Oferecem uma versão aguçada da linguagem que eu uso para pensar em relação ao mundo. Meus pensamentos movem-se pela peça da forma como o som se move através de um megafone: começando gigantesco e terminando com um novo volume. “Eu poderia ficar preso em uma casca de noz e me considerar um rei do espaço infinito”, diz Hamlet. Às vezes, eu me sinto dessa forma em relação à peça: estaria tudo

bem se a literatura estivesse confinada exclusivamente a Hamlet. A história é infinita o bastante. Todos os meus livros prediletos realizam esse truque. A princípio, parecem me deixar imerso em uma outra vida, porém, no fim das contas, eles ficam imersos em mim; estou olhando pela janela para dentro do lar de uma outra pessoa, mas é o meu rosto que vejo no reflexo. Imagino, mas nunca posso ter certeza disso, que todo mundo se sinta da mesma forma que eu em relação aos livros. Tolstoi se sentia assim. A arte é a janela universal, disse ele, uma visão coletiva para dentro da “unidade das alegrias e das tristezas da vida”. Na outra extremidade do espectro de Hamlet, temos Debi & Lóide, uma comédia cujo título não deixa nenhuma dúvida quanto à sua profundidade intelectual. Eu vi Debi & Lóide talvez umas cem vezes, mas o filme nunca é redundante. Nas repetidas vezes em que revi o filme, eu acabava me concentrando, sem pensar nisso, em detalhes cada vez menores, um chapéu de neve, uma pausa pungente ou uma das expressões elásticas como borracha de Jim Carrey. Voltar aos mesmos livros e filmes por segunda, terceira ou trigésima vez é uma prática comum. Eu tenho amigos que perderam as contas de quantas vezes releram Harry Potter ou viram Um sonho de liberdade. “Por que as pessoas fazem as mesmas coisas repetidas vezes?” é uma inquirição científica comum. Antropólogos estudam rituais e psicólogos estudam padrões comportamentais. No entanto, no entretenimento e na mídia, onde existe tanta pressão para que estejamos cientes da próxima novidade, existe algo de especial em relação ao passado que é mais do que mero hábito. As pessoas gostam de repetir experiências culturais, não somente porque querem se lembrar da arte, mas também por quererem se lembrar de si mesmas, e existe alegria no ato de relembrar. “As ligações dinâmicas entre as experiências passadas, presentes e futuras de alguém por meio do consumo repetido de um objeto permite um entendimento existencial”, escreveram Cristel Antonia Russell e Sidney J. Levy em seu estudo sobre nostalgia e cultura. “Envolver-se novamente com o mesmo objeto, até mesmo apenas uma vez, permite um retrabalho de experiências enquanto os consumidores consideram suas próprias alegrias e seus próprios entendimentos particulares de escolhas que fizeram.” Seria um absurdo fazer uso de Kant, Loewy ou a metacognição para argumentar que Debi & Lóide é um bom filme. Pode não ser um bom filme, e, francamente, não é mais do que apenas um filme para mim. Eu o citei

tantas vezes com meus amigos que o fato de o filme ser um filme se tornou secundário. Acima de tudo, tornou-se uma linguagem de lembranças, um glossário de velhas amizades. Isso vive acontecendo comigo. Eu crio uma sinestesia com minhas séries de TV prediletas e com minhas canções favoritas, mesclo-os com momentos, dou-lhes dimensões que não têm. Meus livros prediletos também são sonhos que tenho acordado. Minhas canções favoritas também são lugares. Meus filmes prediletos também são amigos. Quando Bertha Faber cantava a canção de ninar de Johannes Brahms para seu filho nos invernos da Áustria do século XIX, ela ocupava dois mundos: ela colocava o filho de seu marido para dormir com a música de um romance do passado. Psicólogos descobriram um elo entre pensar no passado e sentir-se bem, até mesmo se sentir cálido.7 Pessoas que ouvem canções e letras de músicas de quando eram mais jovens terão mais chances de dizer que se sentem amadas ou dirão que “a vida vale a pena ser vivida”. Nostalgia e arrepios têm isso em comum: ativados pelo frio, eles existem para nos aquecer. Alguns livros, algumas canções, algumas séries de TV e arte têm uma determinada força. Deixam as pessoas arrepiadas. Uma explicação plena desse fenômeno está além do meu alcance, mas tudo bem. Não é essencial entender cada calafrio. Afinal de contas, trata-se de um segredo, de um sussurro neural compartilhado entre o sistema nervoso simpático e músculos invisíveis, uma sensação que se infiltra debaixo da pele e que, sem permissão, nos puxa de dentro para fora.

* Algumas p essoas não conseguem ver imagens em suas cabeças quando leem ou ouvem p alavras p orque têm dificuldade de conjurar imagens mentais no geral. Isso é afantasia, a incap acidade de imaginar em forma de imagens, e, seja adequado ou irônico, eu não consigo me imaginar tendo isso.5 [N. do A.]

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A MENTE CRIADORA DE MITOS I: A FORÇA DA HISTÓRIA A soma de mil mitos

George Lucas escrevia em uma mesa feita de três portas.

Portas unindo-se para formarem uma mesa é algo raro, mas é evidente que esse arranjo lhe serviu bem. Nesta superfície, Lucas escreveu muito dos seis primeiros filmes de Star Wars, cujo império financeiro — entre eles bilheteria global, reprises na televisão, videogames, brinquedos, livros e outros produtos — acumularam mais de 40 bilhões de dólares nas últimas quatro décadas.2 Para completar um roteiro, Lucas ficava sentado à sua mesa feita de portas durante oito horas por dia, mesmo que a sessão não lhe rendesse nada de útil. Ele tinha como meta produzir cinco páginas antes do cair da noite.3 Com frequência, a primeira delas vinha com uma lentidão excruciante e as últimas quatro voavam em uma onda de pânico; era importante que ele terminasse a tempo de assistir ao CBS Evening News, com Walter Cronkite. “Eu era péssimo na redação de roteiros”, disse Lucas em 1981, referindo-se a seu trabalho na faculdade. “Eu odiava histórias, odiava tramas e queria fazer filmes visuais.”4 Ele pôs-se a conquistar esses medos através de um fastidioso ritual. Rascunhos de seus primeiros três filmes, THX 1138, Loucuras de verão e o primeiro Star Wars, foram escritos a mão com lápis número dois em um papel pautado em azul e verde.5 Para exercitar suas frustrações, que eram constantes, ele cortava cachos de seus cabelos com uma tesoura. Sua secretária uma vez disse que havia visto “toneladas de cabelos” no lixo, como se Chewbacca estivesse derretendo dentro da cesta de lixo de seu criador. Emuladores ultraliterais poderiam ser perdoados por acharem que o 1

segredo para inventar a franquia mais icônica do século XX seja cortar os cabelos de uma forma obsessiva e compulsiva. Lucas cresceu em Modesto, Califórnia, em um momento decisivo entre duas formas de entretenimento visual: as séries de cinema e as séries de TV. No ano em que ele nasceu, 1944, a televisão, como aparelho, não havia “pegado”. Nesse ínterim, algo parecido com uma série de TV, um programa episódico de vinte minutos que colocava personagens familiares frente a frente com novos desafios, era popular entre jovens adultos e crianças. Era a “série” do cinema.* Nos tempos de matinês de fins de semana, dez centavos pagavam por uma tarde para ver diversos desenhos animados, um curta, um longa-metragem e um episódio de uma série. As séries terminavam em suspense, com o herói lutando para sobreviver, com frequência à beira de um perigoso precipício.6 Essas conclusões rotineiramente carregadas de ansiedade inspiraram uma nova palavra para os públicos nos anos 1930: “cliffhanger”.** O modelo de perfeição deste novo gênero era Flash Gordon. Adaptado da popular tira de quadrinhos de Alex Raymond, Flash Gordon era um herói loiro de capa e espada no espaço. A série teve tanto sucesso que deu o pontapé inicial para a primeira onda de super-heróis na história do cinema (sendo a segunda todo o século XXI). Em resposta a isso, os estúdios foram à caça de As aventuras do Capitão Marvel, Batman, Superman, Dick Tracy, O Sombra, O Besouro Verde e O Cavaleiro Solitário para episódios semanais.7 Nos anos 1950, Flash Gordon aparecia na televisão toda noite, às seis e quinze, em Modesto, e sua influência sobre Lucas é inconfundível.8 Assim como Star Wars, o seriado Flash Gordon conquista o universo inclui uma explicação que vai rolando para cima na tela e termina em elipses; há transições de telas entre cenas;9 e a história é sobre um herói do sexo masculino que lidera uma grande rebelião contra um imperador malévolo, lutada com “espadas de laser, armas de raio, capas e roupas medievais, feiticeiros, naves espaciais e batalhas no espaço”, escreveu Michael Kaminski, autor de The Secret History of Star Wars [A história secreta de Star Wars]. Se Flash Gordon se parece um pouco com o filme que Lucas fez, é porque é o filme que Lucas queria fazer. Em 1971, ele tentou comprar os direitos cinematográficos da franquia de Flash Gordon do King Features Syndicate.10 Eles rejeitaram, preferindo um diretor mais estabelecido, o

italiano Federico Fellini (que nunca faria o filme). Depois da reunião fracassada, Lucas, com a bola murcha, encontrou-se com seu amigo Francis Ford Coppola no restaurante Palm, em Manhattan. Durante o jantar, ele decidiu que, se não podia ter sua fantasia espacial predileta, haveria de inventar uma. E então, Flash Gordon foi duplamente responsável por Star Wars: não apenas realmente inspirou Lucas a dirigir uma fantasia espacial, como, pelo fato de não estar disponível, também forçou Lucas a escrever sua própria história. Isso deu início a um período de considerável agonia que o fez cortar mais ainda seus cabelos. Lucas mergulhou de volta nos hábitos de sua infância. Ele imergiu em livros de ficção científica, filmes de guerra, faroestes e mitologia de contos de fadas para preencher a história. Na série cômica The New Gods [Os novos deuses], ele descobriu um herói que canaliza um poder chamado de “a Fonte” e um vilão (que acaba sendo o pai do herói) vestido com uma armadura preta chamado Darkseid. Ele lera Joseph Campbell, o famoso mitólogo do século XX, que argumentava que as histórias mais famosas do mundo compartilhavam do mesmo arco narrativo básico: um “monomito”, contendo Moisés, Jesus, Buda e Beowulf (isso sem falar em praticamente quase todos os heróis das histórias em quadrinhos que já existiram no mundo).*** Filmes de faroeste, filmes de guerra e política internacional entraram no caldo do cozido de Star Wars. Em uma de suas primeira entrevistas, Lucas descrevera seu filme como sendo um “filme de faroeste que se passa no espaço sideral”, citando a influência de John Wayne. Dramas da Segunda Guerra Mundial como The Dam Busters [Exterminadores de barragens] (1955) e Inferno nos céus (1964) incluíam batalhas aéreas que inspiraram, quase fielmente, a sequência final da climática batalha no primeiro filme de Star Wars, em que um único e heroico tiro destrói todo o quartel-general do inimigo.11 Como escreve Michael Kaminski em sua extraordinária história do cinema, cenas desses filmes de guerra “foram usadas por Lucas como marcadores para as gravações dos efeitos especiais incompletos quando estavam fazendo a edição, quando o filme começava a parecer um longametragem.12 A Guerra do Vietnã provocou Lucas a ver sua obra como um império tecnológico lançado contra um pequeno grupo de lutadores pela liberdade. Lucas, que incialmente se candidatou para dirigir o angustiante clássico Apocalypse Now, de Coppola, um dos maiores momentos do e se...?

da história do cinema, converteu seu planejado épico império-versusrebeldes em uma fantasia espacial. Lucas, assim como aqueles que mais atenciosamente estudaram sua obra, descreveram de diferentes maneiras Star Wars, como sendo um faroeste espacial, uma ópera espacial, uma mistura de Lawrence da Arábia e James Bond, um filme de Errol Flynn que se passa no éter, uma adaptação do filme japonês A fortaleza escondida, uma mescla de ficção científica e referências a quadrinhos, um exame místico da religião oriental, uma expressão dramática de uma fórmula de mito com um milênio de idade, e, com mais consistência, uma homenagem a Flash Gordon, a série de TV dos anos 1950 que embevecia o jovem George em sua sala de estar em Modesto. O produto final foi uma compilação original. “São todas as coisas grandiosas reunidas”, disse Lucas certa vez. “Não é como um sorvete qualquer, mas sim um sundae muito grande.” E o mundo lambeu todo o pote desse sorvete. A recepção a Star Wars não tinha precedentes modernos. Tubarão (lançado dois anos antes, em 1975) poderia ser considerado o primeiro blockbuster moderno, mas Star Wars estilhaçou seus recordes de bilheteria nos Estados Unidos e no mundo. Chamadas nas rádios relatavam que as pessoas passavam dias inteiros no cinema para ver o filme repetidas vezes, como se fossem crianças com seus sacos de doces de dois centavos em uma matinê de sábado dos anos 1930. Passado um mês do lançamento do filme, o preço das ações de sua distribuidora, a 20th Century Fox, quase dobrou. Em dólares ajustados segundo a inflação, o filme teve uma renda bruta de mais de 2,5 bilhões de dólares em seus relançamentos, meio bilhão de dólares a mais do que qualquer franquia de filmes na história.13 O coquetel de fantasia-quadrinhos-faroeste-espacial era inevitavelmente único. Ninguém jamais havia feito algo do gênero. Porém também era profundamente cheio de alusões aos temas mais comuns de contação de histórias do início do século XX e dos muitos milênios antes disso. Star Wars foi o hit do século porque não era nada parecido com nada que havia sido feito antes? Ou ficou popular porque, em seu âmago, é a soma de mil histórias?

Vincent Bruzzese é um cientista de contação de histórias. Como analista de roteiros veterano de Hollywood, seu trabalho é examinar as narrativas e determinar se elas contêm os elementos de um hit. Quando era uma criança em Long Island, Bruzzese era obcecado com ficção científica. Adorava especialmente a trilogia da Fundação, de Isaac Asimov, que imaginara uma nova disciplina chamada “psico-história”, a qual permitiria que os maiores matemáticos predissessem com uma clareza surpreendente a ascensão e a queda de civilizações muitos milênios no futuro.14 Bruzzese nasceu na extremidade oposta do país de onde George Lucas nasceu e poderia muito bem ter vindo de um sistema estelar diferente. Aos cinco anos de idade ele morava em um carro. Sua família era tão pobre que seu presente de aniversário regular era um ingresso de cinema. “Durante duas horas todos os anos, eu não era pobre nem sem-teto”, ele me disse em seu escritório em Los Angeles. Ele usava uma camiseta dos Sex Pistols e um blazer preto. Entre uma frase e outra, ele enterrava uma das mãos em um imenso Tupperware cheio de balas de gelatina em forma de minhocas em cima de sua escrivaninha. “Eu estava em um cinema, transportado para algum outro lugar.” Várias décadas e vários graus profissionais depois, Bruzzese foi se desenvolvendo e tornou-se professor de sociologia e estatística na Universidade de Stony Brook, em Nova York. Seu histórico era em matemática, mas as inclinações de seus interesses eram voltadas para Hollywood. Ele sonhava em criar a suprema máquina de previsão para melhorar a forma como os estúdios de cinema preveem hits e fracassos. Tipicamente, há duas formas clássicas para medir audiências. Primeiramente, há as projeções. As pessoas veem um filme, ou cenas de um filme, e dizem o que acham dos personagens, dos relacionamentos e da trama. Esses conselhos voltam aos cuidadores do filme para que possam melhorá-lo (se desejarem acatar os conselhos). Em segundo lugar, temos o rastreamento. Uma firma de pesquisas entrará em contato com milhares de pessoas e lerá para elas uma lista de filmes. As pessoas respondem se já ouviram falar nos filmes, se desejam assistir a eles ou até mesmo se o consideram um filme que deve ser visto. Esse método é usado para prever a renda de bilheteria (ou, cada vez mais, para fracassar nessa tarefa). Bruzzese sentia que ele podia melhorar o processo com informações mais precisas e uma matemática mais sofisticada. Ele mudou-se para Hollywood e supervisionou mais de uma década de pesquisas de audiência com diversas

empresas que usavam os algoritmos dele para melhorar as previsões de bilheteria. Ele também fez amizade com produtores que lhe enviavam roteiros para obter seus conselhos. Certa tarde, em 2010, lendo o rascunho do roteiro de um amigo, ele se deu conta de que talvez Hollywood estivesse fazendo a previsão de hits de forma retroativa. As pesquisas de audiência eram tipicamente usadas para avaliar cenas filmadas. Porém, não seria ainda mais valioso, pensou ele, se fosse possível criar um mecanismo de previsão que avaliasse os roteiros, as histórias nuas e cruas, antes que os estúdios gastassem milhões de dólares filmando-as? Bruzzese montou uma equipe para analisar milhões de pontos de dados de audiência de centenas de filmes que tinham sido testados em mais de uma década de pesquisa. Ele estava em busca de padrões. O que os públicos estavam realmente dizendo sobre os tipos de histórias e personagens de que eles gostavam e de que não gostavam? E será que Bruzzese poderia acatar suas sugestões para criar um mecanismo de previsão capaz de detectar filmes que seriam hits analisando somente suas histórias? Vários elos conectam Bruzzese e George Lucas. O primeiro deles é a ficção científica. Um exemplar com capa de couro da trilogia da Fundação, de Asimov, estava na escrivaninha preta atrás de Bruzzese, em seu escritório. Seu personagem predileto é Hari Seldon, o “psico-historiador” que consegue prever o futuro da galáxia. Seldon não é capaz de prever o que os indivíduos farão, mas consegue explicar o comportamento combinado de civilizações pela galáxia por centenas de anos no futuro. Asimov teve a ideia da psico-história em uma aula de química. “As moléculas individuais de um gás movem-se de forma um tanto quanto errática e aleatória, [e] ninguém consegue prever a direção de uma única molécula em qualquer momento em particular”, disse Asimov.15 Mas “é possível prever o comportamento total do gás de forma muito precisa, usando-se as leis da química”. Por exemplo, quando o volume diminui, a pressão aumenta. Isso não é uma aposta sobre equilíbrio no futuro das moléculas: trata-se de um fato científico. Asimov sonhava com a habilidade de um matemático de observar civilizações inteiras, como se elas estivessem em um béquer, governadas por leis de natureza social que não tinham sido descobertas. Um cientista poderia não ser capaz de prever o futuro de todas as pequenas vidas, mas poderia prever a queda de impérios com tanta confiança quanto um estudante de química prevê uma reação química.

“Eu me tornei obcecado desde a infância com a ideia de ser capaz de prever o comportamento humano”, disse Bruzzese. Seu primeiro amor, como o de Asimov, era a física, que apresenta uma versão cósmica da profecia. “No entanto, aos poucos, eu fui me tornando mais interessado na física da sociedade, como Seldon”, disse ele. A previsão de forma perfeita do comportamento da audiência poderia ainda ser o reino da ficção científica, mas, “se é possível prever como as pessoas se comportam em um estágio ainda inicial, é possível mudar seu comportamento”. Na parede, estava pendurada uma história de 2013 do The New York Times que chamava Bruzzese de pioneiro da análise estatística de roteiros e o “cientista maluco reinante de Hollywood”. A segunda ligação é Joseph Campbell, cujo livro de 1949, O herói de mil faces, talvez seja o mais próximo que qualquer teórico já chegou de uma fórmula universal para a contação de histórias.16 Campbell remontou a milhares de anos para mostrar que, desde antes de os seres humanos serem capazes de escrever, nós vínhamos contando a mesma história heroica repetidas vezes, mudando em grande parte os nomes e os cenários. Nesse mito universal, o homem aparentemente comum segue em uma jornada, cruzando do mundo conhecido rumo ao desconhecido. Com ajuda, ele sobrevive a testes essenciais, apenas para se deparar com um supremo desafio. Com sua vitória final, ele volta ao mundo conhecido como o herói, o profeta, o Escolhido, o Filho. É a história de Harry Potter e Luke Skywalker, Moisés e Maomé, Neo, em Matrix, e Frodo, em O senhor dos anéis, e, é claro, Jesus Cristo.**** Os pontos específicos do arco de Campbell não são tão importantes quanto seus três ingredientes primários: inspiração, capacidade de relacionar-se com o tema e com os personagens além de suspense. Primeiramente, um herói deve inspirar, o que significa que a história deve começar com um personagem falho cuja jornada leve tanto à vitória (Frodo Baggins e Samwise Gamgee são bem-sucedidos e veem o Anel destruído...) e salvação (...Frodo encontra a coragem, e a lealdade de Sam, repetidas vezes, salva as vidas deles dois).17 Em segundo lugar, deve ser possível se relacionar com a história e com os personagens, visto que o público deseja se imaginar como herói. Isso significa que os heróis não podem ser invencíveis nem ansiosos por obterem a invencibilidade a ponto de se tornarem antipáticos. Eles têm de lutar com seu destino (afinal de contas, ninguém simplesmente entra em Mordor)18 antes de aceitar aquilo que lhes é

confiado. Em terceiro lugar, a fórmula de Campbell vem com um suspense previamente embalado na história. A estrada para a glória é marcada com pontos de pequenas derrotas que mantêm o público ansioso e alerta. Por fim, o que a jornada do herói provê é a ameaça do suspense caótico baseado na empatia. Um personagem familiar que não se depara com nenhum obstáculo é entediante e um personagem incompreensível é confuso, não importando quais sejam os desafios. Porém, um personagem arrancado de seu mundo natural para partir em uma aventura sobrenatural que leva, por meio de lutas, à transcendência, abre uma porta grande o bastante para que o público ali entre e sinta a glória do herói como sendo sua própria. O herói de mil faces foi adaptado tantas vezes que o próprio Campbell se tornou um monomito.***** Suas ideias formaram a base do programa da PBS de 1988, O poder do mito, que se tornou uma das mais assistidas séries de TV de todos os tempos.19 Sua fórmula recebeu o tratamento de Hollywood várias vezes, notavelmente em um memorando de 1985 do consultor de histórias da Disney,20 Christopher Vogler, tornando-se o manual sobre a escrita de roteiros The Writer’s Journey [A jornada do escritor]. Sua reencarnação mais recente é Save the Cat [Salve o gato],21 a bíblia moderna da redação de roteiros, que aparentemente todo aspirante a roteirista já leu, diz ter lido ou afirmou, com pungência (e muitas vezes era mentira) que não leu, de modo a parecer rebelde. “Branca de Neve e os Sete Anões, Crepúsculo dos deuses, O discurso do rei, Guardiões da galáxia e Jogos mortais, todos eles usam todos os pontos mencionados como fundamentais em Save the Cat”, disse B. J. Markel, editor do livro e conselheiro na oficina de redação de roteiros inspirada pelo livro. “Não é que Walt Disney e seus funcionários da redação estivessem lá sentados, pensando: ‘Certo, tipicamente, em um filme como esse, o cara mau entra em cena agora’. O ponto é que bons contadores de histórias intuitivamente entendem que o público se relaciona com narrativas estruturadas de forma clássica”. A jornada do herói não é uma camisa-de-força branca, uniforme e constritora. Ela está mais para o terno dos homens: até mesmo se o corte for relativamente padrão, ele deixa espaço para a personalização, raramente tem um aspecto bagunçado e parece elegante, se feito do jeito certo. As tramas mais formulaicas e supremamente previsíveis tendem a ser os filmes animados, que são, com frequência, blockbusters aclamados pela crítica. Em Zootopia, o hit animado da Disney de 2016, uma pequena coelha camponesa

torna-se oficial da polícia metropolitana em uma cidade em que animais vivem como os humanos modernos. Depois de vários tropeços, a ansiosa estaladora de chicotes prova seu valor, sofre uma crise de confiança que a manda de volta a sua família, e retorna à cidade para identificar e derrotar o supremo criminoso. Trata-se de uma sequência engenhosamente inteligente de piadas sobre espécies misturadas de animais que estão realizando trabalhos de seres humanos (elefantes pegando sorvete com suas trombas e bichos-preguiça administrando instituições públicas) e, ainda por cima, lições surpreendentes e profundas sobre como grupos marginalizados se encontram em armadilhas criadas por expectativas culturais em relação a seus comportamentos. Porém, o tablado fundamental da história é a direta jornada do herói. Joseph Campbell não era, estritamente falando, um cientista. Ele era um mitólogo, propondo uma receita para fábulas e traçando a origem de seus ingredientes. Sua filosofia de histórias é basicamente dedutiva: começando no mais alto nível intelectual e trabalhando em seus detalhes. Porém, Vincent Bruzzese é cientista, e sua teoria de histórias é indutiva, começando nos detalhes e trabalhando no mais alto nível intelectual. Bruzzese estudou milhões de respostas de pesquisas de pessoas que viam milhares de filmes. E Campbell estava certo. Existem regras para uma contação de história bem-sucedida em filmes populares. O membro da audiência típica não conseguia dizer explicitamente quais eram tais regras, mas há décadas o público vêm revelando isso aos produtores e diretores de cinema. A grande teoria de Bruzzese parecerá familiar para os leitores dos três primeiros Capítulos deste livro: a maioria das pessoas adora uma contação de história original, contanto que o arco da narrativa remonte às histórias conhecidas e às histórias que queremos contar a nós mesmos.

Se Bruzzese é um cientista cultural, ele é um taxonomista cinemático. Dentro do monomito épico de Campbell, ele descobriu centenas do que poderíamos chamar de minimitos: espécies dentro de cada classe de gênero. Por exemplo, dentro dos filmes de heróis, alguns nascem com poderes (Superman) e outros os adquirem (Homem-Aranha); alguns heróis são trágicos (Batman) e outros são arrogantes (Homem de Ferro). Cada um desses subgêneros tem padrões de narrativa específicos e únicos, diz

Bruzzese, e o público vê, de forma sutil, relevando-os durante décadas de realizações de testes. O primeiro avanço revolucionário significativo de Bruzzese foi no gênero do suspense. Bruzzese viu que o público responde a filmes assustadores com uma previsibilidade que agradaria a Hari Seldon. “Possivelmente, o terror é o gênero mais fácil de ser analisado”, ele me disse. “São filmes ou de assombração ou de assassino. Um filme de assombração tem um fantasma ou um demônio. O demônio tem aleatoriamente os atores principais como alvos ou é invocado por eles.” Estas distinções sutis podem ter um grande efeito nas reações do público. “Um dos principais fatores num filme de terror é que o público quer se ver na situação, deseja internalizar os medos dos personagens”, disse ele. “Porém se os atores principais invocam um demônio, muitos telespectadores dizem que não ficaram tão assustados, porque eles pessoalmente nunca invocariam um demônio.” Essas distinções também têm previsíveis implicações nas bilheterias. Um ambiente de terror aleatório é adequado a este gênero. Porém, quando o assassino tem um motivo conhecido, o filme tende a ser visto como um thriller, que é menos atraente para adolescentes. A capacidade de se relacionar com personagens e a história é um elemento chave para o terror, mas não é o único. Outro elemento é o poder. “Em um filme em que um demônio está atacando as pessoas, como Jason, em Sexta-feira 13, ou Freddy Krueger, em A hora do pesadelo, a história é formada em torno de uma pergunta simples: será que alguém é capaz de fazêlo parar?”, disse Bruzzese. “É por tal motivo que os trailers desses filmes com frequência incluem uma tomada triunfante do assassino. Quer as pessoas se deem conta disso ou não, o assassino é o herói.” Um outro gênero que se rende à classificação simples é o apocalíptico. Há dois caminhos para filmes do tema, segundo Bruzzese: impedir o apocalipse e sobreviver a ele. Em filmes em que se tenta impedir o fim do mundo, como Armageddon e Impacto profundo, uma equipe desordenada de especialistas aceita a responsabilidade pela ameaça e um suicídio sacrificial salva o planeta. Até mesmo frequentadores casuais dos cinemas reconhecem que Armageddon e Impacto profundo são, estranhamente, o mesmo filme. Os filmes de sobrevivência ao apocalipse são mais diversificados, mas também são do mesmo tipo. Em 2012, O dia depois de amanhã e A falha de San Andreas o desastre ataca na forma de portento maia, aquecimento global e

um imenso terremoto, respectivamente. Mas apesar das diversidades de calamidade, o drama central nesses filmes é o mesmo. Um pai está lutando para reunir-se com sua família; enquanto isso, os egoístas perecem, os generosos sobrevivem, e o pai compensa por seus erros com atos de heroísmo. Lá no fundo, esses filmes de apocalipse são todos dramas familiares tradicionais sobre os desafios de ser pai. Alguns críticos dizem que a própria versão de Bruzzese de psico-história encoraja produtores e diretores de cinema a imitarem o que vem diante deles, e me parece um ponto justo. De fato, da primeira vez em que falei com Bruzzese, eu saí sentindo como se meus filmes prediletos não fossem tanto peças de arte e estivessem mais para feitos da engenharia escalável, como casas similares em uma vizinhança de ruas sem saída, feitas com base na planta do mesmo arquiteto. Porém Bruzzese insiste que ele não está desenhando moldes de forma alguma, nem está riscando arbitrariamente uma linha divisória entre a má e a boa contação. Se os escritores e produtores entenderem os limites das expectativas do público, diz ele, isso tornará a contação de histórias de Hollywood mais gratificante. Os espectadores não são apenas nostálgicos que anseiam por antigos sentimentos e antigas familiaridades vindo à tona mais uma vez. Poderia ser dito que eles também são prostálgicos,22 obcecados em preverem o futuro de tudo, e ficam satisfeitos quando suas expectativas são atendidas da maneira certa. “As pessoas têm certas expectativas em relação a bolos”, disse-me Bruzzese, em uma das várias metáforas que ele emprega para explicar seu trabalho. “Existem diversos tipos diferentes de bolos que um confeiteiro pode fazer, mas também existem regras. Por exemplo, ninguém quer uma tonelada de sal em um bolo. Esta é uma boa regra. No entanto, pode-se encontrar uma exceção intencional. Que é chamada de bolo de caramelo salgado. Um grande confeiteiro é capaz de encontrar as exceções porque ele entende as regras.” As regras estendem-se até mesmo aos personagens. Embora a maior parte do público possa não ver, a princípio, as similaridades, existe uma sobreposição substancial entre o trio do Capitão Kirk, Spock e Leonard “Bones” McCoy em Star Trek; no trio de Harry Potter, Hermione Granger e Ron Weasley em Harry Potter; assim como no grupo de Star Wars, formado por Luke, Yoda, Han Solo e Leia. À primeira vista, esses personagens não são parecidos nem vivem no mesmo mundo fictício. Mas em todos os casos

o herói é a síntese de seus amigos. O pensador Spock e o emotivo McCoy são duas metades do Capitão Kirk. A brilhante Hermione e o sensível Ron equilibram Harry Potter. Luke Skywalker combina a valentia de Han e a consciência de Leia. Em todas as histórias, o herói é a média de seus amigos, e a sua jornada é um desafio para unir esses ingredientes numa vitória: a Força e o Certo. Saí do escritório de Bruzzese para almoçar com um produtor de Hollywood. Falei a ele a respeito da teoria de Bruzzese, da surpreendente inflexibilidade das expectativas do público e das inclinações inconscientes que moldam a contação de histórias. O produtor sorriu. “Você quer saber o que eu acho que seja o segredo disso tudo?”, disse ele. Naturalmente, eu falei que sim. “Pegue 25 coisas que existem em qualquer gênero bem-sucedido e reverta uma delas”, disse ele. “Reverta uma quantidade grande demais e você obterá confusão de gênero. É uma bagunça e ninguém sabe onde colocar isso. Inverta todos os elementos e eis uma paródia”. Mas com apenas uma pequena mudança estratégica? Agora você criou algo perfeitamente novo, como uma clássica aventura de faroeste, mas que se passa no espaço. De poucos em poucos anos, surge uma teoria de alguma espumosa parte da internet de que Star Wars foi meticulosa e amplamente planejada desde o início, como se tivesse sido entregue a Lucas na Montanha (ou entregue pelo próprio Lucas). No entanto, Lucas era um aluno da escola de hits de Johannes Brahms. Nem progenitor nem ladrão, ele era, acima de tudo, um compilador, um mestre na arte da mistura.23 Além de Flash Gordon, uma das mais famosas inspirações para Star Wars foi A fortaleza escondida, o filme de aventura japonês dirigido por Akira Kurosawa, em 1958, em que camponeses escoltam uma princesa e um general em meio à violência até a segurança. No entanto, nenhuma das principais fontes de inspiração de Lucas era perfeitamente original: os ancestrais de Star Wars também eram descendentes de outras obras. Flash Gordon era uma adaptação do personagem de ficção de polpa de 1912, John Carter, criado por Edgar Rice Burroughs (que também criou Tarzan).24 O personagem de Carter era um veterano da Guerra Civil que lutava contra alienígenas malévolos em Marte. Nos anos 1930, a King Features Syndicate, dona de diversos quadrinhos, tentou comprar os direitos para filmar John Carter, mas foram recusados por Burroughs. Sendo assim, a

King Features inventou seu próprio guerreiro extraterrestre: Flash Gordon. Várias décadas depois, quando George Lucas tentou comprar os direitos de produção de Flash Gordon, a King Features disse não e Lucas fez Star Wars.25 O interessante é que ambas as recusas inspiraram uma franquia de fantasia espacial ainda mais popular.****** As crias cinemáticas de John Carter são lenda. Ele diretamente inspirou Flash Gordon, distantemente inspirou Star Wars, além do que dizem que inspirou o blockbuster bilionário de 2009, de James Cameron, Avatar. Porém, o filme John Carter, de 2012, foi um fracasso histórico para a Disney, além de ter sido uma das mais custosas catástrofes cinemáticas de todos os tempos.26 Ao que parece, John Carter no cinema é como um ganso não comestível que não consegue parar de botar ovos de ouro. A fortaleza escondida, de Kurosawa, também é um eco de épicos, que foi levemente baseado em um outro filme do mesmo criador, Os homens que pisaram na cauda do tigre, por sua vez derivado de uma peça japonesa famosa do século XIX, Kanjincho.27 Isso não acaba aí: Kanjincho era a versão em kabuki de um drama ainda mais antigo, no estilo Noh, Ataka, cujos personagens foram adaptados de contos folclóricos sobre um samurai medieval chamado Minamoto Yoshitsune. Estou certamente deixando de notar algumas ligações nesssa cadeia multimilenar de influências, mas, no mínimo, pode-se dizer razoavelmente que, se Star Wars é filho de Kurosawa, é também tataraneto da mitologia japonesa. É depressivo que as histórias mais famosas dos dias modernos tenham a tendência de ser a mais recente encarnação dos mitos de gerações passadas? Talvez não. A expectativa é um grande prazer do filme e da televisão, “mas não é o único e, francamente, é provável que seja o mais pobre deles”, escreveu o crítico e autor Adam Sternbergh na revista New York. “Na minha experiência, a segunda vez em que se assiste a alguma coisa é mais gratificante do que a primeira, porque se nota tudo o que foi perdido enquanto se esperava pela reviravolta.”28 Nem todos os spoilers são iguais: O sexto sentido e Os suspeitos são armadilhas cuidadosamente projetadas para mostrar a surpresa da conclusão. Mas dificilmente arruína Cidadão Kane saber que seu protagonista morre e ainda é fácil admirar a genialidade do filme depois de ficar sabendo que a palavra que ele diz quando está morrendo, “Rosebud”, é uma alusão (alerta de spoiler) ao trenó de sua infância.

Uma pessoa poderia encolher-se com a afirmação de que spoilers na verdade não estragam muitas histórias, mas Sternbergh tem uma ideia que provavelmente nos leva a uma importante descoberta. No estudo de 2011, “Spoilers sobre histórias não arruínam histórias”, cientistas pediram que oitocentos estudantes da Universidade da Califórnia, em San Diego, lessem mistérios e outros contos de escritores como John Updike, Roald Dahl, Agatha Christie e Raymond Carver.29 Cada estudante recebeu três histórias, algumas com parágrafos que revelavam a reviravolta e algumas sem nenhum spoiler. Eles deram notas a suas histórias em uma escala de dez pontos. Os pesquisadores concluíram que os leitores “preferiram, de forma significativa”, histórias com spoilers em vez de histórias sem spoilers. “Um romance que pode ser realmente ‘estragado’ pelo resumo de sua trama é um romance que já estava estragado por essa trama”, escreveu o crítico literário da revista The New Yorker, James Wood.30 Pelo menos uma vez os cientistas sociais e os críticos de arte estão em uníssono. Toda grande história é mais do que seu enredo. É um universo autocontido de vida, ou, como escreveu Tolstoi, um veículo para a entrega de todos os sentimentos, desde a tristeza até o êxtase. Porém, se esses veículos são movidos pelo drama de não saber o que vem em seguida, por que algumas pessoas preferem uma história quando podem adivinhar seu final? Talvez isso atinja o cerne do trabalho de Bruzzese e de Campbell. O público precisa de um elemento de previsibilidade segura, de modo que os sentimentos o atinjam com seu peso total. Histórias cativantes, como diz um clichê, são “montanhas-russas emocionais”. Porém a alegria de uma montanha-russa não reside na ameaça iminente de morte e, sim, na tensão de “esta coisa fará com que eu ache que vou morrer” e “eu sei exatamente onde desembarcarei vivo”.

Existem várias maneiras de contar uma história de como Star Wars quase não foi concebido, comprado ou filmado. Porém, o fato mais incrível, do tipo escapar por um triz, foi que o próprio Lucas mal sobreviveu às ruas de Modesto. Ele chegou aos seus vinte e poucos anos graças a um cinto de segurança defeituoso. Quando adolescente, o pai de Lucas lhe comprou um Bianchina, um minicarro robusto com uma carcaça curta e um teto pomposo, como se fosse

um bebê de tartaruga com rodas. Lucas equipou-o com um cinto de segurança de um jato da força aérea e saiu correndo com o carro em volta das problemáticas esquinas de sua cidade natal. A primeira batida fez com que o carro capotasse, danificando tanto sua carcaça a ponto de Lucas arrancar-lhe o teto. Esse foi o prelúdio para um acidente mais violento meses depois. Lucas colidiu com um Chevy e seu carro foi com tudo para cima de uma nogueira. A força da colisão rasgou seu cinto de segurança improvisado e o lançou para fora pelo teto aberto. Anos depois, Lucas refletiria que sua sorte era quase cinemática. Se ele não tivesse trocado o cinto de segurança, a árvore o teria matado instantaneamente. Se ele tivesse trocado o cinto de segurança sem arrancar o teto do carro fora, ele poderia ter quebrado o pescoço no carro. Em vez disso, ele deixou o hospital de Modesto depois de duas semanas.31 A colisão mudou sua vida. “Isso me deu a perspectiva sobre a vida de estar operando com base em um crédito extra”, disse ele a Oprah Winfrey, em 2012. “Os ganhos são um bônus.” Star Wars também existe por uma confluência de coincidências impossíveis. Vários estúdios menosprezaram o filme e não o pegaram para ser produzido. Se a King Features tivesse sido mais bondosa com o diretor americano, Lucas teria simplesmente feito uma franquia de Flash Gordon. Sem Loucuras de verão, o surpreendentemente bem-sucedido segundo filme de Lucas, era possível que a 20th Century Fox nunca tivesse concordado em distribuí-lo. Sem o cutucão de amigos para que reescrevesse o roteiro diversas vezes, o filme poderia ter sido (como alguns inicialmente previram) uma mistura desastrosa de uma trama desprovida de sentido e diálogos sem vida. A própria existência da importantíssima franquia de Star Wars pende em um frágil fio cósmico. Foi somente porque Lucas não conseguiu comprar os direitos de Flash Gordon nem fazer o remake de A fortaleza escondida que ele foi forçado a nutrir sua história com as milhares de referências que fazem de Star Wars um universo icônico. Hoje em dia a história tem apelo igualmente para meninos de dez anos e nerds da semiótica. É simples o bastante para invocar adrenalina da glândula pituitária, ainda que tenha um nível de referências tão profundo a ponto de convidar os fãs a colocar um peso sobre a franquia por seu significado religioso, como se fosse um talmude visual. Diretores como George Lucas são “autores semioticamente nutridos que trabalham para uma cultura de semióticos instintivos”, escreveu certa vez o

falecido e grande escritor Umberto Eco.32 Isto é, Star Wars não é um único filme, nem um clichê solitário flutuando no éter. São “filmes”, a reunião de centenas de clichês de diversos gêneros, celebrando uma reunião no espaço sideral. Uma história que faz alusão a apenas uma história é derivativa. Mas se não faz alusão a nada no cinema nem na literatura, torna-se incompreensível. Star Wars trilha a tênue sobreposição entre o nunca-visto-antes e o aha!-eujá-vi-isso-antes. É original porque é uma reunião de alusões nunca reunidas antes. Cada uma delas se expande para revelar outros mundos e mitologias vastas. Como a mesa onde foi redigido, Star Wars é feito de muitas portas.

* Então, as séries surgiram no rádio, p assaram p ara os cinemas locais, assentaram-se na tela menor e rastejaram novamente p ara o rádio na forma do p odcast, entre eles um literalmente chamado Serial. A cultura não é nada senão a autorreferência ou autorrep etição. [N. do A.] ** Na verdade, as séries [do cinema] tiveram vários p resentes etimológicos. No fim da série de 1912, The Adventures of Kathlyn [As aventuras de Kathly n, em tradução literal], a heroína termina na cova de um leão e o seguinte texto ap arece na tela: “Será que ela consegue escap ar da cova do leão? Assista ao eletrizante cap ítulo da p róxima semana!” Esta foi, talvez, a p rimeira p révia na história do cinema, e isso insp irou os cop iadores que ansiavam p or enlaçar p úblicos p ara o cinema de volta todos os fins de semana. Porém, vindo no final do filme, estas p révias eram chamadas de trailers. Hoje em dia, contudo, os trailers vêm antes do filme e a p alavra p erdeu todo seu significado literal de vir no reboque. [N. do A.] *** Como veremos no p róximo cap ítulo, o “ele” p roverbial é historicamente adequado p ara o monomito de Camp bell, mas também p rofundamente infeliz. [N. do A.] **** A p rincip al objeção ao monomito de Camp bell é que ele é amp lo demais, como se estivesse dizendo que a chave p ara toda grande história de amor é uma atração mútua dos p rotagonistas. Eu acho que disp ensar a ideia de Camp bell é algo extremamente cético e sua obra oferece (se não resp onde) uma boa p ergunta: Por que nós contamos as histórias que contamos da forma como as contamos? M as eu não sou um mitólogo e é imp ortante reconhecer que a teoria de uma história universal não é universalmente notória. [N. do A.] ***** Então é razoável se p erguntar se a influência de Camp bell se tornou uma p rofecia autorrealizável, visto que o p úblico foi ensinado a esp erar histórias de jornadas de heróis dos contadores de história, que, p or sua vez, se convenceram de que existe ap enas uma fórmula p ara a jornada do herói. [N. do A.] ****** Dos anais de “se você me derrubar...”: o magnata dos jornais e da TV, Rup ert M urdoch, já esteve interessado em adquirir a CNN, a rede de notícias de TV a cabo. Quando seu dono, Ted Turner, recusou-se a vendê-la, M urdoch criou seu p róp rio canal de notícias. Essa invenção, a Fox News, logo eclip sou a CNN, sendo a rede de notícias p olíticas mais assistida nos Estados Unidos. [N. do A.]

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A MENTE CRIADORA DE MITOS II: O LADO SOMBRIO DOS HITS Porque histórias são armas

Qualquer livro sobre popularidade, hits e a mídia requer uma história sobre vampiros. Eles assombram a cultura pop há séculos, desde Drácula, desde Bram Stoker e o filme mudo Nosferatu, até interpretações mais recentes como Buffy e Crepúsculo. Porém, considere uma história de vampiros igualmente significativa: a história de vampiros “reais”. Um dos mais populares mitos universais do mundo é a crença de que os mortos podem trazer a morte.1 A ameaça de cadáveres maliciosamente sedentos animou as fantasias de várias civilizações, desde a Transilvânia até a China. A crença em vampiros continuou a assombrar a Europa bem em meio ao Grande Iluminismo, até mesmo ganhando o que se presumia ser uma entrada sarcástica no Dicionário filosófico,2 de Voltaire: “Era na Polônia, na Hungria, na Silésia, na Morávia, na Áustria e em Lorraine que os mortos faziam a festa.”* Como Voltaire suspeitava, os mortos não faziam a festa em nenhum desses lugares. No entanto, até o fim do século XIX, a maioria das civilizações não tinha praticamente nenhum conhecimento sobre doenças nem decomposição. Vilarejos eram confundidos pelos enigmas da morte. Por que as pessoas pareciam ficar doentes em grupos? Por que alguns cadáveres pareciam vivos quando seus túmulos eram abertos semanas depois de suas mortes? E o que era aquilo com suas unhas longas? Os últimos 150 anos de ciência responderam à maioria dessas questões macabras. Nós sabemos que as pessoas morrem em grupos quando são expostas a uma doença em comum. Nós temos conhecimento sobre o rigor mortis e a decomposição. Porém, os médicos-legistas de antigamente tinham

um nível inferior ao de um médico, e os fazendeiros não tinham conhecimento algum em relação aos vírus. Tudo que dizia respeito à morte era um mistério e mitos convincentes voltavam-se com tudo para os mistérios, assim como o ar para dentro de um aspirador de pó. Sendo assim, na Europa, na China e na Indonésia, sociedades notavelmente diferentes fixaram-se em uma história comum que explicava todos esses quebracabeças de uma vez: os mortos podem trazer morte.3 A existência de vampiros era um diagnóstico médico plausível, além de que, uma crença nos mortos que sugam sangue mesclou-se com valores locais para a criação de lendas folclóricas, como explica Paul Barber em sua história Vampires, Burial, and Death [Vampiros, enterro e morte]. Na Europa Oriental, entre os suspeitos costumeiros de serem “mortos-vivos”, pessoas que voltam dos mortos, estavam os feios, os briguentos, os alcoólatras, os ateus, os impuros e todos os sétimos filhos. Na China, um cão ou um gato que pulasse por cima de uma sepultura poderia adicionar mais um vampiro ao mundo. Os vampiros albaneses comiam intestinos, enquanto seus irmãos indonésios meramente bebiam sangue. Na Pomerânia, a costa sudeste do mar Báltico, agora talvez mais famosa por seu adorável cão epônimo, aconselhava-se as possíveis vítimas a beberem um brandy inoculador feito do sangue dos mortos. No início do século XVIII, a histeria dos vampiros tomou conta do Leste Europeu, particularmente na moderna Sérvia, na Hungria e na parte da Romênia conhecida como Transilvânia.4 A monarquia de Habsburgo enviou oficiais a diversas cidades para fazerem relatos sobre tal frenesi de ataques de vampiros e dos estaqueamentos que os acompanhavam. Quando esses relatos foram traduzidos do alemão, eles ajudaram a popularizar o folclore vampírico até mesmo entre sociedades cultas que não haviam sido, aparentemente, infestadas com sanguessugas. O Oxford English Dictionary data a adoção da palavra “vampire”, em inglês, por volta dessa época, sendo a ocorrência mais antiga conhecida em 1741. Vampiros fictícios são altos, magros, esguios, astutos e aristocráticos. Drácula é um conde que tem um grande castelo, e Edward, de Crepúsculo, é extremamente bonito. No entanto, os verdadeiros vampiros da história, bem, aqueles que as pessoas acreditavam existirem de verdade, eram opostos em quase todos os sentidos. Camponeses roliços, sujos, barulhentos e fétidos, eles estavam mais para Renfield do que Drácula.

Um dos mais famosos relatos oficiais de vampiros dos anos 1720 na Sérvia referia-se a um velho homem chamado Peter Blogojowitz.5 Uns poucos meses depois que ele faleceu, nove vizinhos do vilarejo morreram, depois de ficarem doentes por pouco tempo. Em seus leitos de morte, alguns disseram que tinham visto Blogojowitz, ou seu fantasma, montar neles e estrangulá-los à noite. Os habitantes do vilarejo insistiram em escavar seu túmulo para verificar se havia os indicadores sinais de vampirismo. Quando um burocrata dos Habsburgo foi até o túmulo de Blogojowitz com um padre para assistir à exumação de seu cadáver, ele reportou que ele parecia bem vivo. “O corpo... estava completamente fresco”, ele escreveu. “Os cabelos e a barba... até mesmo as unhas... haviam crescido. Eu vi um pouco de sangue fresco em sua boca, que, segundo observações comuns, ele havia sugado das pessoas que tinham sido mortas por ele.” Isso esclarecia as coisas: definitivamente, Blogojowitz era um vampiro e ele teria que ser morto novamente. Os habitantes do vilarejo afiaram uma estaca e a enfiaram por seu peito com tanta força que o sangue jorrou de seus ouvidos e de sua boca, o que parecia prover ainda mais prova de vida. Então eles queimaram o corpo até que não passasse de cinzas e pronunciaram Blogojowitz e seu avatar de vampiro real como finalmente morto. Apenas estacas não podiam matar vampiros, no entanto, o ceticismo científico acabou por realizar tal truque. Quando a imperatriz de Habsburgo, Maria Teresa, enviou seu médico pessoal para investigar o frenesi, o doutor concluiu que vampiros eram uma infundada histeria pública que não tinha nenhuma evidência que suportasse sua verdadeira existência. Em seguida, nos anos 1770, a imperatriz passou leis que proibiam a exumação de cadáveres e o encineramento de corpos. Nos cem anos seguintes, os cientistas aos poucos perceberam que doenças comuns como a cólera provavelmente estavam na raiz de muitos surtos de vampiros. A epidemiologia estava avançando e entrando nas sombras da superstição e, como um feixe de luz do sol em tantos filmes, matando os mortos-vivos para sempre. É tentador dizer que a crença em vampiros era pura e simplesmente uma tolice. No entanto, a verdade é que os vampiros eram uma história perfeitamente coerente. O vampirismo respondia por todos os detalhes observáveis que cercavam a morte. Explicava por que as famílias ficavam doentes ao mesmo

tempo, por que amigos morriam um atrás do outro e por que os mortos enterrados tinham aquela aparência. Não é coincidência que, durante muitos séculos, esses mitos espreitassem vilarejos separados por dezenas de milhares de quilômetros. A teoria de doença dos mortos-vivos respondia a um mistério com uma narrativa que continha significado, suspense e meio de ação. Ela empoderava os habitantes dos vilarejos, dizendo a eles que todo mundo tinha a capacidade de lutar contra o mal, com poções, alho, preces, castidade, estacas, espadas e fogo (e, se tudo o mais falhasse, com brandy sangrento). A história dos vampiros era perfeita. Uma grande narrativa captura os ouvintes em seu turbilhão. Todos os capítulos deste livro começaram da mesma forma: com uma história. Estou sonhando acordado com os nenúfares de Monet em uma exposição impressionista... Raymond Loewy cria os designs que definem os anos 1950... George Lucas escreve o metamito de maior sucesso comercial de todos os tempos. Construir capítulos como se fossem cavalos de Troia narrativos, carregando uma história cativante para esconder as lições científicas nele contidas é a convenção do gênero deste livro. Eu estaria desonrando as minhas primeiras lições se tentasse quebrar muitas das convenções do gênero. Porém eu estaria desonrando a ciência do livro se não avisasse os leitores para não investirem demais em uma grande história. Histórias são uma espécie de feitiçaria. Como a repetição e a anáfora, elas podem seduzir a mente criadora de mitos e podem suprimir o tipo de pensamento mais profundo que também é necessário para compreender a verdade das coisas. Uma grande história que serve ao propósito errado é uma coisa perigosa.

Nas décadas de 1980 e 1990, Geena Davis era uma modelo, atriz e foi até mesmo semifinalista nas Olímpiadas dos Estados Unidos, em 2000, em arqueirismo. Pode ser que ela seja mais familiar para os públicos americanos como a irmã mais velha em Uma equipe muito especial, a receptora sobrenaturalmente dotada na era da Segunda Guerra Mundial da Liga Profissional de Beisebol Feminino Americana. Entre 1986 e 1992, Davis estrelou diversos filmes que viraram hits, entre eles, Os fantasmas se divertem e Thelma & Louise, e ganhou um Oscar da Academia como melhor atriz coadjuvante em O turista acidental.

Aos 46 anos de idade, ela deu à luz a sua primeira filha, Alizeh. Quando Davis assistia a filmes e à TV com sua filha, ela ficou impressionada com a falta de mulheres fortes no entretenimento infantil. Enquanto Alizeh absorvia os filmes de censura livre, Davis ficava sentada atrás dela, contando em silêncio as personagens femininas. A aritmética era decepcionante. Pior do que isso eram os comportamentos das personagens mulheres, que pareciam ser ou hipersexualizadas ou marginalizadas. “Isso é programação infantil”, pensou ela. “Supostamente deveria ensinar a nossas crianças sobre o mundo.” Porém esses filmes pareciam apenas refletir os antigos e chauvinistas preconceitos contra as mulheres. A contagem de personagens no sofá era o suficiente para construir uma hipótese, mas Davis queria construir um movimento. Em 2009, ela encontrou-se com Madeline Di Nonno, outra veterana do entretenimento cuja carreira era tão diversa quanto a de Davis, mas de sua própria maneira, passando por filmes, eventos e marketing. Di Nonno partilhava algo mais com Davis: uma constante decepção com os modelos exemplares femininos em Hollywood. Em 2009, elas fundaram o Geena Davis Institute on Gender in Media [Instituto Geena Davis de Gênero na Mídia], do qual Di Nonno tornou-se a CEO. O objetivo do instituto era a igualdade de gênero no entretenimento infantil e não apenas a igualdade numérica, mas também qualitativa. Elas suspeitam de que um motivo pelo qual o sexismo seja generalizado e duradouro é que as crianças no mundo todo estão sendo, nas suas palavras, submetidas a um processo de “enculturação” por parte do entretenimento para verem que os homens devem ser heróis fortes e as mulheres devem ser belas donzelas em apuros. Filmes dificilmente são a única influência na vida de uma jovem criança, mas eles são uma influência poderosa. As crianças passam centenas, se não milhares, de horas de seus anos mais impressionáveis assistindo a histórias que têm o efeito cumulativo de ensinar-lhes como devem se comportar e o que é normal. Uma exposição repetida a entretenimento sexista torna pessoas jovens fluentes em discriminação, de modo que o preconceito de gênero parece tão automático quanto respirar. Certas habilidades e certos gostos são moldados durante um “período sensível” na vida de uma pessoa.6 Os primeiros anos de uma criança são fundamentais para o desenvolvimento da linguagem, das habilidades motoras, e de seu comportamento. É bem mais fácil aprender um segundo

idioma quando se é criança do que quando adulto, e crianças surdas que não aprendem a linguagem de sinais cedo na vida lutam para se tornar proficientes, até mesmo se praticarem por décadas.7 Pode haver períodos sensíveis para gostos também. A maioria das crianças nasce odiando o sabor de brócolis.8 Os cientistas acreditam que o vegetal evoluiu para produzir um composto que tem gosto horrível, chamado goitrina, de modo que os animais não fossem comê-lo até que se tornassem extintos. Porém, um estudo de 1990 descobriu que era possível fazer com que jovens crianças se apaixonassem pelo gosto amargo do brócolis, servindo-o repetidas vezes junto com comidas mais agradáveis. A boa notícia é que é possível, por meio de exposição repetida, fazer com que seu filho ou sua filha goste de brócolis. A má notícia é que a familiarização é uma tarefa cara para os pais, pois requer até quinze porções de brócolis para que as crianças aceitem o amargo vegetal. Gostos diferentes parecem ter períodos sensíveis diferentes. Adolescentes, de modo geral, são conhecidos por experimentarem todas as versões de identidade, aparência e química farmacêutica. Os anos mais importantes para o desenvolvimento de gostos musicais parecem estar entre a metade da adolescência e meados da faixa dos vinte anos. Quando os adultos chegam aos seus trinta e poucos anos, a maioria para de buscar músicas novas por completo. Um estudo de 2015 com dados do Spotify determinou com precisão com quantos anos os ouvintes param de ouvir novos artistas: 33.9 Opiniões políticas parecem cristalizar-se por volta da mesma época. Pessoas jovens que cresceram durante governos populares republicanos, como o governo de Dwight Eisenhower, têm inclinações republicanas pelo resto de suas vidas, enquanto aqueles que cresceram durante o governo Franklin Roosevelt mantiveram inclinações de esquerda durante décadas.10 Depois que a maior parte das pessoas está na casa dos vinte e poucos ou trinta e poucos anos, a mole argila do gosto e da ideologia endurece. A Fundação Geena Davis Foundation acredita que o entretenimento infantil também molda as expectativas adultas. Esse é o cerne do que os psicólogos chamam de “preconceito inconsciente”, os preconceitos sem esforço e automáticos que infectam até mesmo os bem-intencionados. O preconceito inconsciente na mídia pode espalhar-se como uma doença: os produtores e diretores de cinema são os portadores, o filme é o vetor e as crianças são as vítimas. Assistir a muitos personagens do sexo feminino

desempenharem papeis inferiores e subservientes ensina, de forma sutil, uma geração de meninas a pedir desculpas por ser assertiva. Conforme gerações de crianças crescem sob o brilho de histórias que dizem que as mulheres não podem se comportar como homens sem serem punidas por isso, aquelas crianças crescem e ensinam a mesma lição ruim à próxima geração e o ciclo vicioso continua. Di Nonno queria mostrar aos produtores e aos diretores o quão chauvinista o megamito de Hollywood havia se tornado. A fundação proveu fundos a um estudo que analisava os papéis de gênero em 120 filmes populares entre 2010 e meados de 2013 nos Estados Unidos e em vários outros países, inclusive no Brasil, na China e no Reino Unido.11 Eles pagaram a estudantes graduados para que avaliassem cada papel de personagem com falas ou nomeados em termos demográficos, de sexualização, ocupação e carreira. Eles descobriram o seguinte: 1. Menos de um terço dos personagens com falas/nomes eram do sexo feminino (apenas 29% nos Estados Unidos). 2. Apenas 23% dos filmes tinham uma menina ou mulher como personagem principal. 3. Apenas 14% de 79 executivos da amostragem eram do sexo feminino. (Isso foi quase precisamente a quantidade de executivas nos Estados Unidos em 2014. Porém a igualdade de gênero é uma área em que seria de se esperar que a arte guiasse a vida em vez de imitá-la.) 4. Apenas doze mulheres foram mostradas nos mais altos níveis de autoridade governamental nacional ou local, versus 115 homens, uma proporção de gênero de 9,6 para um. (Considerando-se que Margaret Thatcher respondia por três dessas doze mulheres, apenas dez personagens únicas do sexo feminino foram mostradas em autoridade política dentre 5.799 personagens com falas.) 5. Oitenta e oito por cento dos personagens que tinham um trabalho em ciência ou tecnologia eram homens. O mais perturbador poderia ser a aberta e temerosamente unilateral sexualização de jovens personagens do sexo feminino. Meninas e mulheres tinham o dobro da probabilidade de serem mostradas em roupas sexualmente

reveladoras e cinco vezes a probabilidade de serem elogiadas por sua beleza. No mundo dos filmes, as mulheres respondem por menos de um terço da força de trabalho, enquanto representam dois terços de seus objetos sexuais. Esse estudo não era nada atípico. As mulheres responderam por apenas 30% de todos os personagens com falas ou nomes nos primeiros cem filmes de sucesso nos Estados Unidos entre 2007 e 2015, segundo um relatório da Universidade da Califórnia do Sul.12 Apenas 20% dessas personagens do sexo feminino estavam entre os quarenta e 64 anos de idade. Em blockbusters, parece que existem três tipos de mulheres: amante com olhos de corça, mãe coruja e Meryl Streep. É típico e razoável colocar a culpa pela ausência de equilíbrio de gênero e diversidade racial em filmes na sobrepujante brancura, masculinidade e heterossexualidade dos produtores, diretores e executivos dos estúdios de Hollywood.13 Na verdade, esse era o alvo da campanha #OscarsSoWhite [OscarTãoBranco], um protesto público contra o fato de que, pelo segundo ano consecutivo, os indicados ao Oscar por melhor atuação eram totalmente brancos. Essas indicações, em parte, refletiam os grupos demográficos dos votantes. Os membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas eram 94% brancos e 77% do sexo masculino, de acordo com uma pesquisa de 2012 publicada no Los Angeles Times.14 No entanto, segundo Vincent Bruzzese, existe um outro grupo que luta silenciosamente contra a igualdade de gênero nos filmes. Somos nós, os espectadores. Pessoas que vão com frequência aos cinemas têm dois pesos e duas medidas em relação a homens e mulheres nos filmes — se as mulheres agirem demais como homens ou se homens agirem demais como mulheres, os públicos de teste reclamam e os produtores aderem a velhos estereótipos em vez de lutarem contra eles. Tomemos como exemplo as comédias românticas. O típico filme de comédia romântica tem três atos. No primeiro ato, o casal explora a possibilidade de um relacionamento. No segundo, parece que eles vão ficar juntos, porém, antes do terceiro ato algum tipo de crise ameaça destruir o relacionamento. Esse é um recurso essencial da contação de história porque estabelece a onda final de bons sentimentos quando o casal, gloriosamente, fica junto no ato três. Depois da crítica cena de rompimento, os dois personagens voltam para suas vidas, seus amigos ou suas famílias. Se o personagem principal do sexo

masculino dorme com alguém durante esse tempo, o público por fim o perdoará quando ele se reconciliar com a atriz principal, disse Bruzzese. Mas se for a personagem principal do sexo feminino a dormir com alguém durante esse rompimento temporário? Até mesmo as mulheres no público pararão de torcer por ela. As fórmulas de Hollywood criaram um preconceito inconsciente no romance. Para homens em filmes, sexo e romance são coisas separadas. Porém, se você for mulher, sexo com múltiplas pessoas a desqualifica para um final hollywoodiano. Esses dois pesos e essas duas medidas não são exclusivos para comédias românticas. Talvez o mais preocupante seja a lacuna de expectativas em filmes sobre negócios. “Com uma executiva durona e eficaz, o público a descreverá quase estritamente em termos negativos”, disse Bruzzese. “No entanto, se você pegar o mesmo personagem e transformá-lo em um homem, ele será descrito geralmente em termos positivos.” Homens malvados e poderosos são fodões; mulheres malvadas e poderosas são vadias odiosas. “Com mulheres fortes, o público quer acreditar que o lado duro delas não seja a pessoa de verdade”, continuou dizendo ele. Sendo assim, o roteirista é encorajado a incluir várias cenas em que o exoesqueleto de aço da executiva se racha e os espectadores podem ter um vislumbre da macia vulnerabilidade sob ele. Miranda Priestly, a editora executiva interpretada por Meryl Streep em O diabo veste Prada, tem um visível surto por causa de seu casamento antes de, por fim, triunfar no filme. Compare isso com um outro chefe eticamente duvidoso, Gordon Gekko, o financista escorregadio interpretado por Michael Douglas em Wall Street, que gosta de ir a cultos, apesar de ser um inexorável e desonesto que não expressa nenhum arrependimento. O discurso “Esteja sempre fechando”, de Alec Baldwin, do filme Sucesso a qualquer preço, é um dos mais gloriosos momentos de babaquice na história dos filmes. Porém, segundo a pesquisa de Bruzzese, os públicos se sentiriam menos inclinados a abraçarem uma mulher de boca suja do centro da cidade. Se Bruzzese estiver certo, os contadores de histórias em Hollywood estão presos em uma armadilha que eles mesmos criaram. Os públicos esperam e preferem personagens femininos vulneráveis, tendo sido instruídos pela história dos filmes a achar que mulheres agradáveis devem ser femininas. A única forma de romper estereótipos é quebrando expectativas. Roteiristas com mentes vanguardistas deveriam simplesmente

descrever as mulheres principais como fodonas e parar de pedir permissão do público para tal. Existe um precedente para uma mudança repentina e brusca relacionada a uma questão de justiça social.15 Em 1996, apenas 27% dos americanos disseram que apoiavam o direito das pessoas gays de se casarem. Em 2015, 73% das pessoas com menos de 35 anos disseram apoiar o casamento gay. Então, em menos de vinte anos, a ideia de igualdade de casamento passou de absurdamente radical para mainstream até ficar entediantemente óbvia. A Suprema Corte dos Estados Unidos recentemente decidiu, em Obergefell versus Hodges que o direito ao casamento de homens e mulheres gays não era apenas uma leve preferência cultural: tratava-se de um direito constitucional fundamental. É excitante pensar que, mesmo agora, podem existir um punhado de ideias radicais que, em menos de vinte anos, serão consideradas tão profundamente óbvias que poucos estarão dispostos a questioná-las em público. Notavelmente, o declínio no preconceito contra os gays aconteceu entre adolescentes e pessoas com seus vinte e poucos anos. Entre 1996 e 2015, o apoio à igualdade do casamento cresceu 24 pontos percentuais entre pessoas de 18 a 34 anos, o índice mais alto de qualquer grupo etário, e mais do que o dobro da geração boomer, com idades entre 53 e 71 anos, em 2017. Isso vai direto de encontro à tese de Madeline Di Nonno: é mais fácil para uma pessoa jovem aprender uma norma social do que para um adulto de meia idade mudar de ideia. Quando as pessoas dizem “history”, elas tendem a querer se referir a alguma coisa que realmente aconteceu, e quando dizem “story”,** referem-se a algo inventado. No entanto, a palavra “story” vem do latim historia. História é sempre uma estória, uma narrativa que provê tanto os benefícios de contos ficcionais, conexidade temporal, uma trama satisfatória com causa e efeito, e drama com significado, além de seus pontos baixos. Na verdade, muitas histórias são, em essência, “estórias de vampiros”, narrativas tão convincentes que poucos se dão ao trabalho de estudar se elas são realmente verdadeiras. O preconceito é uma estória que as pessoas aprendem sobre como o mundo funciona e as novas gerações sempre podem aprender novas maneiras de ver o mundo. Existe pouca diferença genética entre um fazendeiro do século XVIII que quer decapitar cadáveres de vampiros para impedi-los de matar sua família e seu descendente do século XXI que considera tal

comportamento horrivelmente estúpido. Nem existe uma diferença biológica entre alguém que ficou maior de idade na Geórgia pré-Guerra Civil e um estudante liberal em um campus de faculdade hoje em dia, embora o primeiro acreditasse que negros e gays eram praticamente subumanos, enquanto o segundo consideraria ambas as posições abomináveis. Não se questiona que, daqui a várias décadas, os públicos verão vários livros bestsellers modernos, assim como filmes blockbusters de Hollywood como se tivessem sido produzidos por trogloditas. As culturas evoluem e cercam seus filhos em um ambiente que reflete valores familiares. Pessoas intolerantes são criadas, não nascem assim. Mas a compaixão profunda também precisa ser ensinada e uma grande estória pode ser uma lição persuasiva.

Muitos anos atrás, eu ouvi de um amigo que trabalhava na 21st Century Fox uma história que espero que seja verdadeira. No fim da década de 1990, os maiores fabricantes de televisões do mundo entraram em contato com o Fox News Channel para transmitir uma reclamação bizarra de alguns dos mais devotados telespectadores da rede. Americanos mais velhos que assistiam ao conservador meio de notícias o dia todo disseram que o logotipo da Fox News havia ficado “queimado” na tela. Até mesmo quando os telespectadores mudavam de canal, uma imagem fantasma do emblema da Fox News assombrava o canto inferior da imagem. Hoje em dia, o logotipo do canal fica rodando lentamente no canto inferior da tela, em parte para impedir que a insígnia queime os pixels da televisão. Na verdade, muitos de nós sofrem de uma “queima” ideológica, a desafortunada impressão de preconceitos advindos de histórias e exposição. Pessoas que acreditam na política de esquerda ficam dentro de casulos em websites com tendências esquerdistas e as pessoas que obtêm suas informações através do Twitter podem projetar um fluxo de notícias perfeitamente adequado a suas opiniões prévias. Fórmulas inteligentes governam o Facebook, o Pandora, o Netflix e outras mídias, moldando o universo de opções sob medida para que se encaixe nas preferências anteriores de uma pessoa e nos favoritos de seu grupo restrito. Essa caça por fluência e familiaridade é natural, mas deixa as pessoas abertas a uma grande quantidade de perigosos preconceitos. O poder da imprensa não reside apenas no relato e na provisão de julgamento sobre importantes questões. A imprensa também tem o poder de

determinar quais assuntos são dignos de cobertura para começo de conversa. Essa decisão de ênfase tem suas próprias consequências. Na imprensa, falsidades familiares podem ser vistas como fatos positivos, até mesmo se forem, com frequência, apresentadas como mitos. Em um estudo de caça aos mitos das notícias, participantes velhos e jovens leram várias afirmações dúbias, tais como “Cartilagem de tubarão é boa para a artrite”.16 (Não é.) Imediatamente depois disso, a maior parte dos participantes identificou corretamente as declarações que não eram verdadeiras como sendo mitos. Porém, vários dias depois, os pesquisadores verificaram novamente junto a seus voluntários e descobriram que os adultos tinham significativamente mais chances de dizer: Sim, cartilagem de tubarão realmente ajuda na artrite! A bruta força da repetição havia criado uma familiaridade na conexão entre a cartilagem de tubarão e a artrite, e os participantes mais velhos, com uma memória explícita pior, fracassaram na tarefa de separar a familiaridade — “essa declaração parece correta” — do fato — “a declaração é correta.” Isso sugere que a caça a mitos na mídia pode, sem querer, tornar-se propagação de inverdades para alguns. Um segmento clássico de TV a cabo pede que duas pessoas com pontos de vista opostos debatam um tópico. Embora essa abordagem pareça ter objetividade, ela pode ofuscar o assunto. Realizar debates sobre questões resolvidas da ciência, como a evolução, expõe repetidamente as pessoas a argumentos que não são verdadeiros, mesmo que eles sejam ridículos, expostos como falsos ou exagerados. A mera repetição de uma frase ou ideia, mesmo uma rotulada como falsa, poderia confundir muitas pessoas a longo prazo, porque é muito fácil combinar familiaridade com verdade. “É útil pensar em atenção como sendo um orçamento que opta por comprar certas informações”, diz Adam Alter, professor de marketing na Faculdade de Administração Stern na Universidade de Nova York. “A fluência implica que as informações vêm a um custo muito baixo, porque já são familiares para nós em alguma forma similar. A disfluência ocorre quando as informações são custosas. Talvez seja preciso muito esforço para entender um conceito ou um nome não seja familiar e, portanto, é difícil afirmar. Se existe um lado sombrio da fluência, será que poderia haver um lado brilhante para seu oposto, a disfluência?17 O trabalho de Alter sugere que sim. Em um de seus estudos, ele imprimiu uma pergunta simples e fácil de

ser lida: “Quantos animais de cada espécie Moisés colocou dentro da arca?” Muitos responderam que foram dois. Mas quando a pergunta foi impressa em uma fonte mais difícil de ser lida, as pessoas tinham 35% mais de probabilidade de reconhecer que foi Noé, e não Moisés, que construiu a arca. A fonte menos legível fez com que as pessoas se tornassem leitores mais cuidadosos. Alter replicou essa descoberta em diversas perguntas simples, porém, enganadoras. “Se uma bola e um bastão de beisebol custam $1,10 e o bastão custa cem centavos de dólar a mais do que a bola, quanto ele custa?” Tratase de uma questão de matemática da escola fundamental. Porém, o fraseio é projetado de modo a levar as pessoas a proverem uma resposta rápida e errada, de que o bastão custa $1,00 e de que a bola custa dez centavos. A diferença entre um dólar e dez centavos é de noventa centavos, e não cem. A resposta correta é que o bastão custa $1,05 e a bola custa cinco centavos. Alter descobriu que, se os voluntários da pesquisa virem a pergunta em uma fonte que é mais difícil de ser lida, é mais provável que provejam a resposta correta. Ao contrário do efeito da mera exposição, uma das descobertas mais replicadas na história psicológica, os benefícios da disfluência são bem menos compreendidos. No entanto, o trabalho de Alter sugere que fontes difíceis de ler criam exatamente a quantidade certa de deliberação de franzir o cenho para que as pessoas enxerguem o truque contido nessas perguntas capciosas. A disfluência é como um alarme sutil, que perfura a calma do processamento automático, invocando um nível maior de atenção. Existe um lado sombrio da fluência, tanto para os criadores quanto para os consumidores. Quando pessoas criativas ficam familiarizadas demais com seus próprios projetos, isso prejudica sua capacidade de autoavaliação. Para escritores como eu, a consequência disso é bem clara: estar familiarizado demais com minha própria escrita torna impossível que eu seja um diligente julgador de sua qualidade. Eu sou meu melhor editor apenas quando fico tempo suficiente longe de meu trabalho para lê-lo com uma perspectiva renovada. No entanto, a maior sedução é para o público. Aforismos que rimam são sedutores e a antimetábole é encantadora; é fascinante ler um ensaio que explora uma ideia que você já decidiu que é correta e parece certo partilhar com amigos uma grande narrativa endossando sua teoria do mundo. Todas essas coisas são caules em formação a partir da mesma raiz, a fácil fluência

com que a maioria das pessoas deseja processar o mundo. Recai sobre os consumidores e o público separar as histórias de vampiros da ciência. É precisamente porque grandes narrativas nos seduzem que as melhores histórias merecem o maior ceticismo.

* Voltaire dizia ainda, com um sarcasmo delicioso: ”Nós nunca ouvimos uma p alavra sobre vamp iros em Londres, nem mesmo em Paris. Eu confesso que nessas duas cidades existem esp eculadores de bolsas de valores, corretores de títulos e homens de negócios, os quais sugavam o sangue das p essoas em p lena luz do dia; no entanto, eles não estavam mortos, embora estivessem corromp idos. Esses verdadeiros sanguessugas não viviam em cemitérios, e sim em p alácios muito agradáveis.” [N. do A.] ** Em p ortuguês, “history ” é traduzido como “história”e “story ”, como “estória”, embora seja comum que se use “história” em sentidos intercambiáveis com “estória”. [N. do T.]

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O NASCIMENTO DA MODA “Eu gosto disso porque isso é popular.” “Eu odeio isso porque é popular.”

O complicado em relação ao estudo da popularidade e de por que as pessoas gostam do que gostam é que pelo menos três fatores inextricáveis ficam no caminho: opções, economia e marketing. Opções: Se eu estivesse escrevendo este livro em 1918, quando o carro Modelo T vinha apenas em preto, seria óbvio observar que todo mundo gostava de automóveis pretos. Teria sido difícil defender que as pessoas poderiam preferir carros policromáticos e haveria poucas evidências para suportar a ideia. No entanto os carros de hoje em dia vêm em centenas de modelos, cores, estilos e opções de tetos solares, e as ruas ganham um fluxo vívido de veículos não pretos em uma diversidade de tamanhos. As opções mudaram os gostos das pessoas de tal forma que teriam feito os “explicadores de gostos” de 1918 rapidamente parecerem tolos. Economia: No verão de 2007, quando Abercrombie & Fitch era uma dos mais bem-sucedidas varejistas de moda nos Estados Unidos, teria parecido prudente sustentar que a empresa era como uma criptoanalista da moda para adolescentes. Por volta do fim de 2008, porém, os Estados Unidos haviam caído em uma profunda recessão. O desemprego de adolescentes foi às alturas e os pais, que perderam ou estavam correndo o risco de perder seus empregos, fecharam a torneira da mesada. As ações da Abercrombie caíram em mais de 80% em um ano e a revista Time referiu-se a ela como a “pior marca da recessão”, conforme vários estudantes de ensino secundário passavam a usar roupas de marcas menos ostensivas e de outlets.1 O estilo da Abercrombie não mudou, mas a economia americana, sim. A economia mudou a definição do que era “legal”.

Marketing: Em 2012, o Super Bowl XLVI estabeleceu o recorde do programa de televisão mais assistido dos Estados Unidos (embora logo fosse entregar o recorde a um outro Super Bowl). Não há nada como o jogo do campeonato da Liga Nacional de Futebol Americano como uma rajada universal de marketing em um ambiente de mídia de outra forma fragmentado e, de fato, esse jogo cimentou pelo menos um hit histórico. Um animado comercial do Chevy apresentou a música que, na época, tinha cinco meses de idade, “We Are Young”, da banda de música pop indie de Nova York, Fun.2 Na semana seguinte, a canção subiu 38 postos até chegar ao número três do Billboard Hot 100 e acabar chegando ao número um, onde permaneceu durante seis semanas. No ano seguinte, a Billboard declarou “We Are Young” como uma das cem canções com melhor desempenho da história da música.3 O seu repentino sucesso não tinha a ver com circunstâncias econômicas, visto que seu preço e sua disponibilidade não haviam mudado. Tinha simplesmente a ver com o marketing, o poder da música certa no lugar certo com o produto certo, no meio do Super Bowl, aquele imperador supremo das plataformas de propaganda. Sendo assim, opções, economia e marketing estão sempre moldando gostos, mas e se fosse possível estudar a popularidade em um mercado sem nenhuma dessas coisas, em uma loja com infinitas opções, preços universais e nenhuma propaganda? Por exemplo, imagine um outlet nacional de roupas que tivesse todos os tamanhos e todos os designs de camisas, calças e sapatos. Essa cadeia nacional não teria nenhuma etiqueta nem anúncios para promover um estilo acima de outro. Todos os possíveis artigos de roupas simplesmente existiriam e todos teriam o mesmo preço. Essa cadeia seria o sonho de um cientista social. Os pesquisadores poderiam utilizá-la para estudar por que determinadas modas têm sua ascensão e queda sem tentar fazer o controle em relação ao brutal poder da propaganda e da distribuição. Na verdade, tal bazar existe. É o mercado dos prenomes.

Escolher

um prenome é como fazer compras em uma loja de infinidades onde todos os produtos custam zero dólares. Prenomes são com frequência um produto cultural, como música ou roupas. Pais selecionam-nos tanto por motivos profundamente pessoais (“Maria é o nome da minha avó”) quanto

por motivos estéticos (“Maria soa legal”). A novidade ainda carrega influência — nos anos 1930, o nome Franklin foi às alturas em termos de popularidade, enquanto Adolf desapareceu —, mas não existe nada como propaganda direta para nomes.4 Nenhuma organização ou empresa beneficiase de mais filhos que se chamem Michael, Noah ou Dmitri. O estranho em relação aos prenomes é que, mesmo que sejam gratuitos e infinitos, eles seguem o mesmo “ciclo de hype” de estar na moda e sair de moda de muitos outros produtos que realmente têm opções finitas, preços diversos e muita propaganda. Exatamente como as roupas, prenomes são uma moda. Alguns nomes são “legais” hoje em dia (Emily) enquanto outros que já foram populares, atualmente parecem fora de moda (Ethel). Apesar disso, os nomes Emily e Ethel são tão Emily-anos e Ethel-ianos quanto sempre foram.5 Nada em relação à qualidade dos nomes mudou, apenas sua popularidade. Na última década do século XX,6 os três nomes que estavam no topo da lista para bebês meninas nos Estados Unidos eram Jessica, Ashley e Emily, nenhum dos quais estava no top cem um século antes.7 Nesse ínterim, os nomes populares de meninas do início do século XX praticamente desapareceram. Ruth, Marie, Florence, Mildred, Ethel, Lillian, Gladys, Edna, Frances, Rose, Bertha e Helen: todos esses nomes estavam no top vinte na virada do século XX e nenhum deles se manteve no top duzentos por volta do fim do século. Nem sempre foi assim. Durante centenas de anos, os prenomes estavam mais para tradição do que moda. Os pais selecionavam nomes dentre um pequeno conjunto de opções e, com frequência, reciclavam os mesmos nomes por gerações.8 Entre 1150 e 1550, praticamente todos os monarcas ingleses se chamavam Henry (oito), Edward (seis) ou Richard (três). Entre 1550 e 1800, William, John e Thomas respondiam pelos nomes de metade de todos os nomes de homens ingleses.9 Metade das mulheres na Inglaterra se chamava Elizabeth, Mary ou Anne.10 A tendência era transatlântica. Na Colônia da Baía de Massachusetts em meados de 1600, metade das meninas foram nomeadas Elizabeth, Mary ou Sarah e registros iniciais do Condado de Raleigh, estabelecido em 1587, mostram que 48 dos 99 homens chamavam-se William, John ou Thomas. Essa não era apenas uma tradição de lugares que falavam inglês. A Alemanha, França e Hungria tinham uma concentração similar de nomes populares. Os registros de batismo da cidade de São Paulo do final do

século XVIII mostram que metade de todas as meninas se chamavam Maria, Anna ou Gertrude.11 Então, meio que de repente, entre meados e o final do século XIX, a lista dos nomes mais populares embarcou em um período de acelerada rotatividade, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. Os nomes das meninas, em particular, têm um ciclo de entrada e saída de popularidade mais rápido do que os estilos da moda de verão. Emma e Madison, dois dos nomes mais populares da última década, não estavam no top duzentos apenas trinta anos atrás. Isso leva a duas misteriosas perguntas em relação aos nomes, cujas respostas carregam implicações mais amplas em relação a praticamente qualquer tendência, seja ela cultural, econômica ou política. Primeiramente, como alguma coisa passa de tradição, em que a distinção entre antigo e novo dificilmente existe, para moda, em que novos costumes estão constantemente empurrando para fora de cena os antigos? Em segundo lugar, como as coisas se tornam “legais”, até mesmo em mercados com uma variedade infinita, sem preços nem propaganda alguma?

O

aumento na rotatividade dos prenomes teve início na Inglaterra e espalhou-se pelo hemisfério ocidental em meados do século XIX: é a descoberta de Stanley Lieberson em seu maravilhoso livro sobre nomes, A Matter of Taste [Uma questão de gosto]. Essa trajetória é familiar. Uma outra coisa teve início na Inglaterra e espalhou-se pelo mundo no século XIX: foi a Revolução Industrial. Há várias conexões políticas possíveis entre a industrialização e os prenomes. Primeiramente, as fábricas encorajavam os trabalhadores a mudarem-se de pequenas fazendas rurais para densos centros urbanos, e a urbanização os apresentou a novos nomes. Em segundo lugar, os índices de educação foram às alturas no início do século XIX, e a alfabetização expôs as pessoas a até mesmo uma variedade mais ampla de nomes em livros e relatos internacionais de notícias. Em terceiro lugar, conforme as pessoas se mudavam de assentamentos de uma família para cidades, as ligações entre famílias nucleares e redes familiares estendidas enfraqueceu. O caldo cultural e étnico de cidades mais densas colocou uma nova ênfase no individualismo. Na fazenda de uma pequena família, ter um nome familiar

fazia com que a pessoa fosse parte do clã, mas, na cidade, um nome o separa de outras culturas, etnias e classes. Esse período de mudança apagou um lote de nomes antigos e substituiu-o por um lote fresco de nomes. Além disso, mudou para sempre a forma como as pessoas pensavam em relação a nomes como formas de identidade, criando uma virtude em torno da novidade onde antigamente não havia nenhuma. O índice de rotatividade de prenomes foi às alturas não somente nos Estados Unidos e no Reino Unido, como também na Hungria, Escócia, França, Alemanha e Canadá. Nascia uma moda.12 Essa repentina metamorfose da moda tem paralelos históricos. Durante a maior parte da história humana, as pessoas não mudavam sua forma de se vestir de ano em ano, nem de milênio em milênio. Na Europa, os homens cobriam-se em longas túnicas que se estendiam até os joelhos desde os tempos romanos até os idos de 1200.* Ainda na Idade Média, o conceito de “moda” no vestuário realmente não existia na maior parte do mundo. Na Índia, na China, no Japão e pela Europa, estilos de vestimentas e costumes estavam congelados no tempo. Até mesmo no Japão do século XVII, a secretária de um shogun clamava, com orgulho, que o estilo de vestimentas do império não havia mudado em mil anos. Em meados do século XVII, a moda era uma parte central da cultura e da economia europeias. O Rei Luís XIV da França caminhava pomposamente por Versalhes de salto alto, enquanto o ministro das finanças dizia que “modas estavam para a França como as minas do Peru estavam para a Espanha”. Não apenas um jogo para membros da realeza pavoneados, mas sim um estímulo econômico e uma exportação internacional. Em certo ponto, durante o reinado de Luís XIV, as indústrias de vestimentas e têxteis chegaram a empregar um terço dos trabalhadores de Paris, segundo a historiadora da moda Kimberly Chrisman-Campbell.13 Quando as roupas se tornaram moda e por quê?14 O historiador Fernand Braudel disse que o comércio revirou as “águas plácidas” da antiga moda: A mudança realmente grande veio por volta de 1350, com o repentino encurtamento dos trajes dos homens, o que foi visto como escandaloso pelos antigos... “Por volta daquele ano”, dita a continuação da crônica de Guillaume de Nangis, “os homens, em particular os homens nobres e seus escudeiros, além de uns poucos burgueses e seus criados, começaram a usar túnicas tão curtas e

justas a ponto de revelar o que a decência nos manda esconder”... De certa forma, poderia ser dito que a moda teve início aí. Pois, depois disso, formas de se vestir se tornaram sujeitas a mudanças na Europa. Os historiadores não apresentam uma concordância em relação ao motivo pelo qual os séculos XIII e XIV foram um ponto de ascensão na curva. Uma possibilidade é que o comércio e as viagens tenham exposto a Europa a mais estilos, o que deu aos nobres novas ideias para trajes. Uma outra teoria é de que o crescimento da indústria têxtil tornou as roupas mais baratas. Quando mais europeus podiam pagar para se vestir como aristocratas, os aristocratas tiveram de mudar suas roupas de modo a permanecer à frente das plebes. De qualquer forma, a Europa da Renascença era um torneio de estilos, com os bordados ornamentados e coloridos da Itália indo contra os justos gibões e capas pretos espanhóis. A moda é regida por uma regra neofílica com um quê de neofóbica: O novo é bom e o velho é ruim (mas o muito antigo é bom novamente). Existe um critério teórico para o quão na moda as atitudes são moldadas pela passagem do tempo, chamada de Lei de Laver, nomeada em homenagem a seu originador, James Laver, um historiador da moda britânico.15 A lei diz o seguinte: Indecente: dez anos adiante de seu tempo Desavergonhado: cinco anos adiante de seu tempo Outré (Atrevido): um ano adiante de seu tempo Inteligente: moda atual Démodé: um ano depois de seu tempo Hediondo: dez anos depois de seu tempo Ridículo: vinte anos depois de seu tempo Divertida: trinta anos depois de seu tempo Estranhamente charmoso: cinquenta anos depois de seu tempo Charmoso: setenta anos depois de seu tempo Romântico: cem anos depois de seu tempo Belo: 150 anos depois de seu tempo

Pode-se criticar a linguagem precisa (eu diria que démodé é uma denominação matrona demais para um visual que tem apenas doze meses de idade). Porém a maior lição da lei de Laver é que não existe algo como um bom gosto universal e imortal em relação a roupas, nomes, música ou, talvez, qualquer coisa. Existem apenas gostos atuais, gostos passados, e gostos levemente vanguardistas. Assim como o investimento financeiro, a moda é tanto uma questão de gosto quanto de timing. Não traz lucro, em nenhuma dessas duas profissões, ter a opinião correta tarde demais ou ser presciente muito tempo antes de o mercado estar pronto para concordar com você.

Como nomes legais de repente se tornam não legais, e, então, viram legais novamente? Não é nenhum mistério o que aconteceu com o nome Adolf e poucos lamentam pela morte desse nome. Porém, o que Edna ou Bertha já fizeram para alguém? Esse é um mistério que Freda Lynn, uma socióloga na Universidade de Iowa, investigou com Stanley Lieberson. Eles notaram algo interessante em relação a irmãos. Os pais tendem a escolher nomes similarmente populares para seus filhos mais velhos e mais jovens.16 Um casal que escolhe um nome único para seu primeiro bebê tem mais probabilidade de escolher um nome único para seu próximo filho. De fato, se você encontrar uma família em que os filhos têm os nomes Michael, Emily e Noah, é raro que o quarto filho tenha um nome exótico como Xanthippe. Porém, se você conhecer os irmãos Xanthippe, Prairie Rose e Esmerelda, poderia ficar surpreso ao conhecer seu irmão mais novo, Bob. Isso sugere que os pais têm um “gosto por popularidade” particular, como escreveram Lieberson e Lynn.** Alguns pais gostam de determinados nomes com base em sua popularidade. O gosto pela popularidade é uma ideia poderosa na cultura. Um exemplo direto poderia ser visto nas maiores estrelas da música. Algumas pessoas gostam de Taylor Swift porque ela é popular. Outras gostam de Taylor Swift e realmente não prestam atenção na popularidade dela. E há ainda pessoas que procuram por coisas de que não vão gostar em relação a Taylor Swift, como se a sua popularidade enviasse o equivalente a um aviso de que ela poderia ser falsa, um lixo ou ambos. Todos os três grupos podem concordar quanto à descrição de uma música da Taylor Swift. Ainda assim, alguma

coisa que está fora do real som da música — o status de Swift como estrela — pode enviar uma boa gama de sinais, desde o puro apelo até o ceticismo. Popularidade como gosto poderia ser aplicada a muitas categorias, música, comida, artes, residências, vestimentas, penteados e ideias políticas. Algumas pessoas são atraídas às coisas porque são hits. Outras as evitam por serem hits. Você pode imaginar um espectro de pessoas que seguem a nova onda (“Eu só experimentei isso por ser popular”) a hipsters (“Eu não gosto mais disso agora que é popular”). Embora seja possível que a disposição de uma pessoa para a novidade ou independência seja mantida entre itens, por exemplo, que pessoas que gostam de blockbusters também façam compras na Gap e comam sorvete de chocolate, o cenário mais provável é que os gostos de um indivíduo por popularidade sejam diferentes entre categorias. Por exemplo, eu tenho um ceticismo nato em relação a ideias políticas que pareçam populares demais, mas também permito que ensaios fotográficos de moda em revistas mainstream me digam como devo me vestir.*** Se imaginarmos que a maioria dos americanos se encontram no meio do espectro do gosto por popularidade em relação a nomes, isso sugeriria que a maioria dos pais está em busca de nomes como Cachinhos Dourados, bem comuns, mas nem esquisitos nem onipresentes. Porém um milhão de famílias não podem coordenar perfeitamente suas decisões de dar nomes a bebês. É comum que os pais pensem que escolheram um nome único e moderado para sua menina só para ficarem sabendo, no primeiro dia de aula dela, que diversas outras alunas do jardim de infância têm o mesmo nome. Samantha era o 26o nome mais popular nos anos 1980.17 Esse nível de popularidade era agradável para tantos casais que 224 mil pais deram o nome de Samantha a suas menininhas nos anos 1990, tornando este o quinto prenome mais popular da década. Nesse nível de popularidade, contudo, o nome é atraente na maior parte à minoria de adultos que ativamente busca nomes extremamente comuns. E, sendo assim, um nome que está no top cinco tende a atingir o ápice e descer por um longo período de tempo. De fato, o número de bebês chamadas Samantha caiu em 80% desde os anos 1990.**** Esse espectro de gosto por popularidade traduz-se em uma das primeiras ideias deste livro: a ideia de que a familiaridade está subjacente à popularidade, embora as pessoas tenham gostos variáveis em relação a produtos familiares. Algumas pessoas gostam de nomes estranhos, outras preferem nomes comuns, e muitos pais são Cachinhos Dourados, que fazem

suas escolhas dentre aquela grande faixa de nomes que não são nem muito expostos nem muito estranhos, mas sim um pouco surpreendentes e, ainda assim, reconhecíveis de imediato. Individualmente, esses pais estão apenas escolhendo nomes de que eles gostam. Em conjunto, suas escolhas criam uma moda.

Um dos

mais importantes conceitos na psicologia social é a “influência social” ou a “prova social”, o que significa que os gostos de outras pessoas com frequência se tornam seus gostos.18 No livro clássico do dr. Robert Cialdini sobre persuasão, Influence [Influência, em tradução literal], ele define o princípio da prova social como sendo “quanto maior o número de pessoas que acham que qualquer ideia está correta, mais a ideia será correta”. Essa teoria é amplamente aceita na mídia e no marketing: eis aqui a coisa mais popular, então você gostará dela. Isso quer dizer que “best-seller número um” é um descritor universalmente sedutor.19 Ele combina “artigo mais lido” com o artigo mais interessante. Isso quer dizer que você é atraído para vídeos com mais reproduções no YouTube ou mais curtidos no Facebook. O truísmo até mesmo encoraja alguns editores e autores a inflarem artificialmente as vendas dos livros de modo a fazer com que entrem nas listas de mais vendidos ou leva os designers de jogos a inflarem de forma fictícia as contagens de downloads para que suas criações apareçam sob demanda.20 A manipulação da popularidade pode funcionar, porém, os consumidores não se mantêm ingênuos para sempre em relação a isso. Existe um limite do quanto se pode fazer com que as pessoas gostem de alguma coisa por meio de truques. Primeiramente, como mostram os sites de testes de canções do primeiro capítulo deste livro, você pode passar batom em um porco morto, mas isso não é a mesma coisa que criar um mercado para isso. O terceiro álbum de Lady Gaga teve um desempenho abismal nos testes no site de testagem britânico de músicas, SoundOut. Porém sua gravadora ainda o empurrou pelas goelas abaixo de DJs e comerciantes e nos ouvidos dos ouvintes das rádios. Apesar desse imenso esforço de marketing, as vendas desse álbum foram bem piores do que a do álbum anterior da cantora. Qualidade pode ser

algo difícil de se definir, mas parece que as pessoas sabem o que é ruim quando ouvem. A distribuição é uma estratégia para tornar um bom produto popular, mas não é uma forma confiável de fazer com que um produto ruim pareça bom. Em segundo lugar, criar a ciência de que algo é popular pode vir a ter consequências negativas não pretendidas.21 No artigo “O paradoxo da publicidade”, os pesquisadores Balazs Kovacs e Amanda J. Sharkey compararam mais de 38 mil resenhas de livros no site Goodreads.com. Eles descobriram que títulos que ganharam prêmios de prestígio receberam resenhas piores do que livros que foram meramente indicados para os mesmos prêmios. Em um mundo de perfeita influência social, isso não faria nenhum sentido. Se uma figura de autoridade lhe diz que um livro é bom, você deveria internalizar o conselho e adorar o livro. Porém, o mundo real é mais complexo do que isso, e existem vários motivos intuitivos pelos quais um prêmio literário poderia levar a piores notas. Prêmios com frequência elevam as expectativas e expectativas elevadas frequentemente não são atendidas. Além do mais, prêmios de prestígio atraem um público maior e mais diverso e essa ampla composição incluirá pessoas que não têm nenhum gosto pelo gênero ou estilo do livro e o estão lendo apenas por causa do adesivo que diz que o livro ganhou um prêmio. É de se confiar que tais leitores deixarão piores resenhas. Enquanto isso, um livro que foi indicado apenas ao mesmo prêmio pode não atrair a mesma coalização mesclada de leitores, sendo assim, as classificações não sofrerão tanto. Todavia, a explicação mais interessante dos pesquisadores é de que os ganhadores de prêmios atraem notas inferiores devido a uma reação adversa em meio aos leitores de livros. “Consistente com o trabalho na área de modas passageiras e moda, nós descobrimos que o crescimento no tamanho do público ou na popularidade pode em si ser visto como de mau gosto ou como um motivo para fazer uma avaliação inferior”, concluíram os autores. A popularidade como gosto tem um primo: é o renome como gosto. Algumas pessoas são seduzidas por livros prestigiados e outras ficam animadas com a ideia de não gostarem de obras aclamadas, porque estão ansiosas para formarem uma opinião contra-intuitiva sobre um livro de que as pessoas estão falando.***** Em seu capítulo sobre prova social em Influence, Robert Cialdini começa com o exemplo da trilha de risadas. Os executivos da TV

apropriaram-se da risada falsa nos primeiros anos das comédias televisivas porque as pesquisas mostraram que as trilhas de risadas faziam com que as pessoas rissem. Inicialmente, parecia que ouvir outras pessoas dando risada contava quase tanto quanto o humor de verdade de uma piada. Porém, a história da trilha de risadas não é apenas sobre influência social. Trata-se de uma história sobre uma invenção que criou uma tendência, tendência esta que disparou uma reação adversa, e essa reação adversa criou uma nova tendência predominante. Ela é, em outras palavras, uma história sobre a moda.

Nos anos 1960, o maior astro ou a maior estrela na televisão americana não era Mary Tyler Moore nem Andy Griffith.22 Por puro tempo de exposição em tela, o talento da TV mais presente nas salas de estar americanas não era nenhum ator nem nenhuma atriz. Era um engenheiro elétrico que nunca aparecia na frente da câmera, mas cujo trabalho nos bastidores era influente o bastante a ponto de que era possível ouvi-lo a quase cada minuto em cerca de quarenta shows por semana. Em determinado ponto, ele ficou tão poderoso e seu trabalho tão privado, que ele foi chamado de “A Esfinge de Hollywood”. Seu nome era Charles Douglass. Ele inventou a trilha de risadas. Douglass nasceu em Guadalajara, México, em 1910, e sua família mudouse para Nevada quando ele era criança, para fugir de uma inquietação política.23 Ele queria estudar engenharia elétrica, como seu pai, que trabalhava como eletricista em uma empresa de mineração em Nevada. No entanto, quando ele se viu em Los Angeles depois da Segunda Guerra Mundial, a indústria da televisão era a nova mídia da moda para um tecnófilo como Douglass. Assim, ele assumiu um emprego como técnico de som na CBS. Nos anos 1950 as sitcoms, comédias de situação, tendiam a ser filmadas ao vivo em cenários simples na frente de plateias. O entretenimento com frequência transforma hábitos passados em novos formatos, e, de fato, a televisão da década de 1950 era basicamente rádio ao vivo ou teatro na frente de uma câmera, todavia, quando os atores se esqueciam de uma fala ou bagunçavam as divisões em blocos dos programas, as segundas ou terceiras tomadas das mesmas piadas não atraíam tantas risadas. Fracas gargalhadas

faziam com que um show parecesse desprovido de emoção quando transmitido para os telespectadores que estavam sentados em suas casas, o que levou à prática de “adoçar” as risadas, estendendo ou amplificando o som da alegria na pós-produção. Douglass estava interessado em uma solução maior para o problema: ele queria inventar uma máquina para simular risadas. Dessa forma, os programas nunca seriam arruinados por péssimos roteiristas, atores piores ainda, plateia muda ou qualquer dos caprichos de uma gravação ao vivo. Durante vários meses no início dos anos 1950, ele ouviu áudios de risadas, suspiros e aplausos de diversas apresentações ao vivo, tanto teatrais quanto da televisão.****** Ele gravou seus sons favoritos de alegria em uma fita analógica, que ele podia reproduzir com teclas retiradas de uma máquina de escrever.24 A “Laff Box”, a caixa de risadas, como sua invenção veio a ser conhecida, parecia uma filha bastarda de uma máquina de escrever desengonçada, mas Douglass a tocava como se fosse um órgão. As teclas de risadas poderiam ser pressionadas juntas, como acordes, de modo a criar mais de uma centena de variações de diversão da plateia. Em seu estúdio particular, Douglass sabia como aplicar as camadas de risadas no momento certo durante a pós-produção. Visto que uma piada de sitcom funcionava de forma a chegar a um ridículo clímax, Douglass reproduzia risadinhas no começo, chegando a um crescendo de vigorosas e altas gargalhadas e, por fim, deixava a plateia invisível gritando com deleite. Dispor as risadas em camadas era uma arte e Douglass era o único nesse jogo. A tecnologia de Douglass deparou-se com um considerável antagonismo em seus primeiros dias (e com nobres céticos durante toda sua existência), mas, por fim, as redes se deram conta de que as risadas enlatadas tinham diversas vantagens. Primeiramente, elas permitiam que os diretores gravassem primeiro e adicionassem o público depois. Os showrunners começaram a filmar a televisão mais como filmes, de dentro para fora, com diversas tomadas e múltiplos ângulos de câmera. Em 1954, Douglass tinha tantos clientes que ele largou seu emprego na CBS para trabalhar em tempo integral com sua Laff Box. Ele abriu um monopólio na alegria mecânica, mas era um monopolista benevolente, cobrando apenas cerca de cem dólares por episódio.25 O segundo motivo pelo qual as trilhas de risadas “pegaram” requer um entendimento mais profundo de por que as pessoas dão risada em primeiro

lugar: do que torna alguma coisa engraçada. Platão propôs que a risada era uma expressão de “superioridade” sobre uma pessoa ou um personagem em uma história. A superioridade está claramente em ação no humor físico e em piadas de judeus. “Meu médico disse que eu estava em péssima, terrível, forma. Eu disse a ele que eu precisava de uma segunda opinião. ‘Tudo bem’, disse ele. ‘Você também é bem feio.’” Porém, a teoria da superioridade não consegue explicar os trocadilhos, que são engraçados, pelo menos em teoria. “Dois átomos estão caminhando por uma rua. Um deles vira para o outro e diz: ‘Espere, eu acho que perdi um elétron.’ O primeiro átomo responde: ‘Você tem certeza disso?’ O segundo átomo grita: ‘Positivo!” Essa piada não é sobre poder. A última palavra da história chega como uma surpresa pequena, ainda que significativa. Mas para explicar o que torna isso engraçado, se faz necessária uma teoria mais ampla. Em 2010, dois pesquisadores propuseram o que poderia ser o mais perto que a sociologia já chegou de uma teoria universal do humor. Ela é chamada de “Teoria da Violação Benigna”. Peter McGraw, atualmente diretor do Laboratório de Pesquisa do Humor, e Caleb Warren, agora professor assistente de marketing na Universidade do Arizona, propuseram que quase todas as piadas são violações de normas ou expectativas que não ameaçam com violência ou aflições emocionais. “Um padre e um rabino entram em um bar e pedem seltzer”: Isso não é uma piada, porque não existe nenhuma violação de expectativas. “Um padre e um rabino entram em um bar. Eles pedem uma cerveja. Então eles quase matam um ao outro por causa de irresolvíveis diferenças religiosas”: Aqui a expectativa é violenta demais para que a maior parte das pessoas ria. “Um padre e um rabino entram em um bar. O barman diz: ‘O que é isso, uma piada?’”: Quer você, pessoalmente, ache ou não isso engraçado, esta é claramente uma piada, subvertendo expectativas de forma tal que não tem o propósito de ser cruel nem violenta. “Se você analisar as formas mais universais de risadas partilhadas entre as espécies, quando os ratos riem ou quando cães riem, isso com frequência

ocorre em resposta a formas agressivas de brincadeiras, como perseguição ou cócegas”, disse-me Warren (e, sim, ratos são capazes de dar risadas). “Tanto a perseguição quanto as cócegas são ameaças de ataque, mas sem um ataque propriamente dito.” Segundo tal teoria, um bom comediante persegue com impropriedade e faz cócegas com jogos de palavras, mas não fere profundamente as tradições sociais do público. Qualquer sistema mainstream, seja de comportamento social, modo de falar, identidades, até mesmo lógica, pode ser ameaçado ou violado. Mas as pessoas riem mais quando sentem que a violação é benigna ou segura. Quando muitas outras pessoas estão rindo junto com você. Essa era a mágica da caixa de Douglass: era uma ferramenta eficaz de conformidade segura do público. Ouvir pessoas rindo conferia ao público a licença para rir também.26 Porém, se a trilha de risadas é uma ferramenta universalmente eficaz, por que ela está desaparecendo? Influence foi publicado em 1984, o ano em que o Emmy de Melhor Comédia foi para Cheers, com seus rompantes de uivos da plateia. Todas as comédias indicadas para o Emmy em 1984 tinham risadas ao vivo ou trilhas de risadas também. Assim como o tinham todos os shows que ganharam o Emmy de Melhor Comédia remontando até o começo dos anos 1970, entre eles, All in the Family, M*A*S*H, The Mary Tyler Moore Show, Taxi e Barney Miller. Porém, em 2015, nenhuma das comédias indicadas ao Emmy tinha trilhas de risadas.******* A última vez em que um show com trilha de risadas ganhou um Emmy de melhor comédia foi Everybody Loves Raymond, em 2005. Com suas três paredes e o estilo de proscênio, os shows da televisão nos anos 1960 e 1970 pareciam muito mais peças filmadas. Porém, no começo do século XXI, muitos programas de televisão pareciam e davam a sensação de ser filmes. Visto que não existem gargalhadas artificiais em filmes, trilhas de risadas acabaram parecendo anacrônicas e inapropriadas para seu gênero. Um estudo de 2009, chamado de “A linguagem da risada”, descobriu que trilhas de risadas diminuíam o “comportamento demonstrativo de alegria”******** de shows de TV que eram mais intricados, ricos em termos de narrativa e parecidos com filmes.27 Para a TV, isso lembra “filmes tradicionais em oposição a apresentações teatrais simplificadas”, eles escrevem, “a trilha de risadas parece ser um impedimento para o humor e para a gratificação do público”, um marcador pseudointelectual, inadequado para a televisão de prestígio. Muitas comédias sinalizaram sua separação de alta intelectualidade, abolindo por completo as risadas enlatadas. Ao ajudar

a televisão a se tornar mais como os filmes, Douglass criou as condições para o falecimento de sua invenção. Essa é a vida útil da trilha de risadas: ela foi concebida em meio a controvérsia, acabou se tornando uma norma social e está morrendo como um clichê. Em outras palavras, tratava-se de uma moda. O som de outras pessoas rindo, que costumava fazer com que as pessoas rissem, agora faz com muitas pessoas se encolherem. Enquanto eu escrevo este livro, em 2016, nós estamos no meio de diversas tendências culturais, a abundância da televisão de prestígio, a onipresença de franquias de super-heróis, a hegemonia do hip-hop, a emergência da dominação do Facebook, as quais são tão absolutas que passam a sensação de serem invencíveis, até mesmo eternas. Mas durante décadas os executivos da televisão presumiram que a trilha de risadas também era a piada gratuita final, cócegas artificiais que nunca falhariam. Seu poder mágico era tão absoluto que ela foi louvada em um dos livros mais lidos sobre psicologia social. No entanto sua história sugere algo mais sutil. O poder social da trilha de risadas não era nada como uma lei de ferro. Estava mais para uma moda de verão ou uma daquelas piadas de alguém batendo à porta. Funcionou uma vez e então ficou velha. A cultura não para de nos surpreender. Na verdade, a cultura não para de jeito nenhum. Qualquer coisa pode ser uma moda.

Qual é a próxima moda, como os nomes? Qual é um ramo ou costume que costumava ser regido pela tradição, mas no qual agora vemos uma explosão de opções? Considere uma das atividades humanas mais básicas do mundo: falar. A espécie Homo sapiens está por aí há cerca de duzentos mil anos, porém, os exemplos mais antigos de arte pré-histórica datam de cerca de 50 mil a.C., sugerindo que os seres humanos modernos passaram mais tempo vagando pela terra sem expressão escrita do que nós passamos cercados por arte e pela escrita. Depois das antigas pinturas e dos antigos pictogramas em cavernas, foram necessários dezenas de milhares de anos para que os seres humanos desenvolvessem alguma coisa que se aproximasse de um alfabeto. Cuneiforme, na Suméria, e hieróglifos no antigo Egito, ambos datam de cerca de 3 mil a.C. Em algumas partes do mundo, a linguagem evoluiu lentamente a partir dos ideogramas, em que formas representavam ideias, até a fonética,

em que letras representavam sons. No entanto, estes alfabetos fonéticos iniciais eram tipicamente compostos em sua totalidade por consoantes, o que forçava os estrangeiros a adivinharem os sons entre as letras. (Quando estudei hebraico para o meu Bar Mitzvah, fiquei desapontado porque eu tinha de memorizar os sons das vogais, visto que a Torá do templo era escrita exclusivamente em consoantes.) Foram os antigos gregos que finalmente introduziram o conceito de uma vogal, o que destravou algo que anteriormente era impossível: a habilidade de qualquer um ser capaz de pronunciar uma série de sons ao decifrar garatujas. Existe uma espécie de magia na ideia de que os seres humanos podem expressar uma quantidade quase infinita de ideias e emoções a partir de um código que consiste em 26 formas que parecem engraçadas. No entanto, esse encantamento estava se formando lentamente. Milhares de anos se passaram antes que a civilização deixasse de usar símbolos que representavam ideias para usar símbolos que representam sons. Embora as vogais tornassem a linguagem mais fácil, a escrita continuava sendo algo especializado e até mesmo controverso durante milênios. Platão, que morreu no século IV AEC, depreciara a expressão escrita no Fredo, visto que ele suspeitava de que a escrita drenava as memórias de uma pessoa.********* Qualquer que seja o oposto de “tornar-se viral”, foi isso o que a escrita fez na maior parte de seu tempo com os seres humanos. Ela recusou-se, constantemente, a se popularizar. Os índices de alfabetização em países europeus eram de 50% até o fim do século XIX, e metade do mundo não sabia ler nem escrever até a década de 1960.28 A verdadeira democratização da linguagem escrita requeria uma tecnologia para distribuir palavras escritas de forma barata. Porém, outros 4.500 anos se passaram entre o primeiro sinal dos hieróglifos e a invenção da prensa tipográfica por Johannes Gutenberg. A prensa tipográfica também causou um escândalo. Os monges escribas ficaram horrorizados com isso, pelo menos em parte devido ao fato de que ela competia com seu monopólio da produção de livros. No livreto In Praise of Scribes [Em louvor dos escribas], o abade Johannes Trithemius escreveu: “Aquele que deixa de zelar pela escrita por causa da prensa tipográfica não é um verdadeiro amante das Escrituras.” Na análise final, a aparente blasfêmia da máquina não pesava mais do que sua conveniência. Em uma peça de perfeita ironia, o protesto de Trithemius acabou sendo impresso, fazendo uso da mesma máquina que ele demonizara.********** Assim sendo, a escrita, uma vez

difamada e depois sacralizada, cedeu lugar à impressão de livros, uma vez difamada e depois sacralizada. Após 1500, as invenções, os sistemas e as organizações para facilitar a disseminação da linguagem escrita vieram em uma velocidade vertiginosa, relativamente falando. Em 1635, o Royal Mail, na Grã Bretanha, foi disponibilizado para beneficiários que pudessem pagar pela postagem, marcando o primeiro serviço público de correios da Europa. Dois séculos depois, um pintor chamado Samuel Morse recebeu uma carta por correio que o notificava da trágica morte de sua esposa. Ele deixou Washington imediatamente. Quando ele chegou a New Haven, ela já tinha sido enterrada. Dizem que isso o inspirou a inventar um modo mais rápido de comunicação, o telégrafo. Morse enviou sua primeira mensagem de longa distância em 1844, de Baltimore para Washington. Alexander Graham Bell fez o primeiro telefonema 32 anos depois. Façamos uma pausa aqui para reconhecer que, em meados do século XX, os seres humanos existiam por duzentos mil anos e a comunicação ainda era, de muitas formas, um costume antigo, assim como os prenomes o eram até o fim do século XIX. As pessoas falavam. Às vezes, elas cantavam. As pessoas liam livros, na maior parte religiosos. Algumas famílias escreviam cartas e as notícias podiam ser transmitidas por telégrafo. No entanto, até mesmo o telefone parecia uma intrusão curiosa na tradição das conversas, e os americanos não tinham nenhuma ideia do que fazer com ele durante anos. Levou menos de dez anos para que os carros, os rádios, as TVs em cores, os videocassetes, os celulares ou a internet saíssem dos nichos e virarem mainstream, com penetração de dez a cinquenta por cento nos Estados Unidos.29 O telefone precisou de quase quarenta anos para fazer a mesma jornada até o centro do mainstream.30 Os anos 1990 testemunharam uma explosão cambriana da tecnologia das comunicações. A primeira mensagem de texto foi enviada e recebida em 1992 (“Feliz Natal”, ela dizia); oitenta anos depois, metade do país tinha um telefone celular.31 Em 1995, seis entre dez adultos nos Estados Unidos disseram que nunca tinham ouvido falar na internet ou não estavam certos quanto ao que era isso; cinco anos depois, metade do país estava on-line.32 Conforme as opções de comunicação foram se tornando abundantes, modos de conversar foram entrando na moda e depois se tornaram anacrônicos. Telefones com e sem fio conectavam os adolescentes nos anos 1990. No começo dos anos 2000, os chats on-line eram a norma. Depois os

séculos viraram e a revolução nas mídias sociais irrompeu com o Friendster em 2002, o MySpace em 2003, o Facebook em 2004, o Twitter em 2006, o Whatsapp em 2009, o Instagram em 2010 e o Snapchat em 2011. A essas plataformas uniram-se outras invenções, como Vine e Yik Yak, e mudanças modernas em pictogramas anteriores à existência dos alfabetos, como emojis, teclados de GIFs e adesivos virtuais. Cada um destes aplicativos e recursos são fundamentalmente imagens e palavras em caixas. No entanto, todos eles têm distintos dialetos e contextos culturais, e cada um representa uma melhoria em voga ou uma divergência proposital da tecnologia anteriormente predominante. A comunicação, que já foi um costume simples e imutável durante milênios, agora está tão repleta de novas opções que isso está se tornando mais do que uma moda, onde as preferências na forma como nós falamos uns com os outros, qual tecnologia usamos e até mesmo o que significa “conversar” estão em constante mudança. MySpace e Facebook ajudaram a tornar aceitável postar mensagens privadas de amigo para amigo publicamente. O Instagram criou uma colossal rede social estritamente em torno de imagens. As Histórias do Snapchat permitem que qualquer um crie minifilmes sobre suas vidas para serem vistos por seus amigos. Nenhum desses protocolos são muito parecidos com falar ao telefone e, ainda assim, para seus milhões de usuários, são meios naturais para conversar, e às vezes, são até mesmo superiores. A comunicação como moda é um dos motivos pelos quais os marqueteiros de hoje em dia são tão embaraçosamente ruins em suas tentativas de se apropriar dos mais recentes memes e de suas estratégias. A moda muda na hora em que eles lançam a mensagem. O Super Bowl de 2013 sofreu com um raro blecaute de força e a marca Oreo causou uma sensação quando preencheu o espaço morto com um tuíte que convidava as pessoas a jogarem seus biscoitos por suas goelas abaixo no escuro. Foi um passo legitimamente surpreendente e inteligente para uma empresa que se comportou como uma criança esperta do Twitter. Mas isso foi em 2013. Dentro de poucos anos, mensagens sem imaginação nas mídias sociais foram na maior parte condenadas como sendo embaraçosas e forçadas, como se fosse um pai citando um novo filme de adolescentes e tentando parecer “maneiro”. Firmas de propaganda ainda estão tentando se atualizar em relação ao fato de que o ciclo de moda da gíria move-se com mais rapidez do que suas edições.

As vestimentas, que já foram um ritual, agora são a moda definitiva. Prenomes, que já foram uma tradição, agora seguem o ciclo de hype das linhas da moda. A comunicação também está vindo a assumir os atributos inconfundíveis de uma moda, em que as opções emergem e as preferências mudam, às vezes com uma aparente arbitrariedade, conforme as pessoas descobrem modos novos, mais convenientes e mais divertidos de dizer “olá”.

* Alguns dos meus melhores amigos acolheriam de bom grado gostos de moda tão estáticos de forma que um único guardaroup a fosse durar milênios. Ironicamente, eles tendem a trabalhar na indústria tecnológica, que abraça e até mesmo imp ulsiona a mudança em p raticamente todas as outras categorias da vida. [N. do A.] ** Existe uma segunda defesa, menos confiável, da teoria do “gosto p ela p op ularidade”. Conforme os nomes ascendem e caem em uso, a nova distribuição de nomes p op ulares tende a ter uma corresp ondência relativamente forte com as distribuições recentes, mesmo que os nomes sejam diferentes. Isso sugere que, ano ap ós ano, o p aís tem uma distribuição similar de p ais hip sters, de casais mainstream e de p essoas que se encontram no meio do esp ectro. Em outras p alavras, o gosto americano p or nomes esp ecíficos está em constante mudança, mas o gosto nacional p ela p op ularidade evoluiu muito mais lentamente. [N. do A.] *** Uma diferença p oderia ser a forma como a exp eriência molda a identidade: é imp ortante que eu me destaque em debates p olíticos, e, sendo assim, sinto-me inclinado a resistir a ideias que p ara mim são familiares demais. Eu não me imp orto com me sobressair em termos de moda, então eu deixo que a revista GQ me diga o que fazer. [N. do A.] **** Será que o nome Samantha também se beneficiou da p op ularização da boneca American Girl, Samantha Parkington, nos fins da década de 1980? Possivelmente. M as o nome há havia entrado no top 25 antes do p rimeiro ap arecimento da boneca. (Era um nome que estava no top dez quando a série Sex and the City introduziu sua p róp ria Samantha, famosa e menos amigável p ara as crianças.) Talvez as bonecas American Girl tenham ajudado a p op ularizar nomes de crianças. M as o p ensamento de Ly nn e Lieberson sugeriria que tanto os executivos da American Girl quanto milhares de p ais p oderiam ter tido a mesma ideia ao mesmo temp o: de que Samantha era um nome p erfeitamente p op ular, mas não tanto. [N. do A.] ***** Isso chega p erto do conceito de “leitura movida p elo ódio”, ou seja, ler alguma coisa que você esp era odiar p orque está animado com a exp eriência e o p osterior comp artilhamento da fúria em relação a isso, embora não seja equivalente a isso. Uma leitura movida p elo ódio oferece alguma coisa como um p reconceito de confirmação emocional. Você lê alguma coisa inflamatória que é o op osto daquilo que você p ensa de modo a se sentir até mesmo mais certo em relação à sua op inião anterior. [N. do A.] ****** Existe um rumor, fascinante, p orém não confirmado, de que muitas das risadas nas comédias da década de 1960 que vinham da máquina de Douglass foram gravadas durante a p rimeira turnê americana do mímico francês M arcel M arceau, em 1955. As risadas em um esp etáculo de mímica seriam p articularmente p reciosas p ara Douglass, visto que não teriam sido contaminadas p elas vozes de atores. [N. do A.] ******* M uitas comédias p op ulares, entre elas The Big Bang Theory, 2 Broke Girls e Mom, ainda têm trilhas de risadas. De fato, o p úblico da TV tem uma inclinação mais antiquada e a trilha de risadas oferece uma familiaridade que serve como uma comida reconfortante e clássica p ara esses p úblicos. Porém entre os canais com inclinações mais jovens, p raticamente nenhuma das comédias na maioria das redes de TV a cabo, em canais p remium como a HBO e a Showtime, ou em serviços de streaming, como Netflix e Hulu, atualmente tem trilhas de risadas. [N. do A.] ******** O melhor ou o p ior termo p ara risada já inventado. [N. do A.] ********* O que, é interessante notar, é o mesmo e exato medo que as p essoas têm em relação ao Google e a ap licativos de celular. [N. do A.] ********** Sou lembrado desta ironia toda vez que vejo milhares de p essoas “curtirem” um p ost do Facebook condenando os males de sites de mídia social como o Facebook. Eu me p ergunto o quão demoníaca uma mídia é se ela cria e conecta um p úblico de p essoas que discutem p ara demonizá-la. [N. do A.]

INTERLÚDIO Uma breve história dos adolescentes

O adolescente é uma das invenções mais incomuns do século XX. Os seres humanos vinham fazendo treze anos de idade por dezenas de milhares de anos, mas apenas recentemente passou pela cabeça de alguém que isso era uma coisa especial, ou que a ponte entre a infância e a vida adulta merecia seu próprio nome. O termo “teen-ager” [“adolescente”, em inglês, corresponde à fase dos treze aos dezenove anos, thirteen-nineteen] remonta ao início do século XX, mas o termo não pegou.1 Até a Segunda Guerra Mundial, há dificilmente alguns exemplos do uso da palavra “teenager” na imprensa popular. Contudo, nas últimas décadas, a mídia nacional nutriu uma crescente obsessão com os adolescentes, do tipo que não é nem obscena nem talvez, completamente saudável. A imprensa rastreia à exaustão os aplicativos que jovens usam, as músicas que ouvem e as marcas — escrita correta: #marcas — que eles seguem. Nos últimos anos, as grandes empresas que tiveram crescimento mais rápido foram firmas de software e tecnologia primeiramente adotadas, com frequência, por jovens que sabem usar bem um computador, smartphone ou aplicativo de realidade virtual. Se a maior parte das antigas culturas eram gerontocráticas, regidas pelos mais velhos, a cultura moderna é totalmente adolescentocrática, regida pelos gostos das pessoas jovens, com as pessoas velhas que não gostam de mudanças sempre tentando se atualizar. O adolescente emergiu em meados do século XX, graças à confluência de três tendências na educação, na economia e na tecnologia. As escolas secundárias deram aos jovens um lugar para construir uma cultura separada, fora dos olhares atentos da família; o crescimento rápido deu-lhes renda,

seja por meio de trabalho ou da mesada dos pais; carros (e, posteriormente, uma outra tecnologia móvel) deram a eles independência. 1. A ascensão do ensino obrigatório Conforme a economia dos Estados Unidos passou de uma sociedade agrária mais localizada para uma máquina de produção em massa, as famílias mudaram-se mais para perto das cidades e, pelo menos a princípio, muitos enviaram seus filhos para trabalhar em fábricas. Isso fez surgir um contramovimento para impedir que as crianças fossem forçadas a trabalhar em moinhos. A solução: ensino público obrigatório para as crianças.2 Entre os anos 1920 e 1936, a quantidade de adolescentes em escolas secundárias mais que dobrou, indo de cerca de 30% para mais de 60%.3 Conforme as pessoas jovens passavam mais tempo na escola, elas desenvolviam seus próprios costumes em um ambiente longe do trabalho e da família, em que podiam pôr em vigor suas próprias regras sociais. É impossível imaginar a cultura dos adolescentes americanos em um mundo em que todos os meninos de dezesseis anos de idade estão trabalhando nos fins de semana lado a lado com seus pais em uma linha de montagem. 2. O boom econômico no pós-guerra O substancial interesse comercial em adolescentes não teve realmente início até depois da Segunda Guerra Mundial. Para atrair os comerciantes, os adolescentes precisavam de dinheiro, e esse dinheiro viria de duas fontes principais: da força de trabalho e dos pais. Os anos 1950 viram um dos maiores períodos de expansão econômica na história dos Estados Unidos. Com o emprego integral veio o aumento nos salários para adultos sindicalizados e trabalhadores adolescentes mais velhos. Nesse ínterim, os pais, aos poucos, tinham menos filhos e gastavam mais por filho, visto que isso é compatível com qualquer investimento escasso e valioso. Os índices de natalidade diminuíram no mundo avançado na segunda metade do século XX, tanto devido ao aumento na educação feminina quanto por causa da legalização da pílula anticoncepcional. Desde os anos 1970, as famílias mais ricas dos Estados Unidos, que representavam 20% do total, mais do que dobraram seus gastos no “enriquecimento” da

infância, com acampamentos de verão, esportes e tutores.4 Visto que o casamento moderno veio a se revolver em torno dos filhos, as pessoas jovens emergiram como uma espécie de diretores financeiros dos gastos da família. 3. A invenção do carro Essa pode ser uma consideração aterrorizante para os solteiros de hoje em dia, mas um primeiro encontro era sinônimo de uma conversa introdutória na sala de estar, com os pais de uma menina, o que poderia ser seguido de um jantar deliciosamente embaraçoso em família. No entanto, os carros emanciparam o romance, tirando-o da conversa fiada da sala de visitas da família. Praticamente tudo que uma pessoa moderna considera como sendo um “encontro” foi possibilitado, ou tornado admissível, pela invenção e normalização do romance impulsionado pelo carro. Foi disseminado o medo de que jovens rapazes e carros rápidos estavam perturbando as normas românticas. O refrão da canção de Irving Berlin, de 1909, “Keep Away from the Fellow Who Owns an Automobile” [Mantenha distância do camarada que tem um automóvel] é instrutivo: Keep away from the fellow who owns an automobile He’ll take you far in his motor car Too darn far from your Pa and Ma If his forty horsepower goes sixty miles an hour, say Goodbye forever, goodbye forever* Se você acha que o Tinder e os aplicativos de namoro estão destruindo o romance hoje em dia, você teria odiado os carros no século XX. Eles não somente aceleraram uma mudança histórica da codependência dos adolescentes para sua independência, mas também alimentaram o crescimento de uma subcultura da escola secundária. Quando os ônibus possibilitaram levar os estudantes mais para longe de suas casas, as escolas de uma só turma deram lugar a grandes edifícios cheios de hostes fervilhantes de adolescentes e seus hormônios. A queda da economia das fazendas e a ascensão do ensino obrigatório combinaram-se para a criação de uma cultura de adolescentes que os americanos viam com uma profunda ansiedade. Medos de “delinquência

juvenil” estendiam-se de uma costa à outra do país, inspirando filmes de Hollywood, como, por exemplo, Juventude transviada e (como veremos no próximo capítulo), Sementes de violência, e incitando subcomitês em Washington sobre o terrível problema dos adolescentes. Essas forças conspiraram para liberarem uma abundância de tempo de lazer, um vácuo temporal que os adolescentes preenchiam com experimentações. “A abolição do trabalho infantil e a extensão do tempo de educação formal nos concedeu uma imensa classe de lazer dos jovens, com energias animais nunca absorvidas por tarefas de produção”, escreveu um crítico do The New York Times, em 1957. Até mesmo nos primeiros anos de sua classificação, os adolescentes eram considerados nômades culturais. Em vez de assentarem-se nos rituais estabelecidos da sociedade americana, eles eram nômades que vagavam em busca de novas fronteiras de gostos e comportamentos. Em 1953, J. Edgar Hoover publicou um relatório do FBI avisando que “a nação pode esperar um chocante aumento no número de crimes cometidos por adolescentes nos anos vindouros”. A mensagem reverberou no Congresso, onde o presidente Dwight Eisenhower usou seu discurso sobre o Estado da União de 1955 para preconizar uma legislação federal para “ajudar os estados a lidarem com este problema de nível nacional”. O bestseller internacional de Fredric Wertham, Seduction of the Innocent [Sedução dos inocentes] fiava-se em estudos argumentativos superficiais e em uma meticulosidade histérica para defender que as histórias em quadrinhos eram a causa da delinquência juvenil.** Ele chamava essas histórias de “pratos rápidos e cheios de assassinatos, caos, roubos, estupros, canibalismo, carnificina, necrofilia, sexo, sadismo, masoquismo e praticamente todas as outras formas de crimes, degradação de valores morais, bestialidades e horrores”. Tão logo os adolescentes foram inventados, eles foram temidos. Muitos críticos sociais não faziam nenhuma distinção entre os jovens ladrões de carros e os leitores de histórias em quadrinhos. Para um velho pessimista crônico, todos eram ferozes espíritos ciganos.

Os

últimos sessenta anos colocaram os adolescentes em uma categoria separada. Mas serão eles realmente tão diferentes assim? Ou os adolescentes

são simplesmente como os adultos, mas com menos dinheiro, menos responsabilidades e sem hipotecas? Existem algumas evidências de que, como muitos pais silenciosamente suspeitam, os adolescentes sejam diferem quimicamente do restante da humanidade.5 Eles têm algo que lhes é único, lobos frontais, o centro de decisão do cérebro, com conexões frouxas, e um ampliado núcleo accumbens, o centro do prazer. Sendo assim, enquanto os adultos tendem a ver o lado negativo do comportamento arriscado em alta definição, os adolescentes veem as recompensas em potencial como se estivessem sendo projetadas em uma tela de IMAX com som surround. O resultado é triste e previsível: os jovens assumem mais riscos e sofrem mais acidentes. O índice de mortalidade dos americanos com idades entre quinze e dezenove anos é cerca de três vezes mais alta do que a daqueles com idades dos cinco aos quinze anos. Para Laurence Steinberg, uma carreira que investiga a mente adolescente começou com uma observação comum que é clara como o sol para os pais, professores ou qualquer um que tenha até mesmo as mais fracas recordações da escola secundária: os adolescentes agem de forma mais idiota quando cercados de outros adolescentes.6 Steinberg, psicólogo na Universidade de Temple, colocou pessoas de idades diversas em um jogo simulado de direção com ruas e semáforos. Os adultos dirigiam do mesmo jeito, quer tivessem ou não um público vendo o que eles estavam fazendo, porém, os adolescentes se arriscavam duas vezes mais, correndo em um semáforo amarelo, por exemplo, quando seus amigos estavam olhando. Adolescentes são incrivelmente sensíveis à influência de seus pares. A precisa definição do que é legal pode mudar com o tempo, de cigarros a Snaps, mas a profunda necessidade animal de possuir o que é legal, isso não muda. Mas afinal o que é ser legal? Na sociologia, isso é, às vezes, definido como sendo uma rebelião positiva. Significa desprender-se de algo ilegítimo e mainstream de forma legítima, o que pode soar como uma definição cheia de firulas, mas ela tem seus usos. Minha escola secundária tinha um código de vestimenta, e, quando se tem catorze anos de idade, violar um regime repressor de roupas é uma forma belamente óbvia de sinalizar para as outras crianças que a gente não se conforma às regras preestabelecidas. Mas nem sempre. E quanto a abaixar as calças em um memorial para heróis de guerra? Ou, com orgulho, tirar para fora da calça sua camisa no funeral do professor predileto da escola? O mesmo grupo de pessoas pode considerar um traje

legal ou profundamente desrespeitoso, dependendo do quão legítima as pessoas considerem que seja a norma que está sendo violada. Em termos de MAYA, “legal” significa Most Autonomous Yet Appropriate [Mais autônomo e, ainda assim, apropriado]. No final do século XX, muitos adolescentes gravitavam na direção dos logotipos. A longa expansão econômica das décadas de 1980 e 1990 deram a eles os meios de gastarem quantias generosas de dinheiro em emblemas de roupas. Um hit da moda como a Ralph Lauren não tinha como base apenas a qualidade da roupa em si, mas também o poder talismânico de seu logotipo nos corredores das escolas secundárias. Ao mesmo tempo, as mais populares séries tanto da TV aberta quanto da TV a cabo com frequência mostravam belos adolescentes californianos com cabelos desgrenhados ao sol, como The O.C. e Laguna Beach. A cultura de Los Angeles irradiava-se pelo país e elevava marcas de surfe e skate, como Hurley, Billabong e Vans. Várias décadas da febre dos logotipos chegaram a um fim abrupto na Grande Recessão. Quase metade das famílias vivenciaram perdas de empregos, cortes em pagamentos ou reduções na carga horária de trabalho, e o desemprego da juventude foi às alturas, chegando a quase 19%. Os logotipos finamente bordados nas camisas polo da Ralph Lauren de repente não eram bem-vindos em uma crise financeira e cresceram as lojas varejistas de “moda rápida” e mais barata como H&M, Zara e Uniqlo. Em uma nova era do “legal”, a tela do smartphone deslocou o logotipo bordado como ponto focal da identidade dos adolescentes. Já foi o suficiente estar com um bom visual em um corredor de escola secundária, mas, hoje em dia, o Snapchat, o Facebook e o Instagram são todos corredores de escolas, onde pessoas jovens se apresentam e veem apresentações, julgam e são julgadas. Muitas décadas depois que um outro dispositivo móvel, o carro, ajudou a inventar o adolescente, o iPhone e seus similares ofereciam novos e ligeiros dispositivos de auto-expressão, símbolos de independência e melhores maneiras de “ficar” com alguém. Sendo assim, em meio século os adolescentes passaram de uma classificação supérflua de uma juventude embaraçosa para uma ameaça existencial à segurança americana, além de se tornarem um grupo demográfico valioso de consumidores e um tópico digno de pesquisa. Adolescentes são os neófilos do mercado, o grupo que mais provavelmente aceitará um novo som musical, uma nova moda de roupas ou uma nova tendência tecnológica. Para os adultos, especialmente aqueles com poder e

dinheiro, são as regras que nos mantêm a salvo. Quando se é jovem, todas as regras são ilegítimas até que se prove o contrário. É precisamente por terem tão pouco a perder da forma como as coisas são que as pessoas jovens continuarão a ser, de forma não exaustiva, o motor neofílico da cultura. Nos primeiros Capítulos deste livro, explorei a forma como a familiaridade dissimulada cria os momentos aha pelos quais as pessoas anseiam da arte, música, de histórias e produtos. Tentei compreender hits e a popularidade pensando em indivíduos. Mas essa é apenas metade da história. Uma das lições da cultura adolescente é que as pessoas não decidem do que elas gostam por si. Elas determinam o quanto alguma coisa é legal com base em sua percepção do que é e do que não é mainstream, do que é radical e do que é apropriado; o que sua comunidade está fazendo versus o que outros grupinhos exclusivos consideram legal. Desta forma, todos nós somos adolescentes. Os consumidores estão constantemente aprendendo, mudando e respondendo às decisões das pessoas que os cercam. Isso faz da popularidade um sistema complexo. Uma pessoa pode entender perfeitamente a formação da chuva e ainda assim não ser capaz de prever a próxima tempestade com trovoadas. O tempo é frequentemente descrito como um sistema caótico que torna desafiador prever a temperatura e as chuvas muito antecipadamente. O mesmo pode ser dito em relação aos mercados para bens culturais, filmes, jogos, arte e aplicativos. Qualquer investigação do mercado em relação a hits tem de começar com uma apreciação da incerteza. Cultura é caos.

* Mantenha distância do camarada que tem um automóvel Ele a levará longe em seu carro motorizado Longe demais, caramba, de seu papai e de sua mamãe Se seu carro com 40hp de potência vai a quase 100km/h, diga Adeus para sempre, adeus para sempre [N. do T.] ** Por um lado, a consideração de Wertham em relação à influência da arte sobre p essoas jovens é nobre em tese. Porém suas recomendações esp ecíficas eram exageradamente p uritanas ao extremo. Por exemp lo, ele reclamava que o Sup erman era fascista e a M ulher M aravilha transformava as mulheres em lésbicas. [N. do A.]

Parte II

POPULARIDADE E MERCADO

7

ROCK AND ROLL E ALEATORIEDADE Grilos, caos e o maior hit na história do rock and roll

“(We’re Gonna) Rock Around the Clock”, a gravação feita em 1954 de Bill Haley and His Comets, foi a primeira canção do rock a chegar ao número um nas paradas de sucesso da Billboard. Com mais de 40 milhões de cópias vendidas,1 é, segundo algumas contagens, a segunda canção mais vendida de todos os tempos, depois de “White Christmas”, de Bing Crosby.2 Sessenta anos depois de seu lançamento, o gancho parece nascido para grudar e se você conseguir ouvir a música durante quinze segundos sem mexer a cabeça para cima e para baixo nem bater com os pés no chão, você merece alguma espécie de prêmio pelo supremo autocontrole. No entanto, a história completa de “Rock Around the Clock” sugere que a canção é melhor pensada não como um hit óbvio que conquistou o mundo, mas, sim, como o maior golpe de sorte do mundo. Sua sorte desafia a credulidade, além de apontar para o fato de que é comum que até mesmo os grandes hits precisem do leve toque dos ventos da fortuna. William Haley Jr. cresceu em uma família de músicos pobres.3 Seu pai, William Senior, era um mecânico que tocava banjo, e sua mãe, Maude, dava aulas de piano em casa. Cego do olho esquerdo desde pequeno,4 William Junior era tímido e dizia-se que seu mais exuberante atributo, o distinto visual pega-rapaz de seus cabelos na fase adulta, supostamente desviava a atenção de seu olho.5 Quando Haley estava com treze anos, seu pai lhe trouxe um violão usado de presente de Natal e teve início um caso de amor.6 Apesar da vista fraca,

Haley dominou o instrumento e passou os anos de sua adolescência cantando em diversas bandas de música country. O sonho de Haley de sair em turnê pelo país cantando canções campesinas, baladas de caubóis, parecia impossível desde o início. Ele mudou-se de casa quando estava com seus vinte e poucos anos, falido, e ajustou-se em uma nova carreira como diretor musical de uma rádio na Pensilvânia. Contudo não parou de compor músicas. Haley usava sua posição para conhecer novos artistas e absorver ideias para canções. Ele deu início a diversas bandas, entre elas um grupo de swing western chamado The Saddlemen.7 Haley adorava música country-western e, aos poucos, aprendeu a mesclar as influências de sua infância, o som agudo do hillbilly, a fanfarronice do country de caubóis e a nova “música de raça”, assim chamada porque era na maior parte tocada por bandas negras, como The Orioles, que forçava as fronteiras do rhythm and blues.8 Quando um diretor de música de rádio ouviu Bill Haley and the Saddlemen, ele sugeriu um nome mais legal para a banda. Com um “Haley” liderando o grupo, ele sugeriu, por que não, algo relacionado à pedra celestial homônima? A banda mudou seu nome para Bill Haley and His Comets [Bill Haley e seus cometas]. O primeiro hit deles veio em 1952, com “Crazy Man, Crazy”, uma melodia bastante esquecida e simplicíssima que tem a distinção de ser a primeira canção de rock-and-roll a entrar nas paradas de sucesso da Billboard.9 Porém, Haley estava ávido para forçar o ritmo. Em 1953, ele trouxe a canção “Rock Around the Clock” a sua gravadora, a Essex Records. Dave Miller, o fundador da gravadora, não o deixava gravá-la. Na verdade, Miller estava tão confiante de que a canção era insatisfatória que, em diversas ocasiões, ele rasgou a partitura da música na frente de Haley para dar o caso por encerrado.10 Haley levou a canção para uma gravadora rival, a Decca Records, que concordou em gravar “Rock Around the Clock” sob uma condição: The Comets teriam de gravar uma outra canção primeiro: “Thirteen Women (And Only One Man in Town)”, uma canção lamentável sobre um homem que se torna o guardião de um harém de mulheres depois que uma bomba de hidrogênio destrói o mundo.11 Haley concordou em fazer isso. Foi estabelecida uma data para a gravação em estúdio em 12 de abril de 1954, em um Templo Maçônico adaptado na Seventieth Street, na cidade de Nova York.

A sessão foi agendada para que começasse às onze horas da manhã em ponto.12 Às 11h30, os Comets não estavam lá e não podiam ser encontrados em lugar nenhum. Na verdade eles não estavam sequer no estado de Nova York. Várias centenas de quilômetros ao norte, Haley e sua banda estavam na balsa de Chester-Bridgeport, que havia colidido com um banco de areia no rio Delaware. Depois que um rebocador tirou a balsa da lama, Haley dirigiu como um louco até a cidade de Nova York e chegou ao templo duas horas atrasado, logo depois da uma da tarde. “Da próxima vez em que tivermos uma data para gravação”, sugeriu um produtor, “pegue a ponte”. A banda tirou seus instrumentos das malas e se ajeitou no palco. Depois de mais de uma hora de ensaio, eles tocaram três tomadas de “Thirteen Women”. Os produtores não ficaram satisfeitos. Eles tocaram a canção mais três vezes. A sessão do estúdio estava agendada para acabar às 17h e, às 16h20, eles ainda não haviam tocado um segundo que fosse de “Rock Around the Clock”. A primeira tomada foi alta e enérgica, uma erupção abençoada de um caos controlado. A canção era tão curta que um solo de guitarra se fez necessário para que tivesse pelo menos dois minutos de duração. O guitarrista Danny Cedrone não tinha tempo para criar e dominar um novo riff.13 Então, para a primeira tomada, ele copiou, literalmente nota por nota, um solo de quinze segundos que havia tocado na canção de Bill Haley de 1952, “Rock the Joint”.* Quando a primeira tomada terminou, os produtores a reproduziram. Estava uma bagunça. Os instrumentos dos Comets estavam de rachar o ouvido, empurrando a agulha a fundo na zona vermelha. A voz de Haley estava quase inaudível. Vender uma canção pop sem um vocalista seria um fardo pesado, até mesmo para uma grande gravadora. Mas já eram quase 17h. A sessão do estúdio estava praticamente terminada. Não havia tempo para consertar os microfones. Os produtores ofereceram uma solução: a banda poderia tocar a canção mais uma vez, mas eles desligariam os microfones dos instrumentos. A gravação seria toda em cima de Haley: ele teria uma única chance de acertar o vocal. A segunda tomada terminou sem nenhum erro óbvio. Depois das 17h, Haley e sua banda colocaram os instrumentos nas malas. Os Comets não faziam a mínima ideia se a gravação era ou não utilizável. Porém os

produtores sincronizaram as duas fitas, e a gravação final estava pronta para ser despachada dentro de um mês. Isso deve ter parecido um pequeno milagre para Haley; depois de anos implorando às gravadoras, sua perseverança foi recompensada e a canção finalmente foi gravada. No entanto, a alegria não durou muito. “Rock Around the Clock” apareceu no lado B de “Thirteen Women” e foi esquecida quase tão rapidamente quanto foi gravada. A Decca enviou pelos correios milhares de cópias de “Rock Around the Clock” a estúdios e produtores de cinema por todo o país e pagou por vários anúncios chamativos em revistas como a Billboard e a Variety. Em maio de 1954, a Billboard notou a canção com um endosso tépido: “Grande batida e letra de blues repetitiva fazem desta uma boa tentativa de se fazer ‘cat music’ e que deveria ganhar uma moeda quando tocada nos lugares certos.” A gravação não foi exatamente um fracasso, pois passou uma semana nas paradas da Billboard, mas estava a anos-luz de ser qualquer tipo de hit. Em 1953, “Crazy Man, Crazy” havia vendido 750 mil cópias. Em 1954, “Rock Around the Clock” chegou a exatamente um décimo desse total: apenas 75 mil discos vendidos.14 De certa forma, nós chegamos ao fim da história. “Rock Around the Clock” era um medíocre lado B de uma gravação regular. Ela não fracassou por falta de exposição: recebeu o marketing de uma grande gravadora e de revistas, chegou a milhares de DJs, foi tocada em muitas estações de rádio em maio de 1954 e apareceu nas paradas da Billboard por uma semana. Então, por volta de julho, se foi, um de tantos discos jogados em tantas latas de lixo em meio aos detritos anônimos da história da cultura pop. “Rock Around the Clock” teve sua chance. Falhou.

Duncan Watts não acredita em histórias. Ele prefere o caos. Pesquisador da teoria das redes na Microsoft, Watts confia mais nas gerações de computadores do que em explanações e não dá crédito para anedotas que pareçam interessantes demais. Ele é uma das piores pessoas com quem conversar quando se está tentando escrever um livro coeso sobre o sucesso em mercados culturais contado por meio de exemplos interessantes. Então, por dúvida, autoaversão ou algum menos discernível instinto masoquista, eu

decidi me encontrar com ele durante várias horas e devotar um capítulo a suas ideias.** Alto e com um maxilar quadrado, com olhos azuis atrás de feições retangulares, Watts é um ex-cadete da Força de Defesa Australiana. Ele foi para Cornell de modo a obter seu doutorado em teoria do caos em meados da década de 1990, apenas para descobrir, para sua decepção, que as pessoas estavam meio fartas do assunto. Ele chegou em seu programa poucos anos depois do autor James Gleick publicar um livro popular sobre o assunto, Chaos [Caos]. “Você sabe que todos os frutos fáceis de se colher foram colhidos quando alguém está escrevendo um livro sobre isso”, ele me disse, torcendo uma faca. Forçado a procurar fora da física por um assunto satisfatoriamente caótico na pós-graduação, Watts tornou-se interessado em muitas das mesmas grandes questões que estou tentando responder, como por que as pessoas gostam do que gostam, por que grandes grupos de pessoas fazem o que fazem e como se dissemina a popularidade. Em vez de começar com designers e compositores, contudo, Watts pensou em grilos. “Primeiramente, eu fiquei interessado em biologia e comecei a pensar em redes de grilos e em como eles sincronizam seus cricrilados”, ele me disse. Watts era fascinado por redes de grilos, mas a sua pergunta maior relacionava-se a redes de pessoas, ou seja, como alguma coisa pode começar pequena (uma moda, um nome como Emma) e crescer a ponto de virar um movimento mainstream, tão disseminado e sincronizado como um campo de insetos cricrilando em harmonia. Por volta da mesma época, Watts estava ao telefone com seu pai, que lhe perguntou se já havia ouvido falar da ideia de que todas as pessoas no mundo estão conectadas ao presidente dos Estados Unidos por apenas seis apertos de mãos. O ano era 1995 e Watts não tinha ouvido falar nessa teoria antes. Ele não achava que ela era obviamente verdadeira nem obviamente falsa. No entanto, começou a achar que os grilos e os seis graus de separação eram duas partes da mesma história. Watts se perguntava se os contágios sociais, como sons de grilos, modas do mundo fashion e hits da cultura pop poderiam ser regidos pelas regras do comportamento em massa. Talvez a pergunta fundamental para entender os hits não seja “por que nós gostamos do que gostamos?”, mas, sim, “como aquilo de que você gosta se torna aquilo de que eu gosto?”

Um dos motivos pelos quais eu gosto de Watts, mesmo que ele, em nosso encontro, tenha se deleitado em cutucar os furos em algumas das minhas teorias, é que ele é não é nem um pouco sentimental em relação ao porquê de alguns produtos virarem sucessos, e é muito bom nisso: consegue esclarecer bem as arapucas das implicações sentimentais. Um de seus melhores ataques ao pensamento com percepções vagas ou confusas é sua abordagem dos motivos pelos quais a Mona Lisa é a pintura mais popular do mundo.15 Hoje em dia, existe pouca dúvida em relação ao ar elitista do retrato de Leonardo da Vinci. A Mona Lisa é a pintura mais valorizada do mundo, literalmente: detém o recorde mundial do Guinness da apólice de seguros mais cara de qualquer peça de arte.16 Em 1973, o crítico de arte Kenneth Clark chamou a Mona Lisa de “supremo exemplo de perfeição”, dizendo que ela merecia o título como a pintura mais famosa do mundo. Porém no século XIX ela não era sequer a pintura mais famosa no Museu do Louvre, em Paris. O historiador Donald Sassoon relatou que em 1849 a Mona Lisa valia 90 mil francos. É uma boa soma, mas não chega nem mesmo perto do valor de Discípulos de Emaús, de Ticiano (150 mil francos na época) ou de A Família Santa, de Rafael (600 mil francos), que estavam penduradas no mesmo museu. A fama da Mona Lisa recebeu a ajuda de um ladrão burro. Em 11 de agosto de 1911, uma segunda-feira, Vincenzo Peruggia, um pintor italiano desempregado, entrou no Louvre e saiu de lá com a Mona Lisa. Os jornais franceses ficaram horrorizados com o roubo e, indignados, proclamaram o significado histórico da pintura. A Mona Lisa ficou desaparecida durante vários anos até que Peruggia, que estava preso a uma cara obra de arte cuja venda inevitavelmente levaria à sua apreensão, tentou vendê-la em Florença e foi devidamente apreendido. A recuperação da Mona Lisa e seu retorno à França foram uma sensação internacional. Em 1919, vários anos depois da recuperação da pintura, o modernista Marcel Duchamp fez uma réplica da Mona Lisa com um bigode. Ele chamou-a L.H.O.O.Q., letras que, ao serem pronunciadas em francês, são um homófono para uma safadeza.*** A ideia de profanar o plácido sorriso da Mona Lisa pareceu para muitos outros pintores incansavelmente divertida. Sendo assim, no último século, alguns dos pintores mais famosos, entre eles Jasper Johns, Robert Rauschenberg, René Magritte, Salvador Dalí e Andy Warhol, fizeram suas próprias paródias da Mona Lisa. O rosto dela está por toda parte agora, em porta-copos, capas de revistas, capas de livros,

pôsteres de filmes e bugigangas. Os críticos que explicam por que a Mona Lisa é a pintura mais famosa da história frequentemente não levam em consideração o fato de que, pela maior parte da história, não foi assim. Como resultado disso, acabam dizendo algo como: “A Mona Lisa é a pintura mais famosa do mundo porque ela tem todas as qualidades da Mona Lisa.” Esse é o tipo de explicação que leva Watts realmente à loucura. Ele lamenta pelos muitos analistas, descobridores de tendências e jornalistas que dizem entender exatamente por que algumas coisas são bem-sucedidas, mas somente depois que seu sucesso é óbvio para todo mundo. Ele nos diz para termos cuidado em relação àqueles que clamam poder prever o futuro oferecendo apenas provas em retrospecto de seus poderes.**** Watts é um especialista em “cascatas de informações”. Uma cascata é o mapa de uma ideia que está “pegando”. Uma cascata global é o mapa de uma ideia que se disseminou amplamente e para longe, uma árvore gigantesca que brotou de uma semente minúscula. No mundo real, cascatas globais podem incluir tanto hits surpresas, como os minúsculos bichos de pelúcia Beanie Babies, assim como hits previsíveis demais, como uma sequência de sucesso de Star Wars. Hits e cascatas vêm em todos os tamanhos, mas têm a mesma coisa em comum: tudo começa do zero. Para observar como as ideias vão de zero a um milhão, Watts projetou um universo modelo com milhares de pessoas, a que ele se refere como nós, conectadas a outras pessoas. Vamos chamá-lo de O Mundo de Watts. No Mundo de Watts, cada pessoa ou nó tem duas variáveis: vulnerabilidade (o quão provavelmente cada pessoa adotará um novo comportamento) e densidade (quantas pessoas estão conectadas umas às outras). Watts disparou os gatilhos dessas redes de variáveis (vulnerabilidades e densidades) repetidamente, milhões de vezes, para observar tendências espalharem-se para milhões de pessoas ou, com mais frequência, não se espalharem de modo algum. A primeira coisa que ele percebeu é que existem zonas dos Cachinhos Dourados de vulnerabilidade e densidade. É inútil fazer propagandas para uma pessoa mais velha que nunca muda seus hábitos (“baixa vulnerabilidade”) ou para um eremita siberiano (“baixa densidade”). No entanto, os polos opostos também são problemáticos. Digamos que você seja igualmente suscetível a um anúncio da Bloomingdale’s, da Gap e de todos os outros outlets de roupas que veja. Isso faz de você uma terrível aposta para qualquer outra marca, porque você está constantemente mudando de ideia.

Um consumidor hipervulnerável a todas as influências não é mais confiável do que um consumidor totalmente impossível de ser influenciado. Watts descobriu um ponto peculiar nesta rede em que as cascatas eram incrivelmente raras, porém, extremamente grandes. Em 999 vezes em mil, nesse Mundo de Watts em particular, nada acontecia. Porém naquele momento de um em mil, toda a rede se acendia, em uma imensa cascata global. “Hum, isso é interessante”, falei. “Isso é matemática”, ele me respondeu. Se um gatilho tem 0,1% de chance de tornar-se uma cascata global, se lhe derem milhares de chances, ele criará pelo menos umas poucas cascatas globais. É simplesmente assim que a matemática funciona. No entanto, imagine como seria viver naquele mundo de 0,1%. Imagine ser um jornalista, como eu, pago para fingir que entende por que tudo naquele mundo de 0,1% acontece. Eu poderia ver um imenso sucesso que veio do nada, como o filme indie Casamento grego ou a canção pop coreana “Gangnam Style”, e ser tentado a explicar o evento improvável como se ele fosse inevitável. “Quando jornalistas veem produtos sendo bem-sucedidos, eles sempre querem explicar a inevitabilidade do sucesso”, disse Watts. “Eles perguntam: ‘Quais eram as características dessa coisa de sucesso?’, e, então, decidem que todas essas características devem ser muito especiais.***** Ou tentam encontrar o paciente zero, a pessoa que deu início à tendência, porque eles decidem que ele deve ser muito especial.” Esse tipo de pensamento cria um evangelho de sucesso inútil, diz Watts. Se um filme sobre dinossauros tiver sucesso em maio, mil artigos são escritos para clamar que existe algo de especial em relação ao fascínio dos dinossauros (mesmo que um filme similar tenha sido um fracasso em janeiro). Se um músico de Belize tiver um grande hit em 2016, alguns jornalistas ou blogueiros decidirão que deve haver algo de intrinsicamente atraente em relação à música belizenha (mesmo que aquele seja o único hit belizenho do século). No entanto, pensar em termos de probabilidade é muito abstrato, e, com frequência, impossível. Previsores podem dizer que existe uma chance de 50% de chover essa noite, ou que um filme tem uma chance de 10% de fazer 100 milhões de dólares em seu primeiro fim de semana de exibição; e pode haver uma significativa quantia de inteligência embutida nesses cálculos. No

entanto, no fim das contas, ou chove ou não chove. Ou o filme faz 100 milhões ou não faz. Probabilidades são intuitivas em relação a eventos que acontecem muitas vezes, repetidamente. Você pode girar uma moeda até que seus dedos estejam entorpecidos e o número de caras ou coroas acabará se aproximando de 50%-50%. No entanto, a vida é uma gigantesca roleta-russa que só gira uma vez para cada pessoa. Sendo assim, a maioria não pensa em termos de porcentagens. As pessoas processam o mundo na forma de histórias, ações e reações, causas e resultados, post hoc, ergo propter hoc. Qualquer história é melhor do que caos. Na verdade, pode-se dizer que o caos da vida é uma condição crônica para a qual as histórias são o remédio. No Mundo de Watts, o mesmo produto pode tornar-se um hit tremendo ou um fracasso em circunstâncias quase equivalentes. É só uma questão de matemática, timing e sorte. Por exemplo, um rock que tocou nas rádios em 1954 e dezenas de milhares de americanos ouviram mas não compraram o disco. Tal como aconteceu com “Rock Around the Clock”. Então, em 1955, a música tocou de novo para um público levemente diferente, em uma nova mídia. O contexto mudou, uma reação em cadeia de eventos improváveis aconteceu e a canção que uma nação uma vez ignorou tornou-se o hino nacional do rock and roll. Foi o que aconteceu com “Rock Around the Clock”.

Uma

das 75 mil pessoas que compraram o disco de “Rock Around the Clock” foi um jovem rapaz em Beverly Hills chamado Peter Ford. Ele vinha de uma família de amplos talentos musicais e gostos caleidoscópios. Sua mãe, Eleanor Powell, era uma renomada dançarina de sapateado que ouvia o “Rei do Swing”, Benny Goodman e jazz; seu pai, Glenn Ford, era um astro do cinema que tinha uma quedinha por melodias havaianas. Porém, o jovem Peter, que buscava seu próprio nicho, imergiu-se em bandas negras e na “música de raça”. Peter não tinha muitos amigos que o visitavam em sua propriedade de cinco acres, mas a música era seu refúgio. Tarde da noite, ele se aninhava, sozinho, ouvindo Hunter Hancock, o primeiro DJ a tocar rhythm and blues, nas estações de rádio de Los Angeles, KFVD e KFOX.17 Sua mãe mimava-o com frequentes idas de carro à loja de música de Beverly Hills, de onde ele

voltava cheio de vinis, a maioria de homens negros, os verdadeiros originadores do R&B e do rock and roll: The Kings of Rhythm, Johnny Ace, The Orioles, The Crows, The Flamingos, The Larks... “Se houvesse um pássaro no nome, era para mim”, disse-me Ford. A família Ford morava em uma casa de vinte quartos em Beverly Hills que havia pertencido anteriormente a Max Steiner, o compositor de Hollywood que havia feito as trilhas sonoras de Casablanca e E o vento levou.18 A joia da casa era a Sala da China: uma sala de música de quatrocentos metros quadrados adornada com a mais recente tecnologia de alta fidelidade de Steiner. As paredes reluziam com o folheado a ouro e amplos murais chineses percorriam a extensão de uma parede com rios que serpeavam entre alongadas colinas verdes. Havia autofalantes de um metro de altura ancorados nos cantos da sala e Peter Ford ficava sentando em um verde sofá de chita e ouvia as músicas das bandas de nomes de aves. Em 1954, em uma das incontáveis viagens à loja de música de Beverly Hills, Peter Ford, então com nove anos de idade, comprou um disco de 78 rpm lançado pela Decca com a canção, no lado A, “Thirteen Women (And Only One Man in Town)”. Ele odiou a canção. “Eu a achei terrível”, disse-me Ford, rindo. “Quero dizer, eu realmente a odiei, de verdade. Mas então eu virei o disco e me deparei com ‘Rock Around the Clock’. Achei aquela uma boa canção, com uma grande batida da bateria. Mas eu não posso dizer que era uma das minhas prediletas. Eu estava mais para The Orioles.” Poucos meses depois, o seu pai, Glenn Ford, estava filmando um novo filme sobre estudantes na metrópole chamado Sementes de violência. Em uma tarde, perto do fim das filmagens, o diretor do filme, Richard Brooks, visitou a casa. Glenn lhe preparou um drinque e eles conversaram sobre a trilha sonora do filme. Brooks lhe disse que estava procurando uma canção animada para a abertura do filme, uma melodia para fazer dançar e pular que instintivamente evocaria uma geração tensa. Glenn disse a Brooks que seu filho havia começado a gostar de algumas músicas assim e poderia ter alguns discos para lhe mostrar. “Levei Dick Brooks e meus pais para dentro da sala de música e Dick disse: ‘O que é que você tem aí?’”, contou-me Ford. “Dei a eles um punhado de discos: alguma coisa de Joe Houston, ‘Shake, Rattle and Roll’, de Jake Turner ‘Rock Around the Clock’, de Bill Haley and His Comets”.

O que aconteceu em seguida ficou vividamente gravado na memória de Ford e na consciência nacional; trata-se, de muitas formas, do dia do nascimento do rock and roll como um movimento mainstream americano. “Três dias antes do meu décimo aniversário, Sementes de violência teve um teaser exibido em 2 de fevereiro, no Teatro Encino”, disse ele. “Eu estava lá com meu pai.” O filme começava com um prefácio escrito, acima do som de um tambor: Nós, nos Estados Unidos, somos afortunados de termos um sistema escolar que é um tributo a nossas comunidades e à nossa fé na juventude americana. Hoje, nós estamos preocupados com a delinquência juvenil, com suas causas e com seus efeitos. Ficamos especialmente preocupados quando essa delinquência ferve em nossas escolas. As cenas e os incidentes aqui apresentados são fictícios. Contudo, nós acreditamos que a consciência do público seja um primeiro passo na direção de um remédio para qualquer problema. É nessa espírito e com essa fé que Sementes de violência foi produzido.

Neste exato momento, a famosa contagem de Bill Haley começava: [badum] “One, two, three o’clock, four o’clock, rock!” Com a primeira batida, as palavras Blackboard Jungle [o título original do filme Sementes de violência] piscava na tela. O jovem menino ficou animadíssimo: sua gravação chegou à sequência de abertura de um grande filme de Hollywood. “O sucesso estrondoso e repentino de ‘Rock Around the Clock’ teve tudo a ver com sua colocação no início do filme Sementes de violência”, disse Jim Dawson, autor do livro Rock Around the Clock. A reação a Sementes de violência foi algo parecido com a histeria, não apenas entre os adolescentes, como também entre seus pais e políticos. As crianças dançavam nos corredores dos cinemas e tocavam alto a música em seus carros. Em 17 de maio de 1955, The Philadelphia Inquirer relatou que dormitórios na Universidade de Princeton fizeram uma competição para tocar a música o mais alto quanto fosse possível de seus quartos. Por volta da meia-noite, os estudantes esvaziaram os dormitórios e foram para as quadras, atearam fogo a latas de lixo e saíram cantando pelas ruas acima e abaixo. Enquanto isso, várias grandes cidades americanas censuraram o filme. O prefeito de Memphis proibiu adolescentes de verem Sementes de Violência, enquanto

Atlanta tentou banir o filme depois que a esposa de um conselheiro municipal disse que este ameaçava “a paz, a saúde, a moral e a boa ordem desta cidade”. Exatamente como o caso Caillebotte consagrou o impressionismo por meio de escândalo nos anos de 1890, a notoriedade de Sementes de violência promoveu sua faixa de abertura, pondo em ação o gênero do rock and roll. Em 2 de julho de 1955, três meses depois da estreia de Sementes de violência, “Rock Around the Clock” tornou-se o single mais vendido no país e a primeira música chamada de “rock ’n’ roll” a chegar ao número um das paradas da Billboard, que no final vendeu mais cópias físicas do que qualquer canção de Elvis Presley, Beatles, Madonna ou Michael Jackson.****** Uma das leis do caos é a de que uma mudança microscópica na atual trajetória pode levar a resultados futuros insanamente diferentes; a borboleta brasileira sacode suas asas e um tufão se forma na costa da Indonésia. As melodias mais populares dos anos de 1954 e 1955 eram doces valsas próximas dos hits de alto ritmo dos anos posteriores da década de 1950. As canções número um da Billboard antes e depois de “Rock Around the Clock” foram a sentimentalista “Unchained Melody” e a balada de menestrel “Yellow Rose of Texas”, que soa como se pudesse ter sido composta nos anos de 1850. A breve usurpação de Haley das paradas de sucesso previu uma posterior derrubada do sistema.19 Por volta do final da década, o rock and roll havia conquistado a música pop, trazendo consigo várias mudanças culturais e políticas. Primeiramente, o centro de gravidade na música pop mudou das canções para os próprios astros. Os ícones do pop da primeira metade do século XX, como Frank Sinatra ou Bing Crosby, eram famosos por interpretações de canções comuns que as famílias podiam tocar em casa com partituras. Eles eram intérpretes especialistas. Porém os astros do pop da década de 1960 eram bandas e artistas, como Beatles e Rolling Stones, que compunham, tocavam e eram sinônimo de quase toda sua própria música. A revolução do rock não significava nada mais nada menos do que a aurora da idade do astro moderno do pop. Em segundo lugar, a ascensão do rock balançou a cultura americana em uma década que ficou marcada por sua lânguida complacência. É bem sabido que bandas com brancos tornaram mainstream um gênero criado por músicos negros. Todavia, a exploração criativa de artistas negros era

inclusive mais explícita do que isso: as canções mais populares dos anos 1950 eram, com frequência, versões brancas de melodias originalmente interpretadas por artistas negros, como “Sincerely”, de The McGuire Sisters (originalmente de The Moonglows) e “Ko Ko Mo”, de Perry Como (originalmente de Gene & Eunice). Em 1955, a Billboard finalmente declarou “a emergência dos negros como artistas pops no campo dos discos”; no entanto, como a consagração do hip-hop em 1991 por parte da Billboard, esse foi um reconhecimento um tanto quanto tardio de uma coisa que tinha sido verdadeira durante uma década ou mais. Quando o panteão do rock and roll ficou mais cheio, com Elvis Presley, Chuck Berry e Buddy Holly, os críticos ainda se referiam a ele como “música de floresta”. A revista True Strange apresentou Haley em uma capa em 1957, com uma ilustração de vários membros de uma tribo africana nus, dançando e batendo em tambores. Isso não tratava apenas de adultos expressando seu desprezo pela música alta e pelos movimentos performáticos e rotativos de quadris. A música em si era um presságio de que a parte branca dos Estados Unidos estava perdendo seu monopólio cultural e até mesmo famílias suburbanas seriam forçadas a confrontar elementos de uma cultura negra que muitos não queriam reconhecer. É difícil imaginar um mundo em que Sementes de violência nunca tenha sido feito e onde o rock and roll nunca teve seu momento de consagração em massa. A propósito, como soa a música pop em 1965... ou em 2015? Quando alguns produtos viram hits, eles não deixam apenas uma marca; eles dividem a paisagem, mudam a atmosfera, são precursores da extinção de uma velha ordem. “Rock Around the Clock” foi um asteroide cultural. A canção não fez apenas contato com a terra. Ela matou os dinossauros. “Rock Around the Clock” é a história da grande composição de uma canção, do poder de transmissão do filme e do caldeirão da cultura adolescente da década de 1950. No entanto, também é a história de uma sorte incrível. Todas as pessoas que escutam “Rock Around the Clock” ouvem as mesmas notas, as mesmas palavras e a mesma sincopação. Os públicos em 1954 ouviram uma canção esquecível. Os públicos em 1955 ouviram o hit do século. A mesma música, duas transmissões levemente diferentes, dois resultados extremamente diferentes. Parece uma melodia que poderia ser cantada por um teorista do caos.

Em 1996,

os economistas Arthur De Vany e David Walls estudaram os retornos de bilheteria de trezentos filmes lançados na década de 1980 para descobrir padrões no comportamento do público.20 O que descobriram, contudo, estava mais para a ausência de um padrão. “Filmes são produtos complexos”, eles escreveram em um artigo de acompanhamento do estudo, “e a cascata de informações entre frequentadores de cinema durante o decorrer da exibição de um filme pode evoluir por tantos caminhos que é impossível atribuir o sucesso de um filme a fatores causais individuais.” Resumindo: Hollywood é um caos. O sucesso em Hollywood não segue uma distribuição normal, com muitos filmes conseguindo uma média em termos de bilheteria. Pelo contrário, os filmes seguem uma distribuição de lei de poder, o que significa que a maior parte dos ganhos vem de uma minúscula minoria de filmes. A melhor maneira de imaginar um mercado da lei de poder é pensando em uma loteria. A vasta maioria das pessoas não ganha nada e umas poucas pessoas ganham milhões de dólares. Sendo assim, faz pouco sentido falar em renda “média” da loteria. É a mesma coisa em Hollywood. Os seis maiores estúdios lançaram simplesmente mais de cem filmes em 2015. Os cinco filmes de maior sucesso responderam por 22¨% da bilheteria total.21 Qual é a melhor maneira de entender um mercado que é tanto cheio de fracassos quanto impulsionado por hits? Al Greco, um professor de marketing na Universidade de Fordham e especialista na publicação de livros, resume o negócio do entretenimento da seguinte maneira: “Um setor complexo, versátil e semicaótico, com uma dinâmica de distribuição de Bose-Einstein e características da lei de poder de Pareto com uma incerteza bilateral.”22 Esta definição é um bocado multissilábica e disfluente, mas vale a pena analisá-la palavra por palavra: “Complexo”: Todos os anos, há centenas de filmes lançados para bilhões de espectadores em potencial, que estão vendo anúncios, lendo críticas e imitando uns aos outros para decidirem para qual filme eles comprarão um ingresso de cinema em seguida. Em curto prazo, a melhor indicação das vendas de ingressos de cinema da próxima semana são os resultados das vendas dos filmes dessa semana. No entanto, visto que todo mundo está constantemente influenciando todo

mundo, predizer a bilheteria de um filme em um futuro distante é como prever o local de descanso final de dezesseis bolas de bilhar que ficam ziguezagueando por uma mesa e batendo umas nas outras. “Versátil”: Quando um livro em um gênero obtém sucesso — por exemplo, romance pornográfico, ficção distópica para jovens adultos ou livros de não-ficção sobre psicologia pop — o restante do segmento se adaptará para copiá-lo. Porém a imitação feita de forma agressiva acabará afastando a tendência, tornando-a obsoleta no momento em que alguns dos produtos adaptados chegarem ao mercado. Pagar muito dinheiro para os astros mais famosos parecia ser a melhor aposta em Hollywood nos anos de 1980 e 1990, e os salários de superastros e superestrelas entraram em um período de hiperinflação, até que alguns fracassos, como o filme de 1993, O último grande herói, estrelando Arnold Schwarzenegger, estilhaçaram a religião de Hollywood de que superastros podiam carregar qualquer filme. Na televisão, os públicos recentemente testemunharam esse tipo de efeito de aglomeração no gênero do anti-herói sombrio e perturbado. No momento, os heróis das histórias em quadrinhos parecem um tanto quanto imortais, mas de modo algum os quadrinhos são a evolução final dos filmes. Desta forma, todos os hits podem, ironicamente, semear as sementes de seu próprio falecimento, visto que o excesso de imitação torna a tendência obsoleta. “Setor semicaótico, com uma dinâmica de distribuição de Bose-Einstein”: Cem anos atrás, os cientistas Satyendra Nath Bose e Albert Einstein concluíram que moléculas de gás em contêineres vedados haveriam de aglomerar-se agressivamente em um momento e em um lugar que seria impossível de ser previsto com certeza. Considere esta uma metáfora para a cultura pop, em que os consumidores desempenham o papel das moléculas de gás. Em algum ponto no tempo, eles haverão de se aglomerar em torno de um produto cultural imprevisível, comprando o mesmo livro ou assistindo ao mesmo filme.

Lembre-se da grande ideia de Duncan Watts: como se fosse um gigantesco terremoto, algumas “cascatas globais” são matematicamente inevitáveis, mas também são impossíveis de se prever muito adiante de seu tempo. “Características da lei de poder de Pareto”: É creditada a Vilfredo Pareto, um economista italiano, a descoberta de que a renda em um país segue uma “lei de poder”, de forma tal que 80% da riqueza é detida por 20% da população. Este princípio de Pareto foi estendido para querer dizer que 80% das vendas vem de 20% de produtos. Na amostra de filmes estudada por De Vany, um quinto dos filmes ficou com quatro quintos da bilheteria.23 Com as editoras, está mais para 90% das rendas vem de cerca de 10% dos livros. Em mercados digitais, isso é ainda pior: 60% da renda de lojas de aplicativos vem de apenas 0,005% das empresas.24 Para criadores de hits, a vasta maioria das apostas são fracassos. A diferença entre um grande ano e um ano terrível na indústria das editoras poderia se resumir em uma minúscula minoria de transações. “Incerteza bilateral”: Roteiristas e produtores não sabem o que os espectadores desejarão ver em dois anos. Os espectadores não sabem que filmes estarão saindo em dois anos, nem têm as informações perfeitas sobre o que desejam ver. E, ainda assim, Hollywood está no negócio de prever o que o público deseja em muitos anos no futuro, mesmo que a maioria das pessoas nem mesmo possa dizer isso com certeza, mesmo se lhes perguntassem. Se isso faz com que o negócio dos hits pareça sem esperanças, então, bem... Criar produtos complexos para pessoas que não sabem o que querem, e que se reúnem de forma agressiva em torno de produtos bizarramente populares se alguns de seus amigos fizerem o mesmo, é um trabalho muito difícil. É importante apreciar o estresse inerente a ser um criador, um empresário, uma gravadora, um estúdio cinematográfico, uma empresa de mídia. As pessoas são mistérios e mercados são caos. É alguma surpresa que a maioria das coisas criativas seja um fracasso?

Uma solução para domar o caos é ser dono dos canais de distribuição. Criar música é menos arriscado quando se pode subornar as estações de rádio para tocarem suas canções. Sendo assim, as gravadoras de música tentaram fazer exatamente isso por décadas, até que o governo federal considerou a prática ilegal com as “regras de suborno” da FCC. Fazer filmes é menos arriscado quando se é dono dos cinemas em que os filmes passam. Sendo assim, os estúdios cinematográficos eram donos de muitos dos cinemas durante décadas, até que a Suprema Corte decidiu, em 1948, que isso constituía um oligopólio anti-concorrencial, trazendo um fim ao sistema de estúdios de Hollywood. O problema com ser dono de distribuição demais não é que isso não funciona. Pelo contrário, funciona tão bem que é ilegal. A melhor alternativa de solução é cercar os públicos de propaganda, de modo a garantir que todos os consumidores que poderiam ficar interessados em um novo produto estejam cientes dele. Os americanos compravam quase trinta ingressos de cinema por ano na década de 1940. Hoje em dia, compram cerca de quatro ingressos de cinema. Como os estúdios poderiam persuadir esta multidão volúvel a voltar às salas de exibição? Eles teriam de transformar os filmes em eventos blockbusters nacionais, produções opulentas sustentadas por monstruosos orçamentos de marketing, com comerciais incessantes e pôsteres grudados em todos os centímetros quadrados do país. Em um artigo econômico de 1997, De Vany disse que estúdios cinematográficos poderiam reduzir o risco de fracasso através de “gastos promocionais sem precedentes”. E foi exatamente isso o que fizeram. O número de grandes estúdios caiu nas últimas duas décadas, enquanto os custos com marketing foram às alturas. Em 1980, os grandes estúdios gastavam menos de vinte centavos em propaganda para cada um dólar que ganhavam na bilheteria. Agora eles gastam sessenta centavos para conseguir tal dólar. Por fim, Hollywood aprendeu uma lição com o segundo Capítulo deste livro e criou produtos originais com raízes na familiaridade, sequências, adaptações e reboots de propriedades bem conhecidas. Nos últimos vinte anos, a estratégia central de Hollywood mudou, seguindo a direção de franquias com múltiplas sequências, em particular centralizadas em superheróis.25 Em 1996, nenhum dos dez maiores filmes eram sequências nem filmes de super-heróis (por exemplo, Independence Day, Twister e O clube das desquitadas), e filmes baseados em histórias em quadrinhos respondiam por apenas 0,69% da bilheteria. Em cada ano até agora nesta década, a

maioria dos filmes que tinham as maiores bilheterias foram sequências, capítulos de séries preexistentes ou reboots. Dos primeiros 371 filmes lançados em 2016, apenas quatro filmes de super-heróis, Capitão América: Guerra Civil, Deadpool, Batman vs Superman: A origem da justiça e XMen: Apocalipse, responderam por 29% do total da bilheteria. De certa forma, Hollywood aprendeu uma lição com os velhos filmes seriados no cinema (ou com a televisão moderna): se você encontrar uma história que decole, continue produzindo rapidamente novos episódios dela. A estratégia da franquia, que preza a familiaridade e a “ciência prévia” dos personagens e de suas histórias, é uma solução comercial para a natureza caótica da arte. No entanto, também é uma resposta direta à globalização dos filmes. Os americanos estão consistentemente comprando menos ingressos de cinema por pessoa nesta década do que em qualquer época desde a invenção dos filmes. Nesse ínterim, quase todo o crescimento nas bilheterias globais está acontecendo na Ásia Ocidental e na América Latina. A ascensão de uma multidão global encoraja os estúdios a produzirem Pedras de Roseta visuais, histórias singulares interpretáveis para diversos idiomas.26 Não existe nenhuma linguagem no mundo mais universal do que a de heróis destruindo os caras malvados com a ajuda de explosões. A estratégia da franquia poderia ser uma forma prudente de mitigar a incerteza do processo de criação de filmes. No entanto, ela carrega específicas consequências negativas, tanto em termos criativos quanto financeiros. Roteiristas que observam o abandono por parte de Hollywood de dramas inteligentes e mais complexos em nome de franquias de superheróis passaram a trabalhar para a televisão. Não é coincidência que a “era de ouro da TV” coincida com a “era da franquia dos filmes”. O número de dramas roteirizados para a televisão (incluindo sites de streaming como Netflix e Hulu) aumentou de cerca de cem nos fins da década de 1990 para mais de quatrocentos em 2015. Ao ensinarem o público a ver apenas os filmes que têm as maiores campanhas de marketing, os estúdios arriscam-se a empobrecer filmes menores e empurrar seus futuros cineastas nos braços dos executivos de TV, que lhes acolhem com boas-vindas. Além do mais, a estratégia do blockbuster garante que os fracassos serão espetaculares e, para os executivos do cinema, devastadores. Três das trinta maiores bombas em termos de bilheteria na história de Hollywood foram lançados a partir de 2005.27

Como dizem no futebol americano: viva pelo chute de longa distância, morra pelo chute de longa distância. Mais cedo ou mais tarde, o caos vence. Sementes de violência foi um filme notório com uma bilheteria impressionante. No entanto, não foi exatamente um blockbuster. A renda bruta da bilheteria deste filme de 1955 situou-o como o 13o filme mais popular do ano, ficando atrás de Cinerama Holiday, Mister Roberts, Qual será o nosso amanhã?, Oklahoma!, Guys and Dolls, A dama e o vagabundo, Comandos do ar, Not as a Stranger, Terrível como o inferno, Mares violentos, O pecado mora ao lado e The Tall Men. Se você ouviu falar de cinco destes doze filmes, você venceu meu argumento. E, ainda assim, todos eles foram mais populares do que aquele que lançou a canção de rock mais vendida de todos os tempos. Não existe nenhum modelo estatístico no mundo para prever que o esquecido lado B de uma gravação mediana reproduzida durante os créditos do 13o filme mais popular de qualquer ano automaticamente vá se tornar a canção mais popular do rock-and-roll de todos os tempos. O negócio da criatividade é um jogo de azar: um jogo complexo, versátil e semicaótico, com uma dinâmica de distribuição de Bose-Einstein e características da lei de poder de Pareto com uma incerteza bilateral. Você, o criador, está fazendo alguma coisa que não existe para um público que não tem como dizer se gostará disso antecipadamente. Lidar com tal tipo de incerteza requer mais do que boas ideias, brilhante execução e um marketing poderoso (embora com frequência requeira essas coisas também). É necessário um evangelho de perseverança em meio ao inevitável fracasso. É como disse Duncan Watts: se um gatilho tem 1% de chance de tornar-se uma cascata global, ele deveria criar pelo menos uns poucos hits, se lhe fossem dadas centenas de chances. Não existe nenhum antídoto para o caos dos mercados criativos, apenas a tenacidade bruta para aguentá-lo. Bill Haley era esse tipo de bruto. Sem sombra de dúvida, ele nunca deveria ter estado naquele estúdio de gravação. Era um caubói que cantava em falsete e tinha um maxilar grande inadequado à era da expansão da televisão. Sua gravadora havia recusado a canção. Sua balsa ficou presa em um banco de areia. Sua sessão de gravação foi um desastre. Um homem razoável poderia ter desistido.

No entanto, Haley não era um homem razoável. Ele deixou sua gravadora, negociou por preciosos minutos em estúdio com uma outra empresa, foi correndo para um estúdio na cidade de Nova York e passou horas gravando uma canção de que ele não gostava só para ter 130 segundos para acertar em cheio na canção que ele amava. Sendo assim, quando pensar em Haley, você deve considerar seu extremo golpe de sorte. Porém se puder colocar isso em sua cabeça ao lado de Einstein, Pareto e probabilidades, pense também: um menino meio cego, que aprendeu sozinho a tocar guitarra, seguiu seus sonhos de caubói de faroeste em meio a mil experimentos fracassados só para conseguir sua virada dentro de um templo maçônico em 12 de abril de 1954. E lá, com apenas uma chance para cantar a melodia que vendeu quarenta milhões de discos, ele invocou sua voz cansada e começou a contagem a partir do “um”.

* Comp are o solo de guitarra de quinze segundos entre 0:33 e 0:48 em “Rock the Joint” com o solo de guitarra de quinze segundos entre 0:44 e 0:59 em “Rock Around the Clock”. Trata-se, essencialmente, nota p or nota, da mesma p assagem. [N. do A.] ** Watts e eu conversamos várias vezes durante a escrita deste livro, e eu tentei tomar cuidado enquanto p rep arava o rascunho p ara selecionar histórias que ilustrassem os p rincíp ios mais universalmente estabelecidos e rep etidamente testados, como o efeito de exp osição, em vez de sair fazendo o op osto, ou seja encontrar histórias interessantes e dep ois ir à caça de teorias p ara nelas encaixar. [N. do A.] *** Lidas em voz alta, em francês, as letras são “ell-ahsh-oh-oh-koo”, que soa muito como “Elle a chaud au cul” ou “Ela tem um cu gostoso”. [N. do A.] **** No filme de 2004, Meninas Malvadas, a p ersonagem burra Karen Smith, interp retada p or Amanda Sey fried, declarou que tinha “ESPN” (sic) [em inglês, a sigla correta neste caso seria ESP — extrasensory perception — p ercep ção extra-sensorial], p orque seus seios semp re p odiam p rever quando choveria. Pressionada a ap resentar evidências de seu dom, ela esclareceu: “Bem, eles [os seios] p odem dizer quando está chovendo.” Talvez cientistas como Watts considerem que muitos escritores sup ostamente p rescientes tenham talentos similarmente dúbios: eles p odem p rever a chuva somente dep ois que suas camisas estiverem molhadas. [N. do A.] ***** O que Watts está descrevendo aqui p oderia enquadrar-se em diversas categorias, discutidas em Thinking, Fast and Slow [Pensando, ráp ido e devagar, em tradução literal], de Daniel Kahneman, esp ecialmente com uma inclinação a analisar as coisas em retrosp ecto: “Eu sabia o temp o todo” ou “Se isso aconteceu, era o resultado mais p rovável”. [N. do A.] ****** Em um anúncio na Weekly Variety, em 21 de setembro de 1955, a Decca agradeceu aos DJs p or levarem “Rock Around the Clock” a “obter mais de 2 milhões em vendas de discos”. Na p arte inferior da p ágina, contudo, a gravadora também imp lorava que os DJs tocassem seu novo lançamento, “Razzle Dazzle”, que a gravadora reclamava que “estava sendo abafado p or ‘Rock Around the Clock’”. Como vimos no Cap ítulo 3, os hits musicais do século XX com frequência tinham ráp idas ascensão e queda nas p aradas de sucesso p orque as gravadoras eram tendenciosas em relação à rotatividade e encorajavam fortemente os DJs a tocarem músicas novas. Eis aqui um p erfeito exemp lo disso: em setembro de 1955, ap enas meses dep ois do lançamento de Sementes da violência, a Decca estava reclamando, em um anúncio de p ágina inteira p ara ninguém mais ninguém menos do que Bill Haley, de que seu hit estava “abafando” seus outros lançamentos. [N. do A.]

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O MITO VIRAL Cinquenta tons de cinza e a verdade sobre o porquê de alguns hits ficarem tão grandes

O website erótico mais popular do mundo para mulheres não é o que muitas pessoas considerariam um site erótico.1 Trata-se do FanFiction.net, uma gigantesca fogueira on-line em que escritores amadores trocam adaptações de histórias populares, às vezes, com um pouco de fantasia sexual misturada à trama. As inspirações mais comuns para a fanfiction do site incluem os livros de Harry Potter, Naruto, uma série de mangás japoneses sobre um jovem ninja, e as séries de TV Glee e Doctor Who. Porém talvez a mais famosa contribuição do site para a cultura pop tenha começado com a série Crepúsculo. Durante muitos anos, escritores no FanFiction brincaram com o romance de Crepúsculo entre Bella Swan, uma morosa adolescente, e Edward Cullen, um belo vampiro apaixonado, misturando-o com diversos gêneros e, aos poucos, introduzindo sexo explícito como elemento central da trama. O universo on-line de fanfic se tornou o salão dessa nova era de hits. Era ao mesmo tempo, imenso, com centenas de milhares de escritores e leitores, e, em grande parte, invisível para o mundo externo. Mas não ficaria invisível para sempre. Erika Leonard era uma das mais populares escritoras de fanfic de Crepúsculo, uma mãe com dois filhos, trabalhadora, que morava perto de Ealing, um bairro suburbano no noroeste de Londres. Em novembro de 2008, Leonard assistiu à adaptação de Crepúsculo e ficou totalmente hipnotizada. Ela comprou todos os quatro livros da série e os devorou em uma maratona de leitura de cinco dias, no decorrer dos feriados do Natal. “Foi uma das melhores férias que eu já tive na minha vida”, ela me disse.

Com seus trinta e poucos anos, Leonard era uma ávida devota, ainda que um tanto envergonhada, dos romances românticos. No trem para o centro de Londres, ela leu “centenas” deles, timidamente dobrando as capas dos livros para trás, de modo a esconder a imagem na capa, com frequência uma jovem mulher vestida em algo menos do que apropriado para o metrô, desmaiando nos braços de um homem sinuoso, de forma cômica. Mais recentemente, ela havia sido atraída para a ficção erótica, como Macho Sluts [vadias macho], uma coletânea de contos de Pat Califa, de 1988, em que era comum pitadas de sexo lésbico sadomasoquista. Em 2009, Leonard abriu uma conta no FanFiction.net, que, por sua vez, pediu a ela que selecionasse um pseudônimo. Quando suas primeiras opções não estavam disponíveis, ela pensou em seu desenho animado britânico predileto dos tempos da infância, Noggin the Nog, e no dragão do gelo amigável das histórias, Grolliffe. Ela digitou o nome Snowqueens Icedragon — e estava disponível. O mundo da fanfic de Crepúsculo era uma coleção exótica de estilos e gêneros, que reformulavam o protagonista, Edward, como um calado dork, um pai tosco, um deus dominador do sexo, um rufião coberto de tatuagens ou um refinado executivo de Oxbridge. Leonard foi atraída pelas interpretações que continham dominação e sadomasoquismo, especialmente aquelas que fossem ambientadas em um escritório. Dentro de poucos meses, tornou-se claro que a escritora a quem os leitores do FanFiction.net com frequência chamavam de “Icy” tinha um faro de ouro para os temas mais excitantes e obscenos.2 Seu trabalho, originalmente intitulado Master of the Universe [Mestre do universo], colocava Edward como um CEO com uma quedinha por bondage. Como George Lucas mostrou na década de 1970, os contadores de histórias de maior sucesso são, muitas vezes, artistas da colagem, juntando alusões que nunca foram reunidas antes, de modo a criar uma história que é, ao mesmo tempo, surpreendente e familiar. As histórias de Leonard eram blockbusters garantidos, conseguiam mais de 50 mil comentários no FanFiction.net e mais de 5 milhões de leitores.3 Uma de suas maiores fãs no site era uma escritora australiana chamada Amanda Hayward.4 Eles se encontraram no Twitter no começo do ano de 2010 e trocaram mensagens. Em outubro daquele ano, Hayward lançou a Writer’s Coffee Shop, uma pequena editora digital com base em Nova Gales do Sul, Austrália, e ofereceu-se a publicar o trabalho de Leonard. A

princípio, Leonard resistiu à ideia. No entanto, visto que Master of the Universe cresceu e tornou-se uma das histórias mais populares em toda a rede do site FanFiction.net, Leonard ficou ansiosa, temendo que alguém pudesse roubar seu trabalho e publicá-lo em forma de livro. Ela decidiu que seria melhor que ela mesma publicasse as histórias. Em 22 de maio de 2011, ela deixou o site FanFiction.net. Três dias depois, seu trabalho foi publicado tanto em e-book quanto em brochura pela Writers Coffee Shop, com um novo título e um pseudônimo atualizado: Cinquenta tons de cinza, de E. L. James. A editora australiana era minúscula. Poucos fora da comunidade de fanfic poderiam ter ouvido falar dela. Porém milhares de pessoas seguiam Hayward e “Icy” e compraram o primeiro livro de James quando este foi publicado, em maio de 2011. O engajamento de longa data de James com seus colegas escritores de fanfic, cultivado no decorrer de horas e horas lendo e respondendo a seus fãs e adaptadores em sequências de comentários on-line, havia criado algo bastante extraordinário para uma autora estreante: um imenso público de leitores, comentaristas e colegas co-criadores. No entanto, no final de 2011, quase ninguém nas grandes editoras de Londres e Nova York tinha ouvido falar do livro nem de sua autora com aquele pseudônimo enigmático. Poucos teriam adivinhado que, dentro de seis meses, as histórias de James se tornariam não apenas um dos grandes lances na história da edição de livros como também um fenômeno cultural global. No verão de 2012, várias organizações de notícias americanas, entre elas The New York Times, The Huffington Post, CNN e CBS, todos falavam a mesma coisa. O livro não era apenas um sucesso. Ele havia se tornado “viral”.5

Virou

moda falar sobre ideias como se elas fossem doenças. Algumas canções pop são infecciosas e alguns produtos são contagiosos. Publicitários e produtores desenvolveram uma teoria de marketing “viral”, a qual presume que o simples boca-a-boca pode facilmente pegar uma pequena ideia e transformá-la em um fenômeno. Isso alimentou a concepção popular de agitação, que diz que as empresas não precisam de sofisticadas estratégias de distribuição para que seus produtos fiquem grandes. Se

fizerem algo que seja inerentemente infeccioso, elas podem ficar sentadas e esperar que a tendência se espalhe como um vírus:

Em epidemiologia, “viral” tem um significado específico. Refere-se a uma doença que infecta mais de uma pessoa antes que a doença em si ou seu hospedeiro morra.6 Tal doença tem o potencial de espalhar-se exponencialmente. Uma pessoa infecta duas. Duas infectam quatro. Quatro infectam oito. E, dentro de pouco tempo, é uma pandemia. Será que as ideias em algum momento se tornam virais dessa forma? Por um bom tempo, ninguém tinha como saber disso com certeza. É difícil rastrear de forma precisa a agitação causada pelo boca-a-boca ou a disseminação de uma moda (como a da calça jeans skinny) ou de uma ideia (como o sufrágio universal) de pessoa para pessoa. Então, aos poucos, “aquilo tornou-se viral” virou uma forma chique de dizer: “isso cresceu rápido demais e nós não sabemos ao certo como foi que aconteceu.” Porém existe um lugar onde as ideias deixam uma trilha de informações: a internet. Quando eu posto um artigo no Twitter, o texto é compartilhado e recompartilhado, e cada passo dessa cascata é passível de ser rastreado. Cientistas podem seguir os rastros de e-mails ou posts do Facebook enquanto eles dão a volta no mundo. No mundo digital, eles podem finalmente responder à pergunta: ideias realmente se tornam virais? A resposta parece ser um simples não. Em 2012, diversos pesquisadores do Yahoo estudaram a disseminação de milhões de mensagens on-line no

Twitter.7 Mais de 90% das mensagens não foram sequer difundidas. Uma minúscula porcentagem, cerca de 1%, foi compartilhada mais de sete vezes. No entanto, na verdade, nada se tornou viral, nem mesmo as mensagens compartilhadas mais populares. A vasta maioria das notícias que as pessoas veem no Twitter, cerca de 95%, vem diretamente de sua fonte original ou de um degrau de separação desta.8 Se ideias e artigos na internet essencialmente nunca se tornam virais, então como é que algumas coisas ainda obtêm imensa popularidade de forma tão rápida? Os pesquisadores disseram que a disseminação viral não é a única maneira como um conteúdo pode alcançar uma grande parcela da população. Existe outro mecanismo, chamado “difusão de transmissão”: muitas pessoas obtendo informações de uma única fonte.9 Eles escreveram o seguinte: Transmissões podem ser extremamente grandes: o Super Bowl atrai mais de 100 milhões de espectadores, enquanto as páginas de capa dos mais populares websites de notícias atraem um número similar de visitantes diários e, por conseguinte, a mera observação de que alguma coisa é popular, ou até mesmo a rapidez de sua popularidade, não é o suficiente para estabelecer que ela se disseminou de forma tal que faça lembrar [a forma como isso ocorre com um vírus]. Na internet, onde parece que tudo está se tornando viral, talvez muito pouco ou nada seja viral. Eles concluíram que a popularidade na internet é “impulsionada pelo tamanho da maior transmissão”.10 Blockbusters digitais não são sobre 1 milhão de momentos um-a-um, está mais para a relação entre poucos momentos de um falando com 1 milhão. Estendida a todo o mundo dos hits, essa nova descoberta sugere que artigos, canções e produtos não se disseminam como na primeira imagem que vimos. Pelo contrário, quase todos os produtos e ideias populares têm momentos de blockbusters em que eles se espalham de uma fonte para muitos, muitos indivíduos ao mesmo tempo, não da forma que ocorre com um vírus, mas algo parecido com a seguinte imagem:

Imagine que você vai trabalhar em uma segunda-feira e uma colega lhe fala sobre uma nova receita de guacamole que ela leu no The New York Times. Várias horas depois, você vai almoçar com um outro colega de trabalho que lhe pergunta se você ouviu falar na nova receita de guacamole sobre a qual ele leu no The New York Times. Depois do trabalho, você vai para casa, encontra sua esposa, cuja colega de trabalho a evangelizou sobre uma nova receita de guacamole descoberta no The New York Times. A observação comum é a seguinte: “o artigo do New York Times sobre guacamole tornou-se totalmente viral.” No entanto, a observação mais verdadeira é de que o artigo não se tornou viral em nenhum sentido significativo da palavra. Ele alcançou muitas pessoas que leram a seção de receitas de um grande jornal internacional e umas poucas dessas pessoas falaram sobre isso. Doenças são uma metáfora infecciosa. Nós precisamos de uma analogia epidemiológica para rivalizar-se com o mito viral: uma analogia que explique como as ideias podem disseminar-se para tantas pessoas de uma vez, como mil pessoas pegando gripe de uma única fonte. Na verdade, existe uma história perfeita para tal propósito. Trata-se de um dos mais celebrados episódios na história da pesquisa de doenças, ensinado em diversas faculdades médicas e investigado em livros de nãoficção populares, como O mapa fantasma, de Steven Johnson. Ele tem início no bairro do Soho da Londres dos anos 1850.

Duzentos anos atrás, a teoria popular das doenças sustentava que as pessoas ficavam doentes por causa de uma força espectral chamada de “miasma”, venenos invisíveis erguidos pelos ventos. A teoria do miasma persistia porque, como os vampiros e a viralidade, era uma grande história com falhas inconspícuas. A disseminação de doenças já foi tão difícil de ser rastreada quanto a agitação criada pelo boca-a-boca, e havia pouco entendimento de germes, bactérias e vírus. Em meados do século XIX, Londres era tanto a maior cidade do mundo quanto um imenso e fétido reservatório de doenças.11 Em 1854, um surto de cólera assolou a cidade, matando 127 pessoas em três dias e fazendo com que 75% de seus residentes fugissem para o bairro vizinho da classe trabalhadora do Soho dentro de uma semana.12 O governo da cidade ainda presumia que as doenças eram carregadas por meio de cheiros e inaladas pelos residentes. O cientista John Snow discordava disso. Um médico que tinha os instintos de um jornalista, Snow entrevistou centenas de famílias doentes e saudáveis da vizinhança. Ele mapeou os casos em um mapa, onde barras pretas significavam casas com cólera.

A investigação de Snow descobriu diversas pistas cruciais:

1. As casas infectadas estavam agrupadas dentro de poucas quadras. 2. Fora daquele agrupamento, praticamente não havia nenhum incidente de cólera. 3. No coração do agrupamento havia uma fábrica de cerveja cujos trabalhadores estavam notavelmente saudáveis. Imagine-se como um detetive que tem essas pistas e esse mapa. Considerando o padrão da doença, você poderia remover a possibilidade da teoria do miasma. No entanto, ainda haveria de se perguntar se essa doença estava se espalhando entre as casas, como um vírus, ou se estava se disseminando de uma fonte para muitas casas. E por que a cerveja ofereceria imunidade a trabalhadores em meio a uma epidemia urbana? Snow adicionou mais detalhes ao mapa, como restaurantes, parques e bombas de água, e notou uma coisa. Nas quadras onde a bomba de água da rua Broad era a fonte hídrica mais próxima, os casos de cólera eram numerosos. Nas quadras onde os residentes provavelmente pegavam água de outra bomba, a cólera era algo raro. As famílias com cólera tinham algo em comum: eles estavam pegando água da mesma fonte. “Houve apenas dez mortes em casas situadas decididamente mais perto de uma outra bomba de água de rua”, escreveu Snow em uma carta para o editor do The Medical Times and Gazette.13 “Em cinco desses casos, as famílias das pessoas falecidas me informaram que sempre mandavam pegar água na bomba da rua Broad, visto que preferiam aquela àgua à das bombas que ficavam mais perto de suas casas. Em outros três casos, os falecidos eram crianças que estudavam na escola que ficava perto da bomba na rua Broad.” E quanto aos cervejeiros saudáveis bem no coração da zona de contágio?14 Eles eram bêbados sortudos. Devido a seu trabalho, os cervejeiros recebiam licor de malte, cujo processo de fermentação exigia que a água fosse fervida e que fosse feita a remoção dos particulados tóxicos. A doença não estava se espalhando pelo ar. Não estava se espalhando entre casas de famílias. Muitas infecções vinham de uma única fonte: uma bomba de água infecciosa. A doença era uma transmissão.

Pessoas

são criaturas sociais: elas conversam, compartilham, passam as coisas adiante. No entanto, ao contrário de como ocorre com um vírus de verdade, uma pessoa opta por ser infectada por uma ideia e a maioria das pessoas que confronta qualquer coisa determinada não a passa adiante. Doenças virais tendem a espalhar-se vagarosa e constantemente, passando por muitas gerações de infecção. No entanto, as cascatas de informações ocorrem de forma oposta: tendem a disseminar-se em rompantes curtos e morrem rapidamente.15 O evangelho da viralidade convenceu alguns marqueteiros de que a única via para as coisas se tornarem populares hoje em dia é por meio de agitação e disseminação viral. No entanto, esses marqueteiros superestimam demais o poder confiável do boca-a-boca. Muito do que pessoas de fora chamam de viralidade é, na verdade, uma função do que poderia ser chamado de “transmissores às escuras”, pessoas ou empresas que estão distribuindo informações para muitos espectadores de uma vez, mas cuja influência nem sempre é visível para aquele fora da rede. Por exemplo, alguém que estivesse vendo as estatísticas da cólera na Londres de 1854 poderia ter pensado que um vírus estava se espalhando de uma casa para a outra. Apenas estudando o cenário é que se percebia como a doença realmente estava se espalhando, vindo em grande parte de uma única fonte. É comum confundir transmissões às escuras com disseminação viral. Em 2012, um documentário de trinta minutos sobre o líder rebelde ugandense Joseph Kony tornou-se “o vídeo mais viral da história”, com 100 milhões de visualizações no YouTube em apenas seis dias.16 Alcançar uma incomparável distribuição de um blockbuster hollywoodiano em menos de uma semana é inquestionavelmente um feito incrível para um documentário. No entanto, esse caso foi realmente de pura disseminação viral, potencializado por milhões de indivíduos comuns que compartilharam o vídeo com uma ou duas pessoas? Na verdade, não. O vídeo foi compartilhado por estrelas da música pop como Rihanna e Taylor Swift, estrelas da televisão como Oprah Winfrey e Ryan Seacrest, e alguns dos maiores transmissores do Twitter, entre eles, Kim Kardashian, com 13 milhões de seguidores na época, e Justin Bieber, com 18 milhões de seguidores.17 Não eram indivíduos comuns que estavam passando as informações para duas ou três outras pessoas como um vírus. Eles eram transmissores às escuras que estavam enviando o vídeo para milhões de

pessoas instantaneamente, dentro de uma rede conectada de forma densa, mesmo que muitas pessoas que acabaram por fim vendo o vídeo não soubessem que tais celebridades eram responsáveis por sua distribuição. Eis um outro exemplo: em 24 de abril de 2012, no Dia Mundial da Malária, Tracy Zamot, uma executiva de relações de mídia de uma gravadora, publicou um tuíte com um vídeo embutido nele sobre a doença. A música de fundo foi provida pela banda de rock Kin. O vídeo explodiu online, somando mais de quinze mil retuítes no total. No entanto, a mensagem original de Tracy Zamot foi compartilhada exatamente uma vez, pela conta no Twitter da banda. Sendo assim, como o vídeo virou um fenômeno? A resposta curta é que várias celebridades, cada qual com uma base de seguidores tão grande quanto as de um jornal nacional, compartilharam o vídeo. Conseguir a história completa requer um pouco de exploração de cavernas na internet. A seção de comentários do YouTube é bem conhecida por conter algumas das opiniões mais nojentas e mal escritas na internet, porém, nesse caso, ler os comentários no vídeo sobre a malária oferece um raro vislumbre no interior da cascata de informações. Mais da metade dos 96 comentários faz referência a como os usuários descobriram o vídeo: 41 deles agradecem ao astro do pop Justin Bieber ou fazem menção a ele, treze fazem referência ao cantor de country Greyson Chance e cinco mencionam o ator Ashton Kutcher. Todas as três celebridades tuitaram o vídeo para mais de 1 milhão de seguidores. “Clique em curtir se Ashton Kutcher, Justin Bieber, Greyson Chance ou qualquer outro o mandou vir até aqui! lol”, postou o usuário Riham RT. Cientistas da Microsoft Research que estudaram o fenômeno viram a mesma coisa. A popularidade do vídeo não floresceu como ocorre com um vírus, espalhando-se ao longe e amplamente por muitas gerações. A cascata de informações se parece mais com o detonador de uma bomba, uma silenciosa cadeia de compartilhamentos solitários seguida de diversas explosões, na forma de tuítes de celebridades. O vídeo da malária tornou-se mesmo “viral”? Poderia ser dito que sim. No entanto, tornou-se um hit não por causa de 15 mil compartilhamentos feitos um-a-um, mas em grande parte porque três celebridades tinham o poder de compartilhar o vídeo para milhões de pessoas de uma só vez. O hit foi uma transmissão às escuras, e a escuridão foi iluminada, nesse raro exemplo, por comentários do YouTube.

Conforme vimos no primeiro Capítulo deste livro, uma transmissão individual é mais poderosa em uma era com menos canais de exposição. Quando existiam apenas três canais de televisão, por exemplo, era mais fácil conseguir altos índices de audiência. No entanto, o futuro parece ser uma era de abundância, com centenas de canais, sites de mídia nacionais, podcasts, newsletters, perfis no Twitter, páginas no Facebook e aplicativos de mídia. Cada uma dessas fontes de mídia pode alcançar milhares ou milhões de pessoas em um dia. Esses publicadores são transmissores. Seu trabalho não é nem um pouco viral. Dizer que uma ideia “tornou-se viral” depois que ela apareceu na página de capa do The New York Times é quase tão tolo quanto dizer que um comercial “tornou-se viral” depois de aparecer no Super Bowl ou dizer que o E. coli “se torna viral” quando muitas pessoas que comem no mesmo restaurante ficam doentes. As palavras têm significados e até mesmo a mais elástica definição de viralidade não tem nada a ver com tais eventos de um-para-mil (ou de um-para-100 milhões). A disseminação de um vídeo viral não é em grande parte viral, mas também não é totalmente uma transmissão. Para ser mais preciso, os estudos de redes sociais sugerem que a maioria dos hits virais envolvem um ou vários eventos de contaminação em massa, que têm a seguinte aparência...

...em que um post do Facebook, um lugar favorável no Drudge Report, ou um segmento bem assistido no Fox News alcança milhares e milhares de

pessoas instantaneamente e, então, uma pequena fração desse grupo infectado a passa adiante novamente. Quase nada realmente se torna viral, mas algumas ideias e alguns produtos são mesmo mais infecciosos do que outros. Eles são compartilhados e discutidos em taxas acima da média. No entanto, para ficarem grandes, eles precisam que a transmissão os empurre para o fluxo principal, onde as pessoas os encontrarão e compartilharão: a estante de livros no Walmart, o tuíte dos Kardashian, a bomba de água proverbial. Foi o caso de Cinquenta tons de cinza no final de 2011. Tornou-se um hit às escuras, um produto cujo grande público era invisível para a maioria das proeminentes medições de popularidade. Ele não estava em nenhuma lista de best-sellers. Ninguém lera sobre ele no jornal. No entanto, Cinquenta tons de cinza já era infeccioso. Só precisava de uma bomba maior.

Em 6

de janeiro de 2012, Anne Messitte, então editora do selo Vintage Books na Random House, recebeu um exemplar on-demand em brochura de Cinquenta tons de cinza, que vinha sendo passado pelos departamentos de publicidade e editorial de um outro selo em sua empresa. Era uma sextafeira. No sábado, ela leu o livro em uma sentada só. Messitte sabia pouco sobre o romance além do fato de que Cinquenta tons de cinza estava gerando uma agitação entre mães do Upper East Side e de Westchester, um sólido condado de classe média alta logo ao norte da cidade de Nova York. “Eu fui jantar com algumas amigas naquela noite e elas me perguntaram o que eu tinha feito o dia todo”, ela me disse. “Eu disse a elas que havia lido o livro Cinquenta tons de cinza. Imediatamente alguém no jantar disse que sua amiga em Westchester havia lido e amado o livro.” Na semana seguinte, Messitte leu o segundo livro, Cinquenta tons mais escuros, e sentiu-se determinada a encontrar-se com James. Havia apenas um problema: “E. L. James” era o pseudônimo de uma autora de primeira viagem. Messitte não sabia como a encontrar. Enquanto isso, uma outra mãe influente na cidade de Nova York estava fazendo uma descoberta simultânea. Lyss Stern, fundadora do Diva Moms, um grupo social para mães ricas com um vigor do Upper East Side, visitou a grande Barnes and Noble na Union Square para achar Cinquenta tons, por sugestão de uma amiga. No entanto, em janeiro de 2012 o nome da autora “E.

L. James” nem mesmo estava no sistema da livraria. “A mulher no balcão olhou para mim como se eu fosse louca”, disse-me Stern. Sendo assim, Stern comprou o e-book on-line. Como Messitte, ela terminou a leitura em um dia. Repentinamente obcecada, ela evangelizou as pessoas sobre Cinquenta tons em suas newsletters do DivaMoms e convidou E. L. James para ir até Nova York para uma festa literária em sua homenagem em uma grande cobertura no Chelsea. Uma das assinantes da newsletter do Diva Moms era Messitte. Ela enviou um e-mail a Stern para ir ao evento, identificando-se tanto como leitora quanto como editora. Stern respondeu-lhe por e-mail que as entradas para o evento estavam esgotadas e encaminhou o seu pedido a Valerie Hoskins, uma agente cinematográfica que estava ajudando James a navegar em sua crescente fama. Em 24 de janeiro de 2012, as três mulheres, Messitte, Hoskins e E. L. James, encontraram-se nos escritórios da Vintage em Manhattan para discutir a possibilidade de relançamento de Cinquenta tons em uma publicação em brochura. James estava ouvindo diretamente dos leitores, livreiros e bibliotecários sobre sua dificuldade em encontrar o livro para aquisição e estava ansiosa para aumentar a sua disponibilidade. James tinha opiniões fortes e específicas sobre como ela queria que seu livro fosse apresentado, em formas tais como embalagem, que eram inesperadas para o gênero do romance. Ela havia feito o design de suas próprias capas, estampando a agora icônica gravata de cor prata, uma alusão tanto ao ambiente corporativo quanto ao tema do bondage. “Eu achei isso brilhante”, disse Messitte. “As pessoas que pensam de forma convencional haviam dito a Erika que o livro deveria se parecer mais com um romance. Erika queria que fosse diferente. A distinção das capas abriu o leque dos livros para um público bem mais amplo.” Na época, Messitte não era editora nem de romance nem de livros eróticos, estando livre de noções pré-concebidas do gênero. As três mulheres conversaram sobre a publicação do livro não como uma ficção romântica, mas sim como um best-seller de frente de loja, na esperança de que pudesse haver uma chance de lançar um livro que fosse transcender o gênero, tentando posicioná-lo como fenômeno cultural. Eu me encontrei com Messitte em seu escritório em 2016. Queria saber mais sobre a história do blockbuster Cinquenta tons, mas também queria saber mais sobre sua editora. Em janeiro de 2012, o livro era uma imagem

na tela do radar das editoras. Dentro de poucos meses, seria a sensação mundial da cultura pop. O que Messitte viu no livro antes do restante do mundo? Ela certamente não viu grandes evidências de vendas. Segundo os melhores dados de público disponíveis no começo de 2012, Cinquenta tons não tinha vendido mais de uns poucos mil exemplares em brochura em todos os Estados Unidos. No entanto, Messitte estava monitorando com atenção as conversas que cresciam na rede. Ela sabia que uma excitação fora do comum precede vendas fora do comum e a reação a Cinquenta tons era profundamente incomum. Pelos bairros centrais de Nova York e suburbanos, um certo grupo demográfico de mulheres, pessoas inteligentes e que liam muito, com amplas conexões sociais, estavam falando clamorosamente sobre o livro. “Muito desse negócio [editorial] se resume a risco informado e tem base em intuição, e nós podíamos ver que alguma coisa estava acontecendo”, disse ela. Pesquisas no Google pelo livro foram às alturas em estados com mais populações urbanas, como Nova York, Nova Jersey e Flórida. Em 10 de fevereiro, depois de duas semanas de trocas de e-mails e telefonemas, Messitte enviou a Hoskins uma oferta para que a Vintage publicasse a trilogia de Cinquenta tons e, depois de um mês de negociações entre a autora, o Knopf Doubleday Publishing Group e a Writer’s Coffee Shop, um contrato foi assinado em 7 de março de 2012, passando os direitos de publicação para a Vintage. Duas semanas depois, em 18 de março, Cinquenta tons de cinza estreou no lugar de número um no The New York Times, na lista que combinava livros físicos e e-books dos best-sellers de ficção. Em 25 de março, Cinquenta tons mais escuros juntou-se à lista, ficando com o segundo lugar. No dia seguinte, a Universal Pictures e a Focus Features anunciaram uma parceria para o desenvolvimento de um filme baseado no primeiro livro da trilogia Cinquenta tons. Em 1o de abril, Cinquenta tons de liberdade apareceu em terceiro lugar na lista de bestsellers. Se um livro vende um total de 1 milhão de exemplares, é um best-seller histórico. Na primavera e no verão de 2012, a Random House estava imprimindo 1 milhão de exemplares da trilogia Cinquenta tons todas as semanas. Agora, com mais de 150 milhões de exemplares vendidos, Cinquenta tons de cinza é o livro mais vendido na história da Random House.

A história de Cinquenta tons é um paradoxo. Como pôde um livro tornar-se viral em um mundo em que “nada realmente se torna viral”? Imagine por um momento que estamos sentados em um laboratório, observando a cascata de informações de Cinquenta tons florescer a partir de um único ponto em 2011. Essa imagem tem qual aparência: uma série de compartilhamentos de um-para-um ou um-para-dois em milhares de gerações, como ocorre com o vírus da gripe?

Ou ela seria como uma transmissão tradicional, com rebentos de compartilhamentos sociais e diversos destinatários da informação passando adiante as informações para seus amigos?

O mundo não-digital não provê aos pesquisadores ou jornalistas um mapa claro de influência e disseminação social. Nós temos de fazer algumas

inferências. No entanto, depois de trocar correspondências com Anne Messitte, Lyss Stern, Amanda Hayward e a própria E. L. James, vim a pensar que, embora os livros da trilogia Cinquenta tons tenham se tornado uma espécie de garotos-propaganda da viralidade, a trilogia na verdade foi a beneficiaria de três distintas transmissões de um-para-1 milhão. Primeiramente, se beneficiou de uma prototípica transmissão às escuras, à qual praticamente ninguém que falava sobre o fenômeno de Cinquenta tons parece ter dado muita atenção, exceto pela própria James. “Quando publiquei os livros com a Writer’s Coffee Shop, vários fãs da história deram ao livro cinco estrelas no Goodreads”, ela me disse. O Goodreads, site de resenhas de leitores, oferece prêmios aos livros escolhidos pelos leitores todos os anos e pelo fato de Cinquenta tons de cinza ter tantas resenhas com cinco estrelas, o livro foi indicado na categoria de melhor romance em novembro de 2011. No total final, Cinquenta tons de cinza recebeu 3.815 votos, mais do que qualquer outra obra romântica, exceto por Amante libertada, da autora bestseller J. R. Ward. Essa finalização em segundo lugar levou o romance a cair na atenção não apenas de outros leitores de romances, como também de executivos de Hollywood. Em dezembro, lembrou-se James, ela estava recebendo propostas de estudos cinematográficos que buscavam os direitos de adaptação do romance. “O Goodreads teve uma boa parcela a ver com isso de trazer [Cinquenta tons] à atenção dos leitores”, disse ela. Como uma celebridade tuitando um vídeo para outras celebridades, o voto no prêmio do Goodreads transmitiu o romance para milhares de leitores e executivos de entretenimento. Esse é um detalhe pequeno, porém crítico, no mistério de como Cinquenta tons ficou tão grande tão rápido. Vários meses antes de que qualquer leitor tradicional que não acompanha fanfic nos Estados Unidos ou na Europa, tivesse ouvido falar do livro ou de sua autora, ele já havia atraído tantos leitores a ponto de ter recebido o segundo número mais alto de votos on-line na categoria de romance romântico publicado naquele ano. Se Cinquenta tons ainda não havia se tornado viral em novembro de 2011, como tantas pessoas já tinham conhecimento do livro? Isso nos leva à segunda transmissão sutil: o próprio mundo do site FanFiction.net. James já era uma celebridade da fanfic com mais de 5 milhões de leitores antes de ser encontrada pela Random House. Muito tempo antes de ser “E. L. James”, Erika Leonard era Snowqueens Icedragon, uma transmissora às escuras

escrevendo para um público absurdamente grande de leitores que as editoras tradicionais de Nova York não podiam ver nem medir. Leitores compraram o e-book, deram cinco estrelas no Goodreads e votaram nele como obra romântica do ano, tudo isso antes do mundo das editoras lidar com o fenômeno que florescia. Quando James publicou seu livro em 2011, ela não precisou de uma cascata viral para alcançar centenas de milhares de leitores devotados. Ela já os tinha. Em terceiro lugar, para alcançar um público realmente global e tornar-se uma das autoras de livros mais vendidos de todos os tempos, James precisava do poder de distribuição e marketing de uma grande editora como a Random House. A vasta maioria da publicidade e do sucesso do livro aconteceram depois que Messitte e James fecharam o acordo em 2 de março de 2012. Uma semana depois, em 9 de março, The New York Times proclamou sonoramente a aquisição da Random House em uma história de capa que chegou a milhões de pessoas, tanto impressa quanto on-line. No começo de abril, uma entrevista com James era a história chamativa de capa da revista Entertainment Weekly, que tem uma circulação de cerca de 2 milhões de exemplares. Em 17 de abril, ela apareceu em entrevistas tanto no programa Good Morning America, da ABC, quanto no show Today, dois programas matinais que têm uma audiência combinada de cerca de 10 milhões de telespectadores. No dia seguinte, a revista semanal Time, a mais lida nos Estados Unidos, com mais de 10 milhões de leitores combinados tanto da revista impressa quanto de sua versão digital, nomeou E.L. James como uma das cem pessoas mais influentes do mundo em seu pacote de histórias de capa. Não resta nenhuma dúvida de que uma boa parte do sucesso de Cinquenta tons foi devido ao comum boca-a-boca. De fato, Messitte foi inicialmente atraída para o trabalho de James em parte porque muitas pessoas pareciam desesperadas para falar sobre ele. No entanto, também não existe nenhuma dúvida de que Cinquenta tons tenha alcançado níveis históricos de sucesso por causa de vários momentos de um-para-1 milhão. A publicação inicial do e-book alcançou muitos leitores de fanfic com um único golpe, como se fosse uma bola de boliche derrubando um grupo de pinos previamente arranjados. A popularidade do livro foi distribuída por muitos veículos de mídia tradicionais, que evangelizaram dezenas de milhões de leitores de jornais e telespectadores em relação ao livro; em seguida, outros veículos de mídia, como The New

York Times e Wall Street Journal, propagaram ainda mais o evangelho sobre o livro, louvando-o por seu sucesso para um público de ainda mais milhões. Eis a diferença entre a viralidade na epidemiologia e na cultura: um vírus de verdade espalha-se somente entre pessoas. No entanto, uma ideia “viral” pode disseminar-se entre transmissões. Para que a maioria das ideias ou dos produtos que se dizem ser virais se tornem hits imensos, eles quase sempre dependem de vários momentos em que se espalham para muitas e muitas pessoas a partir de uma única fonte. Não como ocorre com a gripe e sim como ocorreu com a bomba de água da rua Broad.

A placa de Petri da fanfic que fez nascer Cinquenta tons é, como muito da cultura moderna, uma nova tecnologia que serve a um velho propósito. Definida de forma ampla, a fanfiction pode ser tão antiga quanto a literatura e a base de algumas das histórias mais famosas já escritas. As mais populares peças de Shakespeare, entre elas, Romeu e Julieta e Noite de Reis, usaram antigas histórias como base para nova poesia. A Divina Comédia de Dante está profundamente repleta de alusões à Bíblia e a clássicos antigos. Dante era tamanho fanboy a ponto de fazer-se encontrar Virgílio e Homero no texto e, ruborizando, descrever como eles e outros poetas “fizeram com que eu fosse parte de sua tribo”. Embora os romancistas nem sempre se chamassem “fãs” e seu trabalho não fosse “fanfic”, eles nunca estiveram livres de influências. O materialfonte de Cinquenta tons, Crepúsculo, também era uma adaptação, levemente baseada na trama de Orgulho e preconceito, porém, com a compostura aparentemente de sangue frio do personagem sr. Darcy atualizada para fazer com que ele literalmente tivesse o sangue frio. O clássico de Jane Austen é, ao mesmo tempo, uma espécie original e um clássico de seu gênero, o metamito da inversão de poder. Muitos romances seguem o mesmo arco dramático: um homem poderoso deseja a mulher menos poderosa e, ao se apaixonar, perde seu domínio, tornando a união possível. É a história de A Bela e a Fera, em que a pequena mulher doma o grande monstro. É o caso de Jane Eyre, em que o nobre homem rico e distante se derrete pela babá de classe trabalhadora. “Tudo no mundo está relacionado a sexo, menos o sexo”, disse Oscar Wilde. “Sexo está relacionado a poder.” Cinquenta tons é uma luta de poder, em que o sexo é o ambiente central para a inversão de poder.

A literatura clássica é, de certa forma, despótica. Temos o autor do texto e milhões de leitores cuja única opção é submissamente acompanhar a história. Esses autores poderiam parecer deidades distantes e, como escreveu John Updike, “deuses não respondem cartas”. No entanto, na democracia direta da fanfiction, os leitores são escritores, os escritores também são leitores e eles todos respondem cartas. Nessa pacífica revolução contra a soberania da autoria, um público de leitores se junta para tornar-se o público um do outro, e, de vez em quando, produz uma peça artística que eclipsa sua influência. Acima de tudo, um escritor popular de fanfiction é um leitor talentoso do material-fonte, das interpretações de seus pares e da recepção de seu público. Está claro que, mesmo se ninguém fora do site FanFiction.net tivesse comprado um exemplar dos livros de James, ela era uma leitora ávida de todos os três grupos. No site, ela passava horas nas cadeias de comentários sobre suas histórias, absorvendo louvores, anotando sugestões e acolhendo feedbacks de bom grado. Segundo a própria autora, ela era exaustivamente devotada a estar em contato com os fãs. Desde o começo, Cinquenta tons era uma conversa entre Erika Leonard e outros autores de fanfic, entre Snowqueens Icedragon e suas dezenas de milhares de devotados leitores on-line, entre E. L. James e sua legião global de fãs e, finalmente, entre os próprios fãs. “A conversa é a coisa mais poderosa para a venda de livros, e esse livro abordou uma conversa que as mulheres queriam ter com outras mulheres”, disse Messitte. “Mães e filhas discutiram-no. Pessoas que não tinham lido um livro em quinze anos discutiram-no.” Muitas pessoas queriam ler Cinquenta tons porque já era popular. Apesar de toda a estratégia de marketing cuidadosamente planejada pela Random House, a melhor propaganda do livro foi sua própria notoriedade. Muitos leitores que tinham pouco interesse prévio em bondage, narrativas românticas ou até mesmo livros em geral compraram exemplares da trilogia Cinquenta tons pois estavam curiosos para participar de um fenômeno cultural. Eles queriam entrar em um clube lotado simplesmente por já estar lotado.

Como a popularidade produz mais popularidade?18 Vários anos depois de seu trabalho com cascatas globais, Duncan Watts e dois pesquisadores na

Universidade Columbia, Matthew Salganik e Peter Dodds, projetaram um estudo para pesquisar o fenômeno de hits na música. Eles criaram vários sites de música, ou “mundos”, com as mesmas 48 músicas e pediram que os visitantes baixassem suas canções favoritas dentre elas. Dessa forma, os pesquisadores poderiam observar a evolução da popularidade das mesmas canções, como se estivessem em universos paralelos. Havia uma manobra esperta. Alguns dos websites mostravam aos visitantes uma classificação das canções mais populares, mas outros sites não tinham essas listas. Embora cada mundo começasse com zero downloads, eles evoluíram e ficaram bem diferentes. No Mundo da Música 1, a canção que estava no topo era “She Said”, da banda Parker Theory. No Mundo da Música 4, contudo, essa música estava em décimo lugar. O mais importante era que as classificações eram como esteroides para os hits: as pessoas que mais podiam vê-las tinham maior probabilidade de fazer o download de músicas que já eram populares. A mera existência das classificações, o simples sinal de popularidade, fazia com que os maiores hits ficassem ainda maiores. Em um experimento de acompanhamento, Watts e seus camaradas cientistas ficaram um pouco insolentes: eles inverteram as ordens nas listas de classificações.19 Alguns visitantes iam a sites de música em que a canção menos popular era falsamente listada como a número um. Você provavelmente pode adivinhar o que aconteceu. Canções inicialmente ignoradas foram às alturas em termos de popularidade. Canções anteriormente populares foram ignoradas. Simplesmente acreditar, mesmo que erroneamente, na popularidade de uma música fez com que muitos participantes tivessem mais probabilidades de baixá-la. As classificações criaram superastros, até mesmo quando mentiam. Alguns consumidores compram produtos não porque são melhores, mas simplesmente porque são populares. O que estão comprando não é apenas um produto, mas também um pedaço da própria popularidade. O mercado cultural dos dias de hoje é um pan-óptico da cultura pop, onde todos podem ver o que o mundo está assistindo, ouvindo e lendo. Em tal mundo, é inevitável que plateias historicamente grandes vão se aglomerar em volta de um punhado de mega-blockbusters, tais como Cinquenta tons, ou, mais recentemente, o jogo de realidade aumentada Pokémon GO. Esta é a lição de Salganik, Dodds e Watts: produtos culturais haverão de disseminar-

se mais rapidamente e de forma mais ampla quando todos puderem ver o que todo o resto do mundo está fazendo. Isso sugere que o futuro de muitos mercados criadores de hits será totalmente aberto, radicalmente transparente e muito, muito desigual. Na análise final, esse talvez tenha sido o mecanismo chave no fenômeno de Cinquenta tons. Como um vídeo viral, ele foi propelido por uma combinação de transmissões tradicionais (o show Today e o jornal The New York Times), transmissores às escuras (o imenso aglomerado de fanfic e grupos do Facebook), e o compartilhamento comum (leitores falando com leitores). Milhões de pessoas ficaram regozijadas, enlouquecidas e pasmadas com o livro, mas existem milhares de livros para regozijarem, enlouquecerem e deixarem as pessoas pasmadas. Nenhum deles vende 100 milhões de exemplares. O que separa Cinquenta tons do resto é o fato de que sua notoriedade tornou-se um produto distinto; pessoas que nem mesmo gostavam de ler ainda não queriam ser as últimas a ler tal livro. Dessa forma, a saga de E. L. James é tanto extraordinária quanto típica. Em relação a muitos feitos culturais, a arte em si não é a única coisa digna de ser consumida; a experiência de ter visto, lido ou ouvido a arte com o propósito de ser capaz de falar sobre isso é, em si, sua própria recompensa. Tais consumidores não estão apenas comprando um produto: o que estão comprando é a entrada em uma conversa popular. O produto é a popularidade.

Desde

que Cinquenta tons conquistou o mundo, há várias tentativas da sociologia pop para explicar seu sucesso. Alguns destacaram que as vendas de romances sempre aumentam durante crises econômicas, visto que as mulheres buscam o conforto de rasgadores de corpetes.20 Outros argumentam que o advento dos e-books significou que até mesmo mulheres urbanas poderiam ler livros eróticos sem se sentirem julgadas em público. Seria gratificante se Cinquenta tons oferecesse uma lição fácil sobre como criar o produto mais popular na história do mundo. Infelizmente, seu próprio status de evento atípico faz dele tanto um alvo para a elaboração de teorias quanto uma extraordinária exceção. Não restam dúvidas de que o livro beneficiou-se das transmissões das mídias tradicionais. No entanto, se o poder de transmissão de uma editora fosse o bastante para garantir uma

sensação global, então milhares de livros venderiam mais do que 100 milhões de exemplares por ano. Em vez disso, Cinquenta tons pede uma amostra de humildade de editores, escritores e, sim, de pessoas como eu que estão tentando explicar seu sucesso. Para entender por que alguns hits ficam tão grandes, não se pode apenas observar as características (como familiaridade) ou estratégias de marketing (como momentos de um-para-1 milhão). As transmissões vêm primeiro, mas não são o bastante. É inevitável que um punhado de produtos ficarão imensamente populares a cada ano pelo simples motivo de que, uma vez empurrados para dentro da consciência nacional, as pessoas simplesmente não conseguem parar de falar sobre eles. Então como se faz as pessoas falarem?

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O PÚBLICO DO MEU PÚBLICO Aglomerados, grupinhos exclusivos e cultos

Vincent Forrest estava batalhando na faculdade no não auspicioso ano de 2008 e, como muitas pessoas jovens daquela geração afetada pela recessão, encontrava-se em um emprego pouco inspirador em uma loja de presentes em sua cidade natal de Grand Rapids, Michigan. Os negócios estavam lentos e Forrest, um cartunista amador, passava seu tempo folheando as páginas de cartões de saudações. Ele reescrevia os slogans dos cartões com seu senso de humor: esquisito, distante e sucinto, e os passava pelo escritório. Era basicamente um jogo para funcionários entediados e não uma concorrência pelo estrelato. No entanto, ocasionalmente, o tédio é uma cavidade em que nasce a criatividade. Os colegas de Forrest ficaram deleitados com seu hobby e insistiam que ele tinha um talento incomum. Sendo assim, em maio de 2009, ele abriu uma loja na plataforma Etsy, um mercado on-line para artistas independentes, para vender bótons com suas piadas. Seus primeiros dezoito designs encontraram um pequeno público. Ele continuou escrevendo. Ele compartilhava piadas com seus amigos mais próximos para obter feedback sobre elas e imprimia as prediletas deles. Experimentou piadas políticas (que os compradores frequentemente ignoravam), piadas com a cultura pop (de que os consumidores gostavam) e tolas piadas de gramática (as mais vendidas). Ele continuou aprendendo, mexendo aqui e ali, imprimindo. A loja de bótons de Forrest tem atualmente mais de quinhentos designs e mais de 100 mil vendas. Entre 2011 e 2014, ele manteve o recorde do site dos itens mais vendidos no departamento de Itens Feitos à Mão da Etsy, e sua loja permanece entre as mais populares na história do site. O sucesso de alguém como Vincent Forrest me interessou por dois motivos: primeiramente, ele é uma voz pequena sem nenhum megafone. No

Capítulo anterior, nós vimos que, quando pesquisadores estudaram a evolução de hits gigantescos on-line, o caminho mais confiável para o sucesso fiava-se em rajadas de um-para-1 milhão em vez daquilo que você tipicamente chamaria de um hit “viral”. Porém, pessoas como Forrest não têm acesso ao marketing “musculoso” de uma empresa como a Random House. Eles poderiam nunca atingir uma viralidade literal, no entanto, para começar, precisam construir sua própria transmissão. Isso quer dizer que eles têm de fazer algo que seja digno de ser compartilhado. Começando a partir de tão pequena base de exposição, o sucesso inicial de Forrest dependia de redes de pessoas que ele não conhecia e nunca encontraria. Ele precisava que esses estranhos adorassem suas piadas e as passassem adiante. É o segundo motivo pelo qual a história de Forrest me interessa: não é uma história sobre bótons. Trata-se de uma história do porquê de as pessoas gostarem de compartilhar coisas privadas como piadas internas. “A natureza da piada interna é de que ela cria uma oportunidade para que as pessoas conheçam umas às outras”, disse-me Forrest. “Se um bóton diz: ‘Eu gosto de ler’, não existe uma conversa nisso. Muitas pessoas gostam de ler. No entanto, uma piada específica sobre Jane Eyre somente será notada por um número menor de pessoas que adoram Jane Eyre e que são capazes, genuinamente, de se relacionar com aquele conteúdo.” O público menor, com conexões mais densas, ganha do grupo maior e difuso. A primeira metade deste livro concentrou-se em uma pergunta simples: por que os indivíduos gostam do que gostam? No entanto, os últimos capítulos mostraram que tal pergunta é insuficiente. As pessoas não tomam decisões individualmente. Elas não são apenas criaturas de influências (“Eu comprei isso porque é popular”). Elas também são criaturas autoexpressivas (“Eu comprei isso por ser a minha cara”). As pessoas compram e compartilham todos os tipos de coisas porque querem que as pessoas vejam que elas as têm. Vincent Forrest vende bótons para serem usados em público. Ele vende ornamentos de identidade de três centímetros. Quando alguém posta um artigo on-line, as pessoas com frequência dizem que o artigo é “compartilhado”. Compartilhado é um uso interessante, porque, no mundo físico, tende-se a compartilhar coisas que são exclusíveis. Quando você compartilha um cobertor, há menos dele para mantê-lo aquecido. Quando você compartilha uma dúzia de biscoitos, você come menos do que doze biscoitos. No entanto, as informações são diferentes.

Informações são uma fonte não-exclusível. Quando você compartilha alguma coisa on-line, você não está abrindo mão de nada. Na verdade, está ganhando alguma coisa bem valiosa: um público. Compartilhar, no contexto das informações, não é realmente compartilhar. Está muito mais para conversar. Sendo assim, quando alguém compartilha informações, como um artigo, uma piada ou um bóton, está fazendo alguma coisa por outras pessoas ou está somente falando de si mesmos?

Vincent Forrest nasceu, foi criado e educado em Grand Rapids. Na escola secundária, ele era um camarada que gostava de contar piadas e que tinha um caderno de desenho e um gostinho por testar os limites da propriedade humorística. “Eu sempre gostei de experimentar piadas e descobri que sou tão esquisito quanto outras pessoas permitam que eu seja”, disse ele. “Se você rir, eis o novo zero, e eu continuarei seguindo em frente. Se você não rir, verei que esse é o limite e recuarei.” Quando se formou na escola secundária, Forrest passou vários anos na faculdade comunitária antes de se inscrever na Universidade Estadual de Grand Valley, logo descendo pela rua do Lago Michigan para estudar arte. Depois de deixar a casa de seus pais e se mudar, ele trabalhou na loja de presentes para pagar o aluguel, mas a combinação de uma semana com 44 horas de trabalho e as aulas no estúdio era punitiva. “Eu desenvolvi uma insônia terrível”, disse ele. “Eu tinha pesadelos por causa da ansiedade, mas tudo bem, pois pelo menos os pesadelos me diziam que eu tinha caído no sono.” Depois de um semestre, Forrest trocou seu foco de estudo principal para língua inglesa. Na loja de presentes, Forrest reescrevia as piadas em catálogos de cartões como uma forma de sonhar acordado enquanto vivia a labuta de um trabalho como caixa. Porém, em 2009, uma confluência de eventos não relacionados deu a ele a confiança para vender e ganhar dinheiro com suas piadas. Uma devolução parcial de impostos do governo federal foi simplesmente o bastante para gastar em uma máquina de fazer bótons. Ele abriu uma loja na Etsy e usou o pseudônimo Beanforest.

“A princípio, era só um jogar de coisas esquisitas no espaço”, disse ele. “Algumas das piadas não funcionavam. Mas aquelas que funcionavam estavam vendendo. As pessoas estavam compartilhando as piadas no Facebook e marcando os amigos nas publicações.” Logo quando as vendas estavam crescendo, ele e sua namorada terminaram o namoro e Forrest aproveitou o momento para assumir um grande risco. Em julho de 2009, ele largou o emprego para trabalhar com bótons em tempo integral. Muitas das tiradas de Forrest têm como alvo um nicho peculiar: introvertidos com uma tendência nerd, que provavelmente citariam um novo meme da internet como se estivessem citando Otelo, de Shakespeare, ou The Elements of Style [Os elementos de estilo], de Strunk e White. Dentro de dois anos, o site de Forrest tornou-se a loja com o maior número de vendas de itens feitos à mão na Etsy. Entre alguns de seus bótons mais populares de todos os tempos estão: “... e este porquinho ficou em casa comendo bacon, não se dando conta do horror de suas ações.” “Não dá para confiar em mim, em uma livraria, com um cartão de crédito.” “Quando eu acordo de manhã e me alongo, faço barulhos que nem um bebê dinossauro.” “Não seria incrível se a vida fosse um imenso musical?” “É digno de nota mencionar que eu sou realmente bom em interpretar errado os sinais sociais.” “Verifique a ortografia antes de arruinar seu dia.” “Se eu adormecer na luz direta do sol, me deixe. Estou fazendo fotossíntese.” “Eu me fui, para sempre. [Saída, perseguido por um urso.]” (uma fala de Conto do inverno, e seu bóton mais popular de Shakespeare) “Eu nunca fui da opinião de que eu deveria escrever para o maior público quanto fosse possível”, disse Forrest. “Eu quero escrever para pessoas que tenham interesses estritos pelos quais são apaixonadas. Estou essencialmente escrevendo piadas internas que criam um magnetismo de entendimento.”

Perguntei a Forrest se ele tinha uma filosofia pessoal sobre o porquê de algumas piadas simplesmente funcionarem. Ele me disse que poderia ter sim, mas que precisaria colocar a resposta por escrito. Vários dias depois, às 8h34m da manhã, recebi um e-mail dele que começava assim: “O sol está alto no céu e eu passei as últimas cinco horas e meia trabalhando nessas questões.”1 O e-mail tinha mais de mil palavras e ele me garantiu que muitos parágrafos de pensamentos semifinalizados tinham sido eliminados no processo. Era irônico ou perfeitamente adequado que alguém que ganhava a vida escrevendo sentimentos em três centímetros em um bóton tivesse dificuldades em explicar o que ele havia aprendido durante vários anos com tais sentimentos e seu percurso acumulado. Eu li o e-mail repetidas vezes. Era uma perfeita caixa de doces cheia de insights sobre ideias que eu havia revirado na minha cabeça nos primeiros capítulos deste livro, como a dança entre a surpresa e a familiaridade e o poder da concisão poética. Eis a ideia de Forrest sobre como ser interessante em três centímetros. Ela resume de forma bela o aha estético, a tensão entre o ser único e a capacidade de se relacionar com a ideia, que por fim tem a ver com a criação de uma nova semente de significado para as pessoas. O tamanho de um button limita o quanto pode ser dito e ainda ser legível... Quando estou fazendo bem o meu trabalho, estou dizendo algo preciso sobre tópicos que são pessoais para mim ou para aqueles a quem sou chegado (seja em termos educacionais, de pânico existencial ou relacionado a meus animais de estimação, etc.) de forma tal que seja específico o bastante para ser pessoal e para que outros com os mesmos interesses que eu possam se relacionar com o que está escrito... O sucesso reside em estabelecer uma conexão significativa com meu público. Sobre de onde vem o significado: Especificidade e familiaridade são importantes. Detalhes podem fazer a diferença entre alguma coisa que parece vir de uma experiência (e ser significativa) versus alguma coisa geral e passiva. Eu quero ser instruído o bastante sobre um assunto a ponto

de sentir que tenho alguma coisa real ou nova a dizer. Clientes solicitaram designs para uma ampla gama de assuntos, mas até mesmo se eu gostar do tópico, existem muitas pessoas mais espertas do que eu pelo mundo afora e a maioria dos frutos que estavam baixos nas árvores já foram colhidos. Há boas chances de que, mesmo que uma piada pareça nova para mim, ela já tenha sido passada para o público que mais provavelmente a compraria. Conhecimento e interesse pessoal não garantem que tudo que eu faça seja novo, mas isso reduz significativamente o risco de mastigar material velho. Sobre o caos dos hits: Parece quase impossível dizer a que as pessoas responderão. Eu escrevi uma boa quantidade de hits e cometi pelo menos o mesmo número de tentativas fracassadas e, na maioria dos casos, seria difícil explicar porque uma ideia vira campeã de vendas e a outra é um completo fracasso. Eis a observação mais interessante de Forrest sobre por que ele achava que as pessoas compravam seus bótons. “As melhores piadas são tão específicas que parecem particulares”, ele me disse. “É daquela surpresa, eu acho, que as pessoas gostam; de que eu compartilhei alguma coisa que parecia pequena e pessoal demais para que qualquer outra pessoa soubesse dela.” Mais adiante em seu e-mail, Forrest disse que suas piadas serviam como “uma pequena forma de comunicar afinidade”. Forrest diz que as pessoas compram seus bótons porque suas piadas são tão específicas que parecem particulares. Então, ele afirma que as pessoas compram seus bótons para se comunicarem com seus amigos. Essas interpretações inicialmente parecem contraditórias. Por que alguém compraria algo particular com o propósito de compartilhá-lo? Mas talvez seja exatamente isso: uma piada interna é uma rede particular de entendimento. Ela cristaliza um grupo interno, uma espécie de culto suave, ao qual indivíduos únicos sentem que pertencem. Os produtos físicos de Vincent Forrest são bótons e ímãs. No entanto, o que ele realmente está vendendo é uma outra coisa: um sentimento que parece tão pessoal que você simplesmente tem de falar sobre isso.

Toda vez que você passa adiante uma informação em uma rede social, seja on-line ou off-line, sua suprema popularidade depende do seu público decidir contar sobre ela a outras pessoas, o público deles. Você se depara com uma questão simples: “Essa notícia é certa para o meu público?” Então o seu público aplica o mesmo cálculo para determinar se deve passá-la adiante a seus amigos: “Isso é certo para o meu público?” E o público deles, o público de seu público, faz o mesmo julgamento antes de contá-la a um grupo inteiramente separado de pessoas: “Isso é certo para o meu público?” A cada etapa, a notícia viaja cada vez para mais longe de sua fonte original. “Para criar conteúdo popular, não basta conhecer seus amigos ou seus seguidores”, disse Jure Leskovec, um analista de sistemas que estuda o comportamento on-line na Universidade de Stanford. “Isso tem a ver com conhecer os amigos de seus amigos e os seguidores de seus seguidores. Para que alguma coisa vire grande, ela tem de ser interessante para aqueles além de seu público imediato, o público de seu público.” Se compartilhamos informações com as pessoas a quem estamos conectados, uma outra forma de formular a pergunta por que as pessoas compartilham aquilo que elas compartilham? é perguntando: o que conecta as pessoas? Dentre os mais estabelecidos e consistentes princípios na organização dos seres humanos está uma ideia chamada “homofilia”. É uma palavra que parece engraçada e que comunica uma ideia simples: você é como as pessoas que o cercam, seus amigos, seu cônjuge, suas redes on-line e seus relacionamentos no escritório.2 Existe uma ideia relacionada, “propinquidade”, que diz que você gosta das pessoas que vê muitas vezes e se torna similar a elas, com frequência porque elas moram ou trabalham perto de você. Juntas, somos como as dimensões sociais de fluência e do mero efeito da exposição. Nós vimos como indivíduos gravitam na direção do familiar e tornam-se produtos de seu ambiente. O mesmo ocorre com grupos de pessoas. É exaustivo ter de explicar-se constantemente e depararse com confronto. É profundo e adorável estar perto de pessoas que parecem nos entender. Por cima, a homofilia parece tão óbvia que chega a parecer mundana. É apenas natural que engenheiros de São Francisco gostem da companhia de outros engenheiros de São Francisco ou que jovens mães católicas sintam uma afinidade com outas jovens mães católicas. Muito da pesquisa sobre a homofilia parece descobrir puro senso comum. Por exemplo, uma pesquisa

de 2011 feita com 7 mil adolescentes ingleses entre os quinze e os dezessete anos descobriu que “realização acadêmica” formava um elo fundamental em muitas amizades na escola secundária.3 Bem, naturalmente: não é necessário ser um sociólogo para lhe dizer que nerds andam com nerds. No entanto, as implicações da homofilia não são nem simples nem inofensivas. Ela pode ser uma força por trás da segregação racial ou do fanatismo. Crianças que crescem em bairros e escolas etnicamente mais diversos podem ter mais diversidade étnica em suas amizades, porém, falando em termos amplos, a homogeneidade racial dos grupos sociais é chocante. A média de brancos americanos tem 91 amigos brancos para cada amigo negro, asiático ou hispânico.4 A média do americano negro tem dez amigos negros para cada amigo branco. Talvez a mais impressionante estatística de amizades interraciais seja a seguinte: nos Estados Unidos, onde a maioria das crianças com três anos de idade não são brancas, até 75% das pessoas brancas não consegue citar um único amigo que pertença a uma “minoria”. O primeiro grupo social de uma criança é profundamente moldado por sua primeira vizinhança, algo que uma criança não tem como possivelmente controlar. O poder da geografia retorna com tudo quando as pessoas se tornam pais. Os pais de alunos com frequência se tornam amigos íntimos uns dos outros, e esses grupos sociais podem ser profundamente homofílicos também. Muitas escolas de ensino fundamental são pesadamente divididas por geografia (o que reflete rendas e grupos demográficos similares) e capacidades das crianças (o que reflete, até certo ponto, os genes dos pais, seus valores e status socioeconômicos). A geografia e as escolas moldam as redes sociais dos pais, três ou quatro décadas depois que a geografia e as escolas moldaram sua primeira rede social, quando eles ainda eram crianças. O fato de que as pessoas querem pertencer a bandos que pensam de forma similar a elas pode ser assustador quando o grupo está a uns poucos desvios do padrão da média cultural. Em 1984, o sociólogo britânico Eileen Barker publicou The Making of a Moonie [Criando um moonie], uma investigação feita durante sete anos da Igreja da Unificação com base em entrevistas com membros de um dos cultos mais populares dos Estados Unidos.5 Embora se veja muitos cultos predando pessoas pobres e não instruídas de lares partidos, Barker descobriu que os moonies tendiam a ser pessoas de classe média graduadas em faculdades e com famílias estáveis.6 As pessoas de fora

tinham certeza de que os moonies eram vítimas de privação de sono, transes e outros truques. Talvez, quisessem acreditar que apenas uma lavagem cerebral avançada poderia transformar alguém em um moonie. Em vez disso, o culto influenciava os novos membros por meio de técnicas mais inocentes: retiros de fins de semana, longas conversas, refeições compartilhadas e um ambiente de amor e respeito. As pessoas de fora não queriam contemplar a ideia de que qualquer um poderia gostar do conforto de um culto*. A verdade era talvez mais assustadora: os participantes moonies tinham a liberdade de sair (e muitos saíam dentro de uma semana) e aqueles que ficavam simplesmente se sentiam em casa. Uma das particularidades de um culto é o fato de que seus membros unem-se em oposição ao que eles vêm como sendo cultura mainstream opressiva ou ilegítima.7 Todavia, se você se lembrar de um Capítulo anterior, rejeitar uma norma ilegítima é precisamente a definição sociológica de ser “legal”. Então, qual é a diferença entre o que as pessoas consideram “fanatismo” versus o que consideram “legal”? Ambos os grupos se autoorganizam em torno da ideia de que o mundo não os entende. Ambos desenvolvem costumes que pertencem exclusivamente a eles. Talvez um culto seja uma versão extrema de homofilia. Porém, de certa forma, toda rede social é um culto suave, um lugar onde as pessoas podem, ironicamente, sentir-se como indivíduos ao pertencer a um grupo. Há centenas de artigos no BuzzFeed sobre introvertidos, entre eles: “31 sinais inconfundíveis de que você é um introvertido”, “23 coisas que todos os introvertidos são culpados de fazer”, “21 habilidades insanamente úteis que todo introvertido já dominou”, “15 coisas que os introvertidos deveriam saber sobre planejar casamentos” e “11 talentos que os introvertidos não percebem que têm”. Por que uma empresa de mídia soberbamente direcionada para a publicação de conteúdos “compartilháveis” ia querer escrever tanto sobre pessoas que, em teoria, guardam as coisas para si? Os introvertidos, como todas as pessoas, adoram ler sobre si mesmos na internet. Além disso, como todas as pessoas, gostam de compartilhar com seus grupinhos exclusivos evidências de que eles são distintos do que é mainstream. A verdade é que todo mundo é um pouco introvertido. Porém “14 formas como você provavelmente é tão introvertido quanto a média” não faz com que ninguém se sinta especial ou diferente. Leskovec, de Stanford, diz que existem dois loops de feedback básicos em todos os círculos sociais. Primeiramente, as pessoas buscam outros que

sejam como elas. Os sociólogos chamam isso de “separação”. Em segundo lugar, os indivíduos mudam para tornarem-se mais como o grupo que os cerca. Isso é chamado de “socialização”. Tais efeitos de separação e socialização são mais comumente estudados em cidades. No entanto, a internet também é uma metrópole universal, um mosaico de vizinhanças, muitas das quais são profundamente segregadas ou, pelo menos, visitadas por usuários com pensamentos similares. Existem cantos da internet visitados em quase sua totalidade por pessoas brancas ou pessoas negras, nacionalistas brancos ou feministas, tagarelas da mídia tanto da costa leste como da costa oeste ou fãs dos Wisconsin Packers. Eis uma breve explicação de como a separação e a socialização poderiam funcionar na rede social Twitter. Digamos que eu poste um artigo no Twitter sobre história chinesa. Milhares de pessoas veem o meu tuíte. Algumas dessas pessoas não se interessam por história chinesa e pode ser que deixem a minha rede, parando de me seguir no Twitter. Porém, algumas dessas pessoas gostam de história chinesa e passam o artigo adiante por suas redes ao “retuitá-lo”. De vez em quando, pessoas que veem esse retuíte, o público de meu público, podem vir a se juntar à minha rede. Este é um modelo muito simples de como informações viajam pela internet, mas há duas implicações importantes. Primeiramente, as redes sociais em si com frequência se separam ao juntarem pessoas que pensam de forma similar. Elas evoluem na direção da homofilia. Em segundo lugar, o crescimento da minha popularidade em uma rede social como o Twitter, Facebook ou Instagram tem a ver com o apelo não só para o meu público, mas também para o público de meu público. Uma outra coisa interessante acontece nessas redes sociais digitais. Com o passar do tempo, eu fico sabendo que tipos de mensagens obtêm mais atenção. Eu adoto as ideias e os estilos de escrita que obtêm mais sucesso por receberem um feedback positivo, tais como retuítes ou seguidores. Eu fico sabendo que a postagem de quadros dramáticos ou fotos engraçadas é algo bom e dá às pessoas motivos inteligentes para acreditar que aquilo que elas já pensam é o máximo. Eu fico sabendo que cinismo demais em relação a certas celebridades não é bem-vindo e que meus sentimentos pessoais em relação ao Coldplay são impopulares, logo, usar TOTALMENTE LETRAS MAIÚSCULAS PARA EXPRESSAR UMA SINCERA OPINIÃO POLÍTICA é embaraçosamente exagerado. Como se por osmose, o dialeto da rede torna-se meu próprio dialeto.

Em suma, a similaridade em redes sociais é bilateral. Minha rede se parece mais comigo e eu me pareço mais com a minha rede. Intuitivamente, Vincent Forrest entende ambos os lados dessa convergência. Ele mesmo admite que seus melhores bótons são aqueles que atraem ao círculo mais fechado. As pessoas querem compartilhar mensagens que elas julgam ser as mais pessoais. Porém ele também aprendeu que compradores da Etsy gostam de referências astutas à cultura pop e, sem vergonha alguma, piadas de nerds com gramática. Sendo assim, com o passar do tempo, ele fez mais bótons mesclando a cultura pop com piadas sobre leitura e sintaxe. Ele construiu sua própria rede social com dezenas de milhares de compradores, mas, ironicamente, fez isso não ao escrever piadas para todos eles de uma só vez, mas sim ao escrever piadas para uns poucos deles de cada vez.

Os aplicativos de celular mais populares do mundo são diversos tons de autoexpressão.8 Os aplicativos mais baixados na história do iPhone que não são jogos são Facebook, Facebook Messenger, YouTube, Instagram, Skype, WhatsApp, Find My iPhone, Google Maps, Twitter e iTunes U.9 Em outras palavras: mapas, vídeos e muita conversa. Se você acha que as contagens de download são tendenciosas, experimente ver as pesquisas independentes. Segundo um estudo da Niche de 2014, os usos mais comuns para o celular por parte dos adolescentes são: envio e recebimento de mensagens de texto, Facebook, YouTube, Instagram, Snapchat, Pandora, Twitter e telefonemas. Seis dos oito (envio e recebimento de mensagens de texto, Facebook, Instagram, Snapchat, Twitter e o velho telefone) são simplesmente diferentes ferramentas para a autoexpressão: visual, textual e por voz.10 Essas redes sociais realmente só funcionam quando são grandes.** Existe uma ideia chamada lei de Metcalfe, que diz que o valor de uma rede é proporcional ao seu número de usuários ao quadrado. Considere, por exemplo, um aplicativo de namoro. Com cinco usuários, ele é inútil. Até mesmo com uma centena de usuários, não será tão atraente assim. Porém com 10 mil usuários é bem fácil persuadir o usuário 10.001 a juntar-se ao aplicativo. Conseguir um usuário marginal é mais fácil quando a rede social já alcançou sua massa crucial. Mas se você precisa que milhares de pessoas

registrem-se em um produto antes que ele seja útil para qualquer participante, como você atrai o usuário Número Um? Quando o Tinder, o popular aplicativo de namoro, estava apenas decolando, Whitney Wolfe, a diretora de alcance e marketing de facto da empresa, deparou-se exatamente com esse problema.*** Ela precisava que muitas e muitas pessoas solteiras se juntassem ao aplicativo de uma vez em cada cidade. (Afinal de contas, mesmo que tivesse a inscrição de 100 mil solteiros na Califórnia, o aplicativo seria inútil para qualquer um em Baltimore.) A princípio, os problemas de Wolfe parecem não ter nada a ver com o desafio de Vincent Forrest de vender piadas internas. Porém a sua solução nos leva de volta à homofilia. Lembre-se das regras de Watts e de Leskovec para a popularidade: ideias disseminam-se de forma mais confiável quando pegam carona em uma rede existente de pessoas com conexões próximas e interesses idem.11 Em outras palavras, se você está tentando atrair grupos, encontre pontos de origem em comum. Para construir uma base inicial de usuários, Wolfe teve de ir até onde centenas, e esperava-se que milhares, de pessoas solteiras já estariam conectadas. Ela voltou para a faculdade. Wolfe havia se formado na Universidade Metodista do Sul, em Dallas, que é bem conhecida por sua cultura de bacanal. Ela entendia o que chamava de “experiência de faculdade sulista”. Para encontrar usuários, primeiro ela foi até as sororidades. “Eu entrava na casa e pedia que as meninas fizessem o download do Tinder como um favor para mim”, contou Wolfe. “Eu dizia a elas que eu era uma jovem mulher trabalhadora que precisava do apoio delas e acrescentava que todos os gatinhos no campus iam se juntar a essa coisa nos próximos vinte minutos, porque iria diretamente até as casas das fraternidades depois de sair dali.” Depois de persuadir as sororidades a entrarem no aplicativo, ela foi até as fraternidades. E disse aos homens que ela viu, pessoalmente, todas as meninas na casa lá embaixo fazerem o download do aplicativo. “Não desapontem as meninas, porque elas estão esperando por vocês”, dizia Wolfe. E adivinha o que os rapazes fizeram? “Eles faziam imediatamente o download do aplicativo.” Wolfe não semeou o aplicativo indo buscar indivíduos magicamente influentes. Ela fez isso enlaçando grupos inteiros de uma só vez. Ela pegou

carona nas redes que já existiam, fraternidades e sororidades populares que estavam conectadas a outras fraternidades e sororidades populares que, por sua vez, estavam conectadas a outras fraternidades e sororidades populares em um meta-agrupamento de vida grega na SMU. O Tinder levou Wolfe a proeminentes faculdades por todo o país, com a mesma cartilha, segundo Joe Munoz, que ajudou a construir o código de back-end do Tinder. “A sua estratégia de venda foi bem genial”, disse ele à Bloomberg.12 “Ela foi a capítulos de sua sororidade, fazia sua apresentação e todas as meninas nas reuniões instalavam o aplicativo. Em seguida, ia até a correspondente fraternidade, onde os meninos abriam o aplicativo e viam lá todas aquelas meninas bonitas que eles conheciam.” Havia menos de 5 mil usuários no Tinder antes da viagem de Wolfe cruzando o país. Quando ela retornou, havia uns 15 mil. “A avalanche havia começado”, disse Munoz.13 O sucesso inicial do Facebook seguiu um padrão similar. A empresa teve início em 2004, como um diretório para alunos de faculdade na Universidade de Harvard e outras faculdades seletivas. Disseminou-se rapidamente entre jovens que já estavam conectados uns aos outros por classes, dormitórios e atividades extracurriculares. Como o Tinder, seu crescimento fiou-se em uma “estratégia de pino de boliche”,14 em que um produto é adotado por um pequeno nicho, uma rede densamente conectada já existente, como uma bola de boliche que acerta um arranjo de pinos ordenado. A rede social não teria sido útil se encontrasse mil pessoas distribuídas de forma aleatória pelo mundo. No entanto, o Facebook não estava tentando criar novas conexões mais do que queria que as milhões de relações já existentes entre estudantes fossem digitalizadas e, talvez, aprofundadas. Wolfe usou a mesma estratégia para fazer com que seu próximo aplicativo de namoro crescesse. O Bumble tinha a distinção essencial de que apenas mulheres poderiam iniciar conversas. “Eu voltei à SMU, fiquei em pé em cima das mesas da sororidade e implorei que as pessoas baixassem meu aplicativo”, disse ela. Dessa vez, ela levou reforços de merchandise, muitos prêmios decorados com o logotipo amarelo do Bumble, e prometeu brindes dourados para as meninas que enviassem mais mensagens de texto ao maior número de amigos.

O Bumble projetou-se e cresceu também, chegando às alturas, com mais de 3 milhões de usuários depois dos primeiros quinze meses.15 Quando falei com Wolfe em 2015, o Bumble ainda estava se disseminando pelos campus de faculdades, mas a própria Wolfe admitiu que seu truque já estava cansando. As sororidades haviam ficado tão cientes de que eram o portão de entrada para as redes de faculdades que estavam cansadas de fundadores de start-ups implorando que elas semeassem um novo aplicativo. “Eu creio firmemente que haja um limite no tanto que uma pessoa pode ser alvo de propaganda no mesmo formato antes de se tornar cínica”, disse Wolfe. “Meu cérebro está constantemente procurando por onde você está tentando fazer a propaganda para mim. As visitas às sororidades foi algo que funcionou por um bom tempo, mas agora eu acho que tem a ver com achar a pessoa certa dentro de cada rede que possa agir como minha procuradora.” O elemento mais importante em uma cascata global não são elementos magicamente virais nem influenciadores místicos. Em vez disso, ele tem a ver com encontrar um grupo de pessoas que sejam facilmente influenciadas. Vire a pergunta do influenciador em seu eixo. Não pergunte: “Quem é poderoso?”, e sim, “Quem é vulnerável?” Nos modelos de computador de Duncan Watts, cascatas globais acontecem quando um gatilho atinge um público densamente conectado aglomerado em torno de uma característica compartilhada, um culto suave. Whitney Wolfe descobriu a mesma coisa. “É comum que eu pergunte à minha equipe se eles prefeririam fazer uma propaganda em um táxi na cidade de Nova York ou com um adesivo em uma mochila”, disse ela. “O táxi na cidade de Nova York será visto por milhares de pessoas e o adesivo na mochila poderia apenas criar curiosidade entre uns punhados.” No entanto, Wolfe, como Vincent Forrest, prefere o menor emblema de identidade, um ponto de partida para uma conversa entre amigos. “Quando estou fazendo meu trabalho bem”, disse-me Forrest, “estou dizendo algo específico o bastante para que passe a sensação de ser pessoal, de forma que outros com os mesmos interesses possam se relacionar.” O mundo não é um globo de pessoas uniformemente conectadas. O mundo ainda é um bilhão de aglomerados, grupinhos seletos e cultos. O que Watts vê em seus modelos, o que Wolfe vê em seus aplicativos e o que Forrest vê em seus consumidores é que criações bem-sucedidas crescem de forma mais previsível quando utilizam uma rede menor de pessoas que não se veem como o mainstream, mas sim como indivíduos ligados por uma ideia ou

característica em comum que consideram especial. As pessoas têm o dia todo para falar do que as torna comuns. Acontece que elas querem compartilhar aquilo que as torna esquisitas.

* A ideia de que os M oonies, assim chamados p or causa de seu líder religioso coreano, Sun M y ung M oon, estavam “fazendo lavagem cerebral” com os recrutas também p ode ter tido um elemento racial. A p alavra “brainwashing” [fazer lavagem cerebral] é um neologismo da Guerra Fria, uma tradução de um termo chinês. A p alavra entrou no léxico em inglês durante a Guerra Coreana em meio a temores de que p risioneiros de guerra americanos voltariam p ara casa como zumbis, como no filme Sob o domínio do mal. [N. do A.] ** Nem todos os ap licativos de celular beneficiam-se tanto assim de efeitos de rede, que se ap licam esp ecificamente quando a p op ularidade de um p roduto o torna muito mais útil. Ser a única p essoa no Facebook, p or exemp lo, não é muito divertido, mas um ap licativo de notícias ou de música p oderia ser p erfeitamente útil p ara milhões de p essoas que os usem sozinhas. [N. do A.] *** Embora eu não ache que seja relevante p ara a teoria de rede ou homofilia, é um tanto quanto relevante p ara a história do Tinder notar que Wolfe p rocessou a emp resa p or assédio sexual, fez um acordo p or fora, e usou p arte desse dinheiro p ara começar a Bumble, rival do Tinder. [N. do A.]

INTERLÚDIO Le Panache

Na

faculdade, minha formação principal foi em jornalismo e ciência política, mas eu também atuava e, geralmente, preferia o palco à redação de um jornal. Na verdade, eu acho que eu sempre adorei escrever porque a sensação era de estar atuando. Ambos os trabalhos exigem que se desenvolva um senso intuitivo do lado de dentro e do lado de fora, de sentimentos em oposição a gestos, pensamentos versus palavras. Quando calouro, eu vi uma produção de estudantes de Cyrano de Bergerac, um romance de 1897, que meus colegas montaram em um teatro experimental. De forma infame, parecia uma habitação condenada quando visto do lado de fora. Não era nenhum ambiente de realeza, tinha luzes duras, cadeiras baratas e um palco improvisado que combina com uma produção de estudantes. Porém, fiquei encantado. Eu adorava Shakespeare, Stoppard e Kushner, mas tinha uma forte sensação, nos meus dezoito anos, de que era a peça mais inteligente que eu já tinha visto na minha vida. Cyrano é a história de um homem nobre de nome homônio cujo talento com a espada e com os trocadilhos é tão singular que se dá a ele o crédito da invenção da palavra “panache”, traduzida diretamente como “plumagem”, mas cujo significado está mais para “fanfarronice”. Cyrano, cujo nariz era infamemente longo, ama a bela Roxane e presume que uma mulher tão atraente nunca retribuiria os afetos de um homem tão grotesco. Quando Christian, um belo tolo, pede a Cyrano que ele escreva bilhetes em nome dele para cortejar Roxane, Cyrano faz o que ele lhe pede. No final da peça, contudo, Roxane percebe que se apaixonou pelas palavras em si. Aquele que ela verdadeiramente ama é o autor das cartas, o feio Cyrano e não o belo Christian.

A peça me veio à cabeça certa noite durante a pesquisa para esse livro. Eu estava escrevendo o próximo capítulo o qual, em grande parte, é sobre o dom singular de Cyrano: o de agradar a um público. “O meio é a mensagem”, como disse uma vez Marshall McLuhan e todo o resto das pessoas repetiu um milhão de vezes. A internet e os habitantes de sua rede social são forças de amplificação, que estendem nossas mensagens para mais ouvidos e mais olhos. Eu queria saber se as pessoas mudariam sobre o que elas falam quando acham que estão falando com um grande grupo de pessoas, como fazem com frequência no Facebook, Reddit e Twitter. Se o meio dita a mensagem, poderia o tamanho do público moldar o assunto da mensagem? Eu não posso dizer com certeza sobre o que as pessoas conversam durante o jantar. Mas sei sobre o que elas falam on-line, porque a internet deixa um rastro de dados. Todos os anos, a firma de análise de conteúdo social NewsWhip revela as mais populares histórias no Facebook. Eis o top 10 de histórias de 2014:1 1. Ele salvou 669 crianças durante o holocausto... e ele não sabe que elas estão sentadas a seu lado —LifeBuzz 2. Que animal você é?— Quizony 3. O quão observador você é? —Playbuzz 4. Será que conseguimos adivinhar sua verdadeira idade? — Bitecharge 5. A qual estado [dos Estados Unidos] você realmente pertence? — BuzzFeed 6. De que cor é sua aura? — Quiz Social 7. O quão velho você é de coração? — Bitecharge 8. Você age como se tivesse que idade? — Bitecharge 9. Que tipo de mulher é você? — Survley 10. Como você morreu em sua vida passada? — Playbuzz A observação comum em relação a histórias como essas é que é possível relacionar-se com elas, traduzindo-se nas ansiedades e curiosidades ordinárias dos leitores, cada uma sendo uma coceirinha que implora para ser coçada. Porém ao olhar novamente para a lista, eu não consegui deixar de pensar o seguinte: ninguém na verdade conversa sobre essas coisas!

Eis aqui três frases que nunca foram proferidas na história da humanidade: “Antes de irmos dormir, docinho, a que estado americano você realmente pertence?” “Ei, mãe, eu estava aqui pensando... de que cor é sua aura?” “Vó, que tipo de mulher é a senhora?” São, na melhor das hipóteses, os tipos de perguntas que você poderia fazer a alguém em um primeiro encontro amoroso depois de descobrir que vocês não têm nada em comum. Se são perguntas com as quais é possível se relacionar, isso se dá em relação a curiosidades sobre as quais não se fala e que não se parecem nem um pouco com conversas que as pessoas têm cara a cara, que são tipicamente particulares e cotidianas. Como foi seu dia? Querido, nós precisamos de um esfregão novo. Você vai levá-la ao treino de futebol ou eu levo? Como foi a conversa com Janine? Um estudo de Harvard de 2012 descobriu que as pessoas usam cerca de um terço das conversas pessoais para falar sobre si mesmas.2 On-line, esse número pula para 80%. O quociente de egoísmo de uma pessoa mais do que duplica quando ela abre um computador ou destrava a tela do celular. Olhe novamente para a lista de artigos do Facebook: nove das dez histórias têm as palavras “você”, “seu”, “sua”, o que, para cada leitor, significa “eu”, “meu” e “minha”. Off-line, em grupo, eu converso com outras pessoas. On-line, de um-para-mil, eu converso (e leio) sobre mim mesmo. Todas as comunicações envolvem um público, mas o tamanho do público pode moldar a comunicação.3 Um estudo de 2014, feito por Alixandra Barasch, na época candidata a doutorado na Faculdade de Wharton na Universidade da Pensilvânia, e Jonah Berger, professor adjunto de marketing na mesma instituição, testou tal efeito ao dar aos voluntários uma tarefa simples: descreva seu dia para uma pessoa ou para um grupo de pessoas. Os pesquisadores forneceram a cada participante detalhes de um dia imaginário, com vários eventos felizes (como juntar-se a um amigo para ver um ótimo filme novo) e algumas coisas chatas (comer uma sobremesa sem graça em uma panificadora local). Eles pediram que os participantes documentassem o dia em um bilhete, que poderia ser para um amigo ou para um grupo maior. As pessoas eram mais diretas em relação às coisas ruins em suas vidas quando achavam que estavam falando com apenas uma pessoa.

Quando achavam que estavam falando com um grupo maior, eles pintavam suas histórias com matizes que acentuavam mais a felicidade. Eis o exemplo de um bilhete no estudo intencionado para apenas um amigo: Meu dia teve um começo instável. Depois de uma breve reunião com meu mentor, para a qual, a propósito, eu estava atrasado, eu me encontrei com Charlize para irmos ver um filme... depois do cinema, eu a levei até o Cheesecake Factory para comermos uma sobremesa, mas eles estavam fechados e tivemos que nos conformar e comer alguma coisa na doceria da esquina. Que pena! E eis o exemplo de um bilhete endereçado para um grupo maior: Ei, pessoal! Eu tive um ótimo fim de semana! Fui com alguns amigos ver Homem de Ferro 3. Foi FENOMENAL. Eu realmente amei o filme, muitíssimo! Achei que foi muito melhor do que o segundo. É a vaidade das multidões: simplesmente saber que estamos falando com um público maior molda as informações que dividimos e a forma como descrevemos o que sabemos. Nos últimos anos, vários críticos sociais se perguntaram por que perfis de mídias sociais são galerias de alta estima. Talvez o Facebook não esteja nos transformando em narcisistas, mas sim esteja se aproveitando do narcisismo natural de todas as transmissões. De um para muitos, nós esculpimos, amaciamos e refinamos as histórias de nossas vidas; de mamífero para mamífero, são maiores as probabilidades de nos relacionarmos. Na peça Cyrano de Bergerac, Cyrano e Christian são contrastes, porém, no mundo real, muitas pessoas são tanto o bem articulado Cyrano quanto o inferior Christian em um único corpo. Eles brilham com o intelecto e panache na frente de um teclado ou um pedaço de papel, porém, jogados na frente de um amigo, um interesse amoroso ou um chefe sem um roteiro, eles vão falar dos infortúnios de seus casamentos ou do terrível transporte coletivo que pegaram. Uma fonte da lacuna de comunicação on-line-off-line é simplesmente o tempo. Falar é um combate mano-a-mano. Como a luta com espadas, requer respostas rápidas, respostas espertas, esquivas instintivas e se tem pouca

oportunidade para descansar sua arma e simplesmente pensar. Os locutores estão tão sintonizados com seus parceiros de conversa que as conversas têm uma espécie de assinatura de tempo universal, uma cadência padrão de conversa agradável. Psicolinguistas observaram que locutores de muitos idiomas e de muitas culturas fazem uma pausa por uma média de dois milissegundos antes que o “direito” de falar seja passado entre eles.4 Os linguistas descobriram esse reconhecimento global de pausas ideais em italiano, holandês, dinamarquês, japonês, coreano, laociano, aakhoe haillom (da Namíbia), yélî-dnye (de Papua Nova Guiné) e tzeltal (uma língua maia do México).5 Comunicações escritas não são como a esgrima. Estão mais para a programação de um míssil de longo alcance. Você tem tempo para escolher um alvo e refiná-lo e, se estiver se perdendo, sempre existe a tecla delete. A diferença em tempo leva a uma diferença em foco. Ao falar com uma pessoa, minha atenção recai naturalmente no meu camarada de conversa. Ao falar com mil pessoas on-line, por exemplo, em um post no Facebook ou no Twitter, é impossível olhar no rosto de qualquer um ou estar sintonizado com suas necessidades coletivas. O foco volta-se para dentro. Uma conversa de um-para-mil não é uma conversa. É uma apresentação. Talvez você conheça essa sensação. Eu, com certeza, conheço. O Twitter é, para mim, uma página inicial de notícias, uma sala de bate-papo para jornalistas e um recurso sem o qual eu mal consigo me imaginar vivendo. Porém, quando olho em retrospecto para vários meses de posts no Twitter, é notável para mim o quão específica minha persona on-line é e o quão diferente é da forma como eu falo com pessoas que posso ver a uma mesa de jantar. Eu absorvo a gíria da mídia, afastada, astuta, dolorosamente ciente da mais leve virada no carrossel da mídia de notícias e que tão raramente revela as pequenas falhas de entendimento que caracterizam tantas conversas de um para um: Hum?... Diga-me mais sobre isso... Eu não fazia a mínima ideia... Em público, as pessoas com frequência falam sobre problemas. Em particular, elas falam sobre cronogramas. Em público, elas empregam emoções estratégicas. Em particular, tendem a compartilhar pequenos problemas. Em público, elas querem ser interessantes. Em particular, querem ser entendidas. A ciência dos efeitos da rede diz que, conforme uma rede cresce, ela se torna exponencialmente mais valiosa para cada usuário. Porém, se redes

maiores premiam mensagens presunçosas, isso poderia repelir públicos em busca da autenticidade íntima de conversas com menos pessoas, um-paracinco e até mesmo um-para-um. Para aqueles que querem evitar o dilúvio de autocongratulação, existe algo como um “antiefeito de rede” em que grandes redes sociais se tornam excessivamente autocongratulatórias. Uma crítica comum ao Facebook e ao Instagram é que os usuários fazem suas vidas parecerem tão fantásticas que, em comparação, a sua própria vida parece desoladora. A crítica do comportamento de nossos amigos nas mídias sociais — “eu odeio meus amigos no Facebook”— com frequência é encurtada para “eu odeio o Facebook”. Essa lacuna entre on-line e off-line tem implicações muito reais para empresas que tentam gerar uma “agitação” do boca-a-boca para seus produtos. Quando eu estava coletando informações para o Capítulo anterior, eu falei com diversas empresas que começaram aplicativos de namoro online. Cada uma expressou a dificuldade de fazer com que um aplicativo de namoro “viralizasse”. Alguns executivos sugeriram que isso se deve ao fato de que, até recentemente, a maioria das pessoas odiaria discutir seu vazio romântico on-line. O Instagram, por exemplo, é um lugar para postar fotos suas com uma cerveja pendurada nos dedos em uma calma praia diante de um pôr-do-sol impressionista e não um lugar para anunciar para o mundo que você está desesperado para ter um encontro romântico. “Estou solteiro e atrás de alguém” é o tipo de coisa autodepreciativa que a maioria das pessoas guarda para um telefonema com um amigo íntimo. A cultura da internet ainda valoriza a autenticidade e houve vários desenvolvimentos na mídia que buscam injetar intimidade de um-para-um em comunicações de um-para-mil. O estilo da escrita na internet absorveu muitos tiques das mensagens de texto e dos e-mails. Até mesmo em sérios ensaios on-line, há gifs, emojis, abreviações alegres e o cultivo de um dialeto casual que é indistinguível de um e-mail de um amigo. Com os podcasts pessoais proliferando-se plenamente, uma transmissão de rádio agora soa como uma conversa íntima. Os astros e as estrelas do YouTube falam com milhões de espectadores de suas camas, como um adolescente comum dando as boas-vindas a um velho amigo. Prever o futuro da mídia é um jogo para tolos, mas, para mergulhar brevemente em tamanha tolice, eu espero que os novos formatos de mídia continuem a equilibrar o tom conversacional de interações de um-para-um com o alcance de plataformas

globais. As transmissões ficarão maiores, mas a sensação será de que ficaram menores.* Cyrano de Bergerac morre no fim da peça, nos braços de Roxane. A cena final ocorre em um convento em Paris no outono, muitos anos depois, em que o roteiro descreve folhas de um ardente vermelho e amarelo em contraste com o verde da caixa de madeira e dos teixos. Roxane aninha o moribundo campeão, beija sua testa e diz que o ama. Enquanto Cyrano se encaminha para o silêncio, ele pega as duas últimas palavras da peça para colocar uma pedra na vida de um homem das letras. Estas palavras finais não são “meu amor”, “minha verdade”, nem “minha virtude”. São “minha panache”. À beira da morte, nos braços de sua amada, Cyrano não consegue evitar. Ele é um performista até o fim, buscando uma risada, curvando-se para o público.

* Eu também senti o op osto acontecendo: conforme eu p asso mais temp o conversando com grup os maiores de p essoas em redes sociais como o Twitter, meus textos de um p ara um absorveram seu vernáculo. [N. do A.]

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O QUE AS PESSOAS QUEREM I: A ECONOMIA DA PROFECIA O negócio de estar errado na maior parte do tempo

Steve Jobs prometeu “três produtos revolucionários”. Ele mentiu. Vestindo sua ritualística blusa de gola rulê preta no Centro Moscone, em São Francisco, em janeiro de 2007, ele apresentou um tríptico tecnológico para as cinco mil pessoas presentes no tradeshow da Macworld.1 “O primeiro deles é um iPod widescreen com controles de toque”, ele começou a dizer, atraindo uma rodada ansiosa de assovios e palmas. “O segundo é um celular revolucionário”, ele continuou dizendo, ao som de mais gritos animados. “E o terceiro é um inovador dispositivo de comunicações via internet”, disse ele, para aplausos mecânicos e um solitário e apático “uhn”. Naturalmente, a pegadinha era que, na verdade, esses três novos produtos revolucionários eram um único produto, que combinava uma tela de toque, um tocador de música, um telefone e acesso à internet. “E nós estamos chamando de iPhone”, concluiu Jobs. O público deu risada e berrou e bateu palmas acima de suas cabeças. No entanto, do lado de fora do Centro Moscone, estava em voga o ceticismo. O ex-CEO da Microsoft, Steve Ballmer, considerou os prospectos de um telefone celular de quinhentos dólares como sendo para lá de ridículo. (“Não existe nenhuma chance do iPhone abocanhar alguma fatia significativa do mercado”, disse ele. “Nenhuma chance.”) Em junho de 2007, poucos dias antes do iPhone aparecer nas lojas, a empresa de propaganda e mídia Universal McCann emitiu um relatório bombástico sobre o novo produto da Apple. Eles disseram que o iPhone seria um fracasso.2

“A simples verdade”, disse o autor principal, Tom Smith, é que a “convergência” [um dispositivo tudo-em-um] é um meio-termo impulsionado por limitações financeiras e não aspiração. Nos mercados em que existem vários dispositivos disponíveis e a preços acessíveis, a grande maioria preferiria essa opção a um dispositivo que se encaixe em tudo.” A pesquisa da Universal McCann foi sólida, com 10 mil participantes. Eles previram que o iPhone enfrentaria dificuldades nos mercados mais ricos, como os Estados Unidos, a Europa e o Japão, porque poucos consumidores iam querer trocar seus belos celulares, suas câmeras e seus tocadores de mp3 players por um pau-para-toda-obra que não seria realmente bom em nada. Embora mais de 70% das pessoas que responderam à pesquisa no México, na Malásia e na Índia tenham dito que “gostavam da ideia de ter um dispositivo portátil para atender a todas as minhas necessidades”, apenas 30% dos alemães, japoneses ou americanos disseram a mesma coisa. Os seres humanos são prostálgicos, sentem-se encantados por pequenas previsões. No entanto, o futuro é uma anarquia que se recusa a ser regida até mesmo pelas previsões mais sólidas. Uma década depois, o iPhone não foi um fracasso. Foi a mais lucrativa invenção de hardware dos últimos cinquenta anos. Esse resultado foi especialmente embaraçoso para Ballmer, visto que, em menos de uma década, os negócios do iPhone da Apple estavam valendo mais do que a Microsoft. É fácil dizer que a Universal McCann cometeu um erro embaraçoso. A mais estranha verdade, contudo, é que a empresa estava certa. As pessoas em democracias avançadas honestamente achavam que não queriam o iPhone. A firma mediu precisamente a indiferença da Alemanha, do Japão e dos Estados Unidos a um produto que eles nunca tinham visto e que não compreendiam. A Apple gastou bilhões de dólares e passou cinco anos projetando um produto que os americanos realmente não queriam. Até que eles passaram a desejá-lo de verdade. Cada ramo da indústria tem seus próprios contos de fadas sobre coisas rejeitadas que pareciam sapos e que se revelaram hits, metamorfoseando-se em príncipes encantados. Várias editoras passaram adiante o primeiro volume de Harry Potter. Nigel Newton, o CEO da Bloomsbury, comprou o manuscrito por umas poucas mil libras apenas por insistência de sua filha de oito anos, que disse, com algum pressentimento, que a obra era “muito melhor do que qualquer outra coisa”.3 Agora, com mais de 450 milhões em

vendas globais, Harry Potter é a série best-seller de livros com uma margem tão ampla que já vendeu mais do que As crônicas de Nárnia e O Senhor dos Anéis juntos. Quando membros da banda The Who supostamente disseram ao guitarrista Jimmy Page que sua banda cairia como se fosse um “balão de chumbo”, ele abraçou a previsão e mudou o nome de sua banda para Led Zeppelin. Depois de Beatles, Page e seus camaradas são a segunda banda com mais vendas na história, com mais álbuns licenciados vendidos do que The Who e The Rolling Stones juntos. Em uma noite em 2001, Rupert Murdoch, fundador da News Corp e da 21st Century Fox, recebeu uma ligação de sua filha, Liz, que o incitou a adaptar um programa de TV britânico chamado Pop Idol.4 O projeto foi visto com ceticismo pelos executivos da Fox. Murdoch, porém, confiando em sua filha, ordenou que eles comprassem os direitos mesmo assim. Durante dez anos consecutivos, o programa de TV que ele inspirou, American Idol, foi o número um nos Estados Unidos. Essas histórias são recontadas com frequência não somente porque enfatizam a linha tênue entre sucesso e fracasso, mas também porque permitem que quem lança hits lembre a si mesmo da inconstância de seu ramo. “Ninguém sabe de nada”, disse o roteirista William Goldman, e sua citação tornou-se um lema para muitas empresas.5 Quando se trata de prever o futuro, a ignorância é um clube do qual todo mundo é membro. Para escolher alguns hits, se faz necessária uma tolerância para muitas ideias ruins, ideias medíocres e até mesmo ideias boas amaldiçoadas com um timing ruim. Acima de tudo, requer um modelo de negócios que suporte a inevitabilidade de que a maior parte das coisas fracassam; as ideias mais promissoras com frequência atraem um coro de céticos; e um grande hit pode pagar por mil fracassos. Na lenda grega, Cassandra é filha do rei e da rainha de Troia. Ela é abençoada com a habilidade de prever o futuro com perfeita precisão e amaldiçoada pela inevitabilidade de que ninguém acreditará nela. Antes da Guerra de Troia, Cassandra prevê que os gregos invadirão Troia em um cavalo de madeira e saquearão a cidade. No entanto, os guardiões da cidade ignoram seus avisos e Troia é destruída. A crueldade de seu dom acaba levando Cassandra à loucura. Hoje em dia, quando as previsões agourentas de um indivíduo se deparam com ouvidos moucos, tal pessoa é chamada de Cassandra. Trata-se de um título de escárnio ou pena. Ser uma Cassandra no mundo moderno

significa não ter uma certa autoridade. Cassandras modernas são vistas como oráculos semitrágicos, aqueles que uivam com ineficácia sobre uma calamidade, apenas para serem ignorados. No entanto, eu creio que o legado de Cassandra merece uma reparação moderna. Ser uma Cassandra em qualquer mercado que lança hits não é apenas um elogio; trata-se de um título ao qual todo mundo deveria aspirar. Se a profética Cassandra original estivesse viva hoje, com os modernos mercados de apostas, ela seria a mulher mais rica do mundo. Enquanto outros comerciantes vendem suas posições conforme o mercado das ações caem, somente uma Cassandra vê o fundo. Enquanto outros estúdios de música de fins dos anos 1980 contratam hair bands, somente uma Cassandra vê o vindouro reinado do hip-hop. É sempre legal estar do lado certo da história. Mas é um fato econômico que prever o futuro é mais valioso quando todo mundo acha que você está errado. Acesso único e incomparável a informações perfeitas sobre o que está por vir é o Santo Graal da previsão do futuro, capaz de gerar lucros. Em essência, prever os mais valiosos hits tem a ver com descobrir os recursos de Cassandra, pessoas, relatórios ou insights que sejam tanto proféticos quanto, em grande parte, ignorados. Os mais famosos investimentos na história de Wall Street, como a aposta em 1990 de Warren Buffett na Wells Fargo durante a crise da poupança e dos empréstimos,6 ou a infame aposta contra o mercado imobiliário dos Estados Unidos em A grande aposta foram absurdamente rentáveis precisamente porque aqueles investidores descobriram informações com as quais a maioria das pessoas não contava na época.7 Buffett e os homens que previram a quebra do mercado imobiliário já foram considerados loucos. Eles eram Cassandras. Previram o futuro e as pessoas achavam que eles eram malucos. Foi somente porque ambas as coisas eram verdadeiras que suas apostas foram tão historicamente bemsucedidas. Em um mundo de informações abundantes e transparentes, fica difícil encontrar recursos ou estratégias que sejam tanto proféticos quanto sigilosos. Se todos os investidores se derem conta de que o índice de casamentos de hoje prediz o crescimento da economia de amanhã, então, ninguém tem muita vantagem no rastreamento do índice de casamentos. Quando histórias em quadrinhos parecem ser uma excelente fonte de material para franquias cinematográficas, todos os maiores estúdios competem pelos direitos das

histórias em quadrinhos mais populares, o que eleva os preços e faz delas um investimento ruim. Quando Candy Crush se torna o jogo de celular predileto das pessoas, outros desenvolvedores inundam a App Store com jogos similares. Você entendeu: é difícil fazer muito dinheiro com a profecia se todo o resto das pessoas tem exatamente a mesma previsão. Imitar sucessos recentes é um jogo que todos sabem jogar. Porém ver o próximo grande lance antes de todo o resto é bem mais valioso. É o caso de Buffett, em 1990; Murdoch, em 2001; Apple, em 2007. Isso significa estar um pouco errado exatamente no momento certo.

No ano de 2000, um grupo de formados na faculdade de administração de empresas e um doutor de Stanford chamado Avery Wang cofundaram um aplicativo de celular chamado Shazam.8 A ideia deles era meio mágica: criar uma tecnologia capaz de identificar qualquer canção no mundo ao apertar um botão e enviar ao usuário uma mensagem de texto com seu título e o artista. A princípio, Wang achou que esse objetivo fosse impossível. Na maior parte do tempo, as músicas em locais públicos competem com gritos, garfos raspando em pratos, além de outras distorções sônicas. Sendo assim, ele criou uma ferramenta que transformava milhões de canções em mapas únicos de áudio chamados espectrogramas, que era um pouco como criar uma impressão digital para cada canção no mundo. Qualquer gravação ao vivo poderia ser correlacionada a tais impressões digitais dentro de segundos, até mesmo em um restaurante cheio. Agora, o Shazam é um dos aplicativos mais populares do mundo. Ele foi baixado mais de quinhentas milhões de vezes e é usado para identificar trinta milhões de músicas. Os engenheiros do Shazam até mesmo criaram um mapa-múndi sobreposto com as milhões de buscas de canções de modo que os usuários possam dar zoom para ver que músicas são mais procuradas em Nova York, Xangai ou Tóquio. “Nós sabemos onde começa a popularidade de uma música e queremos observar sua disseminação”, disse-me Jason Titus, ex-tecnólogo chefe do Shazam. Lorde, uma cantora da Nova Zelândia, foi a sensação surpresa da música de 2013, uma daquelas artistas que pareceram surgir do nada. No entanto, o Shazam sabia exatamente de onde ela vinha: o aplicativo rastreou a

disseminação global de “Royals”, seu single que virou hit, e observou as buscas crescendo rapidamente por todo o mundo, como cogumelos em uma campina, na Nova Zelândia, em Nashville, florescendo na direção das costas dos Estados Unidos e em centenas de cidades do país. O Shazam transformou o mundo do fandom da música em um mapa de canções populares em que se pode fazer buscas. Para um caçador de talentos em uma grande gravadora, isso é mais do que uma ferramenta bacana: é um sistema de detecção inicial para hits. Em fevereiro de 2014, eu fiz uma visita ao número 1755 da Broadway, a sede em Manhattan da Republic Records, para conversar sobre a tecnologia que está por trás da previsão de hits musicais. Na época, Patch Culbertson era meramente um dos mais bem-sucedidos jovens caçadores de talentos da Republic. Agora ele é o diretor de toda sua divisão de caçadores de talentos. Culbertson me explicou, entusiasmado e de forma útil, os diversos modos como os caçadores de talentos fazem uso de dados de rádio e de downloads para observar como canções passam de pequenos pontinhos a cascatas globais. Porém, de longe, a coisa mais interessante que ele me mostrou foi a forma como eles usam o Shazam. Culbertson pegou seu iPhone. Ele abriu o mapa do Shazam. A área da cidade de Nova York apareceu, com minúsculos ícones de canções crescendo no Queens e em Nova Jersey, cada um dos quais mostrava as faixas mais buscadas naquela área. Ele afastou o zoom e moveu o mapa para o sul, passando pela Virgínia e pelo Arkansas. Seu dedo parou perto do Golfo do México. Ele aumentou o zoom em Victoria, Texas, uma pequena cidade entre Corpus Christi e Houston. Uma estação de rádio lá havia recentemente começado a tocar “Ride”, um novo single do artista de R&B, SoMo, com quem Culbertson havia assinado um contrato. “‘Ride’ é a canção número um marcada em Victoria!”, disse ele, com orgulho. “Que ótimo!”, eu disse em voz alta, mas pensei comigo mesmo: Por que tanto alarde? Eu nunca tinha ouvido falar em Victoria, Texas. Por que um dos mais sofisticados caçadores de talentos na mais sofisticada gravadora se importava com ganhar um mercado de que ninguém fora do Texas havia algum dia ouvido falar? Victoria é uma pequena cidade perto da costa do golfo do México com menos de 100 mil habitantes. Por si, é completamente incapaz de lançar uma música que vai virar hit. Até mesmo se todas as casas em Victoria

comprarem dez cópias de um novo álbum, esse álbum ainda não ganharia o disco de platina. Porém o tamanho de Victoria e sua localização fazem dela uma perfeita Cassandra. Sendo uma cidade que fica a duas horas de viagem de Houston, San Antonio e Austin, Victoria é um augúrio do Texas, um indicador presciente dos hábitos de ouvir música das maiores cidades do estado. É difícil persuadir um DJ influente em uma estação de rádio popular a tocar uma canção como “Ride”, da qual ninguém ouviu falar antes. Afinal de contas, a maior parte das pessoas ouve as rádios do Top 40 em busca de fluência: elas querem ouvir canções que já conhecem. No entanto, Culbertson teve uma ideia inteligente: ele podia tocar “Ride” em um mercado menor, com menos ruído, e determinar se a canção tinha potencial em uma cidade maior. Quando os usuários procuraram por “Ride” mais do que por qualquer outra música na área, Culbertson teve a prova de que ele precisava para levar a canção para estações de rádio mais populares em Houston e no restante dos Estados Unidos. Em suma, Culbertson estava usando Victoria não apenas como um sistema de detecção inicial para hits, mas também como prova de popularidade, de que ele podia vender para mercados maiores. Quem lança os melhores hits com frequência são aqueles que conhecem os cantos escuros para encontrarem ideias a serem puxadas para a luz. Os estúdios de Hollywood estudam as listas de best-sellers para encontrem suas próximas grandes histórias. Porém, um livro que é best-seller do The New York Times já tem a atenção do mundo e as mais preciosas gemas são mais obscuras. Vários anos atrás, o produtor cinematográfico, Aditya Sood, recebeu um e-mail de um agente sugerindo que ele desse uma olhada em um livro autopublicado sobre astronautas que lutavam para sobreviver em Marte.9 O livro era um best-seller no Kindle, mas não tinha a atenção do mainstream. Como Cinquenta tons de cinza, no começo de 2012, ainda era um hit às escuras. Sood pegou o livro em uma sexta-feira e o leu no sábado. Ele ficou imediatamente impressionado com o tom confiante, o escopo cinemático e até mesmo os detalhes nerds sobre como alguém poderia cultivar comida em um planeta desértico. Na segunda-feira, Sood ligou de volta para o agente e disse que planejava adquirir os direitos para transformar o livro em um filme. O livro era The Martian [O marciano]. O filme acabou faturando mais de 600 milhões no mundo todo e recebeu sete indicações para o Oscar, inclusive por melhor filme.

Em fevereiro de 2014, quando visitei Culbertson, poucas pessoas fora do Texas e da sede da Republic na Broadway tinham ouvido falar em SoMo. Que Culbertson sugerisse que seu artista estava tendo um ano significativo teria sido, na melhor das hipóteses, superficial. Um mês depois, “Ride” estava entrando no Billboard Hot 100. Nove meses depois da minha visita à Republic, a música tinha ganhado o disco de platina, vendendo mais de 1 milhão de cópias. “Todo mundo pensa assim?”, perguntei a Culbertson. “Na Republic, sim”, disse ele.

Muitas boas sementes acabam não germinando com tempo ruim e muitos hits em potencial fracassam sem que seja culpa deles mesmos. Canções fáceis de serem lembradas não chegam às rádios, livros brilhantes não chegam a seus principais leitores em potencial. O sucesso na indústria que vive em busca de atenção requer um modelo de negócios que reconheça que a atenção, assim como o tempo, é inerentemente imprevisível. As pessoas falam sobre a televisão como se fosse uma única e grande indústria. Porém ela é melhor compreendida se vista com base em três modelos de negócios: TV aberta, TV a cabo e TV premium.* A primeira, historicamente, depende mais de comerciais. A segunda depende de pagamentos via cabo, que são suplementados por comerciais. A terceira depende exclusivamente de assinantes diretos. Esses modelos de negócios são as raízes subterrâneas que empurram a arte para a superfície. Na televisão, os hits a que assistimos vêm de modelos dos negócios que a maioria das pessoas não vê. Redes de TV aberta, como a NBC, ABC e CBS, historicamente fizeram o máximo de sua renda da propaganda. A TV aberta tem como meta, falando em termos amplos, reunir muitos telespectadores ao vivo que estarão assistindo à TV quando rolarem os comerciais. A economia molda o entretenimento. Dramas policiais populares como CSI, Law & Order e NCIS são como contêineres de remessas regulamentados, em que cada episódio atende às medições exatas do bloco de uma hora. Esses shows usam uma fórmula narrativa similar: um grupo constante de personagens, desafios semanais com resoluções ordenadas, além de um novo cliffhanger a cada dez minutos de modo a impedir que os telespectadores mudem de canal durante os comerciais. Mais recentemente, a

TV aberta jogou muito dinheiro em entretenimento que se beneficia por ser ao vivo, como os programas de prêmios (por exemplo, The Voice e Dancing with the Stars) e esportes ao vivo, especialmente futebol americano e basquete. Esportes são perfeitos por serem efêmeros para o propósito da TV aberta em uma era em que se posterga ver alguma coisa, porque os fãs têm que assistir aos eventos esportivos ao vivo. Segundo uma análise feita em 2012, os direitos esportivos respondem por metade de todos os custos de programação da televisão.10 Visto que a TV aberta se fia em propaganda, o trabalho se torna encontrar os programas que atraiam as maiores (e mais ricas) audiências. Para saber se um show virará um hit, a NBC administra uma série de pesquisas nacionais. Se 40% dos entrevistados disserem que têm conhecimento de um novo programa, 40% desse total disserem que querem assistir a essa estreia e 20% desses 16% disserem que são apaixonados pelo novo programa, a NBC pode, com confiança, prever que o programa será hit. É o teste dos 4040-20, e funciona. Um dos últimos programas a passarem deste limiar, The Blacklist, estreou na NBC como um dos dez programas mais populares da televisão. A intensa pressão de imediatamente descobrir programas populares prejudica a TV aberta a longo prazo, porque grandes personagens e relacionamentos ricos levam tempo para serem desenvolvidos. A NBC e as outras redes de TV aberta testam seus pilotos em salas de projeção antecipada com audiências ao vivo armadas com discos que eles viram para a esquerda para sinalizar seu desprazer ou para a direita se estão entretidos. Esses famosos testes dos discos poderiam ser medições precisas do piloto de um programa, mas nem sempre são grandes previsões do potencial. “O teste de Seinfeld não foi ótimo”, disse Sumi Barry, vice-presidente sênior de inteligência e mercado na NBC. “Nem o de Friends. The Office teve um embaraçoso teste de exibição, mas então nós o colocamos atrás de My Name Is Earl e decolou.” Alguns dos mais famosos programas na história da TV aberta não estrearam plenamente formados, como Atena surgindo da cabeça de Zeus. Eles estavam mais para crianças comuns, nascidas indefesas e chegando lentamente à maturidade. Quando Cheers estreou na NBC, em 30 de setembro de 1982, às 21h, terminou em último lugar em seu horário na grade de programação.11 Dentre 77 programas que estrearam na temporada de 1982 —1983, seus índices abismais de audiência ficaram na faixa dos setenta. No

entanto, o show foi aclamado pela crítica, e, se a NBC o tivesse cancelado, não haveria muitos substitutos adequados. Cheers sobreviveu e chegou a seu segundo ano, mas ainda não era um hit. Todavia, a NBC mostrou-se paciente. Os executivos sabiam que tinham um programa queridinho das premiações e acharam que talvez fosse desenvolver lentamente uma audiência para equiparar-se à sua boa recepção pela crítica. Por fim, em sua terceira temporada, as médias de audiência do show subiram energicamente. Em 1985, Cheers começou seu oitavo ano na TV como um dos dez programas mais vistos da televisão. Hits têm o que os economistas chamam de “efeitos multiplicadores”. Se você introduzir um dólar em uma economia, ela pode produzir mais de um dólar de crescimento do PIB. O mesmo é verdade em relação aos hits: crescimento causa crescimento, popularidade faz nascer popularidade. O valor de um programa de televisão que é um hit é maior do que seus índices de audiência ou suas taxas de propaganda, porque isso não responde por um recurso mais importante: sua capacidade de suportar outros programas. Os efeitos da postura paciente da NBC, em meados da década de 1980, foram imensos. O dividendo óbvio foi que Cheers lançou um spin-off, Frasier, baseado no personagem de Frasier Crane, um imponente psiquiatra. Frasier estreou como um programa do top 10 em 1993 e tornou-se talvez o mais bem-sucedido spin-off da TV de todos os tempos, tanto comercialmente quanto em termos de crítica. No entanto, o beneficiário mais sutil de Cheers foi a imortal e loquaz sitcom Seinfeld. No final da década de 1980, quando a NBC fez um teste com o piloto do programa com quatrocentas casas e a resposta foi pior do que morna. “Nenhum segmento da audiência ficou afim de ver o programa de novo”, relatou o testador de pilotos da NBC. No entanto, vários executivos adoraram seu tamborilar conversacional.12 A rede optou por levar ao ar um especial de um episódio chamado de The Seinfeld Chronicles [As crônicas de Seinfield], na zona morta do verão de 1989. Foi uma curiosidade crítica com índices medíocres de audiência. No ano seguinte, não aconteceu muita coisa. Então, o cancelamento de um especial de Bob Hope liberou dinheiro para uma temporada de quatro episódios no verão seguinte. Os episódios saíram-se muitíssimo bem. Sem surpresas: eles foram ao ar depois de reprises de Cheers.

A típica sitcom é uma brincadeira de amarelinha previsível entre pequenos problemas domésticos seguidos de muitos abraços e aprendizados. Todavia, os roteiristas de Seinfeld não fariam nada disso. Eles usavam jaquetas com a única regra do show bordada nelas: “nada de abraços, nada de aprendizados.”13 Mas essa visão pura e não sentimental levou tempo para dar frutos. Até mesmo em sua terceira temporada, o programa apanhava da concorrência, como Home Improvement, da ABC, e terminou em um abismal quadragésimo lugar entre os programas do horário nobre. No entanto, no outono de 1993, a NBC passou Seinfeld para depois de sua domesticada comédia Cheers, nas noites de quinta-feira. Foi só então que todo mundo começou a ver o programa que era sobre nada. Sustentado pela audiência de Cheers, Seinfeld teve seus índices de audiência elevados às alturas, passando do quadragésimo ao quinto programa mais visto na televisão. O resto da história é conhecido: em seus últimos cinco anos, Seinfeld foi um dos mais populares programas na televisão e a TV Guide indicou-o como o maior programa de todos os tempos. Alguns poderiam argumentar que a genialidade de Seinfeld é platônica, um exemplo objetivo da presença da perfeição divina na terra (eu diria isso). No entanto, sem Cheers para ajudar a lançá-lo no panteão cultural, alguém teria sintonizado no canal para descobrir isso? Pode-se extrair uma conclusão sentimental dessa história: por exemplo, de que pessoas de negócios são sempre recompensadas por seguirem seus corações. No entanto, este não é esse tipo de livro — “Nada de abraços” — e esta não é aquele tipo de história. Cheers foi, acima de tudo, um beneficiário de seu tempo, quando comédias aclamadas pela crítica eram escassas e as redes raramente cancelavam programas originais depois de um ano. Até mesmo no começo dos anos 2000, mais de 90% das séries originais em redes de TV aberta e a cabo foram renovadas para a temporada seguinte. Em 2015, todavia, o número de shows originais explodiu e, agora, apenas 40% deles sobrevivem para mais um ano. Não existe praticamente nenhuma chance de que a NBC fosse renovar o quadragésimo programa mais popular na era contemporânea da abundância na televisão. Todavia, ainda uma outra lição diz respeito às recompensas de apostar no talento acima dos resultados ou em “pessoas acima de produtos”. A verdade é que foi uma decisão comercialmente dúbia estender Cheers em 1983 e em 1984, quando era um dos menos populares programas da televisão e uma

rede de TV aberta poderia não tomar a mesma decisão hoje. No entanto, a NBC não apressava seus roteiristas. Ela acreditava em showrunners como indivíduos. A rede deu-lhes tempo para desenvolver personagens e relacionamentos. Porque, em 1983, a NBC tomou a decisão de estender um programa que ninguém estava vendo, o canal passou duas décadas com algumas das comédias mais populares e aclamadas pela crítica de todos os tempos. Os últimos episódios de Cheers, Seinfeld e Frasier estão entre os quinze finales mais vistos na história da televisão.

A definição de broad [amplo] em broadcast [transmissão] estreitou-se nas últimas décadas conforme o número de canais a cabo e programas originais floresceram. A regra de 40-40-20 para hits diminuiu para algo mais como uma regra de 30-30-20. Uma rede pode ter um hit “amplo” em suas mãos com apenas 2% do país se sentindo entusiasmado em relação à sua estreia. Em 2000, havia 125 séries originais roteirizadas e menos de 300 séries de TV a cabo não roteirizadas ou “reality shows”. Em 2015, havia quatrocentas séries roteirizadas originais e quase mil reality shows originais: triplicou!14 Pode-se ver o efeito disso nos índices de audiência da Nielsen, que estimam a porcentagem de casas que têm um aparelho televisor e que assistem a determinado programa. Para que um programa tenha um índice de audiência de vinte da Nielsen, um quinto das casas com um televisor o estão vendo. Em 1979, 26 programas ultrapassaram esse alto limiar. Em 1999, apenas dois shows atingiram tal marco: ER e Friends. Em 2015, nenhum conseguiu a façanha. Conforme as opções para se assistir à televisão se expandiram, o limiar para hits abaixou. As redes de TV a cabo invadiram a televisão com um modelo de negócios diferente. Elas não obtêm a maior parte de sua renda da propaganda. Em vez disso, uma rede de TV a cabo tem a maior parte de sua renda advinda de taxas pagas de cada conta de TV a cabo das casas pelos direitos legais de distribuir seu canal.** Se uma família paga cerca de cem dólares por mês pela TV a cabo, quarenta dólares desta quantia são divididos entre centenas de canais. A ESPN recebe mais de sete dólares por mês, a maior quantia de qualquer rede. Um canal de notícias como a CNN recebe cerca de sessenta centavos. Essa pequena taxa, multiplicada pelo país todo, chega a uma imensa soma de dinheiro, dezenas de bilhões de dólares

para suportar mais entretenimento do que qualquer um consegue consumir de modo razoável em várias vidas. A TV a cabo é a coisa mais próxima que os Estados Unidos teve de um imposto de setor privado. Assim como 150 milhões de famílias constribuintes bancam um conjunto de serviços chamado de governo dos Estados Unidos, 100 milhões de casas com TV a cabo bancaram esse conjunto de entretenimento, mesmo que muitos programas não sirvam a seu grupo demográfico específico. Jovens trabalhadores urbanos subsidiam a Medicare e fazendas; jovens famílias com TV a cabo em casa subsidiam a Fox News e jogos dos Green Bay Packers. Em 2005, Rob Sorcher era o vice-presidente executivo de programação em um canal a cabo que a maioria das pessoas conhecia como American Movie Classics. Recentemente a rede havia trocado seu nome para AMC, porém, como as sobreviventes atrizes em seus filmes em preto e branco, apenas esse lifting facial foi insuficientemente rejuvenescedor. O canal estava com imensas dificuldades e correndo o risco de ser excluído de seus pacotes por operadoras de TV a cabo como Comcast e Time Warner Cable. Isso teria sido desastroso, visto que o primeiro negócio de uma rede de TV a cabo é permanecer no pacote. Sorcher não estava em busca de um show com abrangência ampla que apelasse às massas, como uma comédia vulgar familiar para a Fox. Ele queria algo que não pudesse ser copiado. Como ele disse: “Sua estratégia torna-se: vamos atrás de qualidade.”15 Sorcher deparou-se com um intrigante texto de um roteirista do drama da família mafiosa Os Sopranos, da HBO. O nome do roteirista era Matthew Weiner. Ambos os lados tinham todos os motivos do mundo para não trabalharem juntos. Weiner sabia que a AMC era um canal sem renome nem dinheiro e que poderia dar a seu programa a pior exposição possível.16 Para a AMC, esse era um programa lento sobre pessoas tristes e detestáveis no mundo da propaganda nos anos de 1960, de alguém que não tinha nenhum registro como showrunner bem-sucedido. Porém eles fizeram um acordo mesmo assim, porque a AMC estava devotada a fazer um show distintivo, que lhe garantisse seu lugar no pacote de TV a cabo. O programa era Mad Men. Mad Men era precisamente o tipo de televisão que Sorcher queria: bonito e estranho, um drama íntimo e misterioso com toques cinemáticos e um ritmo metódico. Não foi um hit blockbuster em termos de tamanho de audiência; o programa obteve em média menos de 1 milhão de telespectadores em sua primeira temporada, menos do que um show que

poderia ser abruptamente cancelado em uma rede de TV aberta, como a NBC. No entanto, a AMC não precisava de um hit blockbuster.17 Ela precisava de um programa único que apelasse para uma massa crítica de telespectadores valiosos para que nenhuma grande empresa de TV a cabo fosse pensar em deixar a AMC fora do pacote. No fim das contas, é quase um equívoco dizer que a AMC ganhou dinheiro com os poucos milhões de pessoas que viram Mad Men. O canal ganhou dinheiro para valer com as dezenas de milhões de casas que nunca assistiram a Mad Men, mas que, mesmo assim, pagavam alguns dólares todo ano para a AMC através de suas contas de TV a cabo. Um pequeno hit teve um efeito multiplicador imenso: Mad Men ajudou a resgatar uma rede inteira. A diferença entre a TV aberta e a TV a cabo atesta uma lição crucial para a escolha de hits: o julgamento artístico pode andar de mãos dadas com a astúcia econômica. Os índices de audiência de Mad Men eram tão baixos que a série poderia ter sido cancelada depois de um ano na NBC. No entanto, na AMC a série era um hit, não estritamente por causa do tamanho de seu público, mas por causa do modelo de negócios em que se encaixava. Na última década, diz-se que o canal de TV a cabo FX produziu a mais profunda linha de prestígio de dramas e comédias aclamados pela crítica na TV a cabo, entre elas, The Shield, Nip/Tuck — Estética, Damages, Uma história de horror americana, Archer, Fargo, Louie, The League, Justified, It’s Always Sunny in Philadelphia, Os americanos e Filhos da anarquia. Seus gêneros passam por terror surrealista, drama sombrio de motoqueiros e comédia verborrágica de espiões. “Eu estou atrás de um filme com noventa horas, uma jornada novelística de personagem”, disse Nicole Clemens, vice-presidente executiva de desenvolvimento de séries no FX. “Gênero é irrelevante. Trata-se apenas de um Cavalo de Troia portando a mais profunda questão emocional: quem o personagem principal está se tornando? O que ele ou ela fará em seguida?” Clemens descreve a si mesma como uma criança que vivia trancafiada em casa, criada diante do brilho da televisão nos anos de 1970, com programas como Dias Felizes e Laverne & Shirley. Ela consegue se lembrar do dia em que foi considerada velha o suficiente para ficar acordada até mais tarde e assistir a O barco do amor. Clemens foi trabalhar primeiramente com filmes, mas descobriu que a classe média dos filmes estava ficando oca. Alguns cineastas foram trabalhar em filmes de franquias que custam centenas de

milhões de dólares, enquanto outros trabalhavam em pequenos filmes independentes. No entanto, a classe do meio partiu para a TV a cabo, e, em 2012, Clemens acompanhou-os, indo para a televisão. “A chave para o sucesso para nós é encontrar uma voz original autêntica e personagens tão cativantes a ponto de o público querer estar na pele deles”, disse ela. Isto é, o FX está atrás de super-heróis e anti-heróis, mas eles não têm que usar uma capa, nem mesmo um terno de 5 mil dólares. “Eu defino um herói como sendo alguém capaz de fazer tudo aquilo que nós não conseguimos fazer”, disse ela. “O que incluiria um valente bombeiro, mas também um sociopata. Todos os personagens de Aaron Sorkin são super-heróis. Eles não conseguem pular de altos edifícios com um único impulso, mas conseguem falar e pensar melhor do que seres humanos comuns.” O segundo princípio no FX é o que Clemens chama de abordagem de “esconder os vegetais e as batatas” em relação à contação de histórias. Como George Lucas adornando seus mitos perenes com tecnologia fulgurante, Clemens vê o valor de histórias antigas que estão usando trajes novos. Em Filhos da anarquia, seu drama popular sobre um clube de motociclistas fora-da-lei, “Você acha que se trata deste show de motociclistas super-ultra-machões, mas também é uma novela com caras bonitos. E a trama é basicamente Hamlet.” Em Os Americanos, o drama de espionagem aclamado pela crítica sobre agentes soviéticos que posam como um casal casado nos Estados Unidos, “Você entra com tudo, no meio da Guerra Fria, e conhece este casal de espiões que estão em um casamento arranjado há dez anos. Eles acabaram de se apaixonar, mas têm que matar pessoas e dormir com outras pessoas. Então, o gênero da espionagem foi subvertido para contar uma história clássica sobre casamento.”

Um terço da categoria dos negócios na televisão é de canais por assinatura somente, como Netflix e redes premium, como HBO e Showtime. Soa arriscado abrir mão da propaganda. No entanto, tal modelo de negócios é um luxo artístico. Se alguém paga pela HBO, não importa se a pessoa assiste a cinquenta horas por semana do canal ou não o assiste de jeito nenhum: a HBO ganha a mesma quantidade de dinheiro com isso. A empresa não tem que se preocupar em maximizar os índices de audiência a cada hora para atrair anunciantes.

A NBC estuda dados da audiência com uma exegese talmúdica, pois seu modelo de negócios encoraja a uma devoção de causar deleite no maior público possível. A HBO não depende de testes com discos, grupos de focos nem pesquisas, seus executivos me disseram, porque seu modelo de negócios requer algo mais sutil. Seu imperativo econômico é o de criar um produto televisivo pelo qual os espectadores sintam que têm de pagar até mesmo quando eles não o veem. “A HBO está em um negócio diferente daquele da TV aberta”, disse Michael Lombardo, o ex-presidente de programação da HBO. “Os canais de TV aberta vendem visitas e propagandas. A HBO não está no negócio de venda de ingressos. A HBO vende uma marca.” Nenhum público diria para uma rede de televisão fazer um programa sobre jovens mulheres neuróticas e narcisistas debatendo-se com vinte e poucos anos, ele me disse. Mas quando a HBO fez esse programa, a série Girls, de Lena Dunham, estreou como queridinha da crítica e é possível que tenha sido o programa sobre o qual mais se escreveu na televisão. “Para que finalidade eu faria um grupo de foco para aquele programa?”, disse Lombardo. “Para que Hannah fosse mais legal com suas amigas?” Os primeiros dois hits de séries dramáticas originais da HBO, Os Sopranos e A sete palmos, eram sombrios, estranhos e explícitos demais para uma a TV aberta ou a cabo. Várias redes de TV aberta dispensaram David Chase, o criador de Os Sopranos, antes que ele aceitasse a promessa da HBO de latitude criativa. Eis o jogo a longo prazo da HBO: construir uma reputação como um lugar em que gênios criativos têm liberdade artística. Essa estratégia pode não produzir um hit a cada ano, mas, com o passar do tempo, telespectadores sérios se sentirão obrigados a pagar à HBO pela expectativas de genialidade vindoura (até mesmo se isso nem sempre se materializar). Dessa forma, uma empresa como a HBO está mais para uma agência de gerenciamento de talento do que para um típico canal de televisão. A tese da rede é a seguinte: encontre os melhores artistas, dê a eles tempo e espaço para criação e distribua sua criação. Logo que Lombardo leu o roteiro de Game of Thrones, em 2006, ele ficou preocupado que aquela pudesse ser uma aquisição impossível para sua empresa. A série seria baseada nos best-sellers “tijolos” de George R. R. Martin sobre várias famílias batalhando pelo poder em um universo de fantasia similar à Terra Média de J. R. R. Tolkien. Mas o preço poderia ser proibitivo. A trilogia de dez horas de O senhor dos anéis, dirigida por Peter

Jackson, tinha custado 300 milhões de dólares para ser feita; a HBO teria que produzir dez horas de entretenimento similar, ano após ano. “Uma parte minha pensou que nós não deveríamos estar fazendo um programa com dragões e Caminhantes Brancos”, Lombardo me disse. “Eu estava preocupado que nós não tivéssemos como bancar uma produção que teria de rivalizar com aqueles longas-metragens e a HBO não tinha nenhum registro de fazer tal gênero com sucesso.” Certa tarde, quando Lombardo estava indeciso em relação ao roteiro, ele deu uma parada na academia Santa Monica Equinox, a umas poucas quadras da praia. Ele estava passando pela seção de cardio quando viu Dan “D. B.” Weiss, um dos dois roteiristas principais do piloto de Game of Thrones, arqueado sobre uma bicicleta ergométrica com inclinação, lendo um exemplar do livro original de George R. R. Martin com uma abundância de anotações. Lombardo aproximou-se de Weiss para dizer olá. Eles ficaram conversando por alguns minutos. “Ele tinha uma caneta marca-texto na mão”, disse-me Lombardo, “e o livro estava totalmente coberto de anotações e com as beiradas das folhas dobradas. É isso que a HBO quer: apostar neste tipo de comprometimento e paixão”, o tipo que inspira uma abordagem obsessivo-compulsiva para adaptar um épico da fantasia para uma rede que não faz fantasia. “Quaisquer que fossem as reservas que eu tivesse, elas se foram. Pensei: ‘Estes caras não estão em busca do hit fácil. Eles estão fazendo isso porque amam essas histórias’.” Em janeiro de 2007, Lombardo e a HBO optaram pela série. Oito anos depois, Game of Thrones derrubou Os Sopranos do topo e tornou-se o programa mais visto da HBO de todos os tempos. Talvez ainda mais impressionante é que a série tem um outro superlativo que remete à sua popularidade global: ela é a série de TV mais baixada ilegalmente no mundo.18 As pessoas com frequência comparam os negócios ao beisebol. Em ambas as atividades, pode-se falhar em 70% do tempo e ainda assim ser incomparavelmente o máximo. No entanto, a diferença entre o beisebol e os negócios é que o beisebol tem o que o fundador e CEO da Amazon, Jeff Bezos, inteligentemente chamou de “uma distribuição de resultados truncada”. Homenruns têm um limite em sua grandeza. Em uma carta aos acionistas, ele escreveu:

Quando você gira para lançar a bola, não importa o quão bem se conecte com ela, o máximo de runs que você consegue fazer são quatro. Nos negócios, de tempos em tempos, quando você sobe o patamar, pode acertar mil runs. Essa distribuição de cauda longa de lucros é o motivo pelo qual é importante ser ousado. Grandes vencedores pagam por tantos experimentos.19 Os Sopranos não foi nenhum homerun comum. Também não se limitou a ser a série mais vista na história da HBO em seu tempo. Ela fez aumentar as assinaturas do canal premium de TV a cabo em 50%.20 Mad Men não foi somente uma joia da crítica. A série também levou a AMC a pegar Breaking Bad, um dos mais aclamados shows de TV na história da televisão e a taxa de TV a cabo da rede aumentou em 50% entre 2007 e 2013.21 Tal crescimento nas taxas ajudou a rede a produzir The Walking Dead, que se tornou o drama mais popular da TV a cabo. As apostas arriscadas em Os Sopranos e Mad Men não apenas fizeram com que suas companhias mães ganhassem uma tonelada de dinheiro; também acenderam a centelha de uma revolução comercial e artística na televisão. O gênero da televisão de prestígio, que já foi uma monarquia supervisionada pela HBO agora é um parlamento ruidoso. Netflix, Amazon, Hulu, Showtime, Cinemax, Starz, FX, AMC, USA e outros mais competem pelos shows de televisão que serão os próximos Os Sopranos ou Mad Men, uma força destruidora com um panache cinemático e a expansividade de um romance “tijolo”. Alguns hits salvam suas empresas. Uns poucos hits especiais revolucionam seus negócios. Eles acertam mil runs.

Uma

das dificuldades sobre escrever um livro representativo sobre produtos culturais de sucesso é que hits não são representativos. Eles são intrínsecos esquisitões, atípicos e exceções. Não existe nenhuma fórmula completa e perfeita para a criação de um produto popular. Se houvesse tal fórmula, todo mundo teria conhecimento e a seguiria, o mundo seria lavado por produtos culturais similarmente bem-sucedidos, o que, tecnicamente, significa que nada teria muito sucesso. Pelo contrário, a paisagem do entretenimento está cheia de imitações, sequências de histórias extraídas de histórias em quadrinhos, romances de fantasia para jovens adultos, um atrás

do outro. A imitação não é um sinal de que as pessoas conhecem o segredo da popularidade. É sinal de que não existe nenhum segredo e a única coisa que as pessoas conhecem é a última coisa que foi bem-sucedida. “Hit” é um termo relativo, não apenas dentro do negócio da televisão, mas também por todo o entretenimento. Livros best-sellers, filmes blockbusters e vídeos on-line, todos eles podem clamar o título de “hit”, no entanto, sua popularidade comercial pode diferir por ordens de magnitude. Se um livro vender 100 mil exemplares, ele pode ser um best-seller nacional, mas, se um filme de um grande estúdio vender 100 mil ingressos, conseguindo uma renda doméstica de bilheteria de 1 milhão de dólares, é um fracasso vergonhoso. Enquanto isso, se um filme de um estúdio vender 100 milhões de ingressos no mundo todo, ele pode ser um dos filmes de maior bilheteria de todos os tempos, mas um vídeo do YouTube com 100 milhões de visualizações não é nem um pouco histórico. Os mais populares vídeos musicais na plataforma podem conseguir mais de 1 bilhão de visualizações a cada ano. Um e-book pode custar dez dólares e um ingresso de cinema pode custar dez dólares, mas, sob a etiqueta de preço, a economia de livros e filmes não poderia ser mais diferente. Um grande estúdio de cinema, como a 20th Century Fox poderia produzir cerca de vinte filmes por ano e gastar cerca de 100 milhões na produção e no marketing de cada um deles. Uma grande editora como a HarperCollins pode produzir 10 mil livros por ano, isso é quase o número de títulos por semana que a 20th Century Fox lançará em filmes nessa década. Ambas as empresas estão no negócio de venda de narrativas, inspiração e informações. Porém, permanecem no negócio alinhando custos com a demanda. A 20th Century Fox sobrevive em um ramo em que um punhado de produtos requer 10 milhões de consumidores e a HarperCollins sobrevive em um ramo em que quase nada vende mais do que 1 milhão de exemplares. HBO, AMC, FX, Republic Records, 20th Century Fox, Harper-Collins e outras empresas criadoras de hits são todas empresas de capital de risco. Elas avaliam um imenso acervo de produtos. Elas apostam em um conjunto diverso de hits em potencial, porém, o sucesso é semicaótico. A maioria das ideias fracassam e, o que é ideal, os poucos sucessos pagam o suficiente para compensar pelo fracasso. Michael Lombardo e Nicole Clemens tiveram sua cota de momentos de Cassandra, mas eles não são oráculos gregos. Seu sucesso começa com um

modelo de negócios que provê um fluxo constante de renda para suas empresas, até mesmo no caso em que produzam uma temporada de entretenimento que quase ninguém veja. “Nós estamos no jogo da marca”, me disse Lombardo. “AMC é uma marca. FX é uma marca. A NBC ainda lida com a venda de uma hora em sua grade de programação.” A TV a cabo pode ter sido um dos melhores modelos de negócios na mídia moderna, um subsídio de entretenimento multibilionário de uma centena de milhão de casas para centenas de canais, apesar do fato de que a maior parte das famílias nunca assistia à maioria dos canais. Porém muitos sinais sugerem que o futuro próximo será diferente. A TV a cabo está em um declínio estrutural, com jovens audiências cortando o cabo ou até mesmo nunca o plugando. O futuro não será de um pacote para todos, mas sim, pelo contrário, vários pacotes para muitos: HBO, Netflix, Amazon Video, Hulu e talvez, em breve, um pacote da Disney, um pacote da CBS e um pacote de esportes. Haverá tanta televisão de alta qualidade e séries em vídeo digitais no futuro próximo que os telespectadores demandarão um produto que encontre e organize as melhores coisas em todos esses discretos serviços. Em outras palavras, será a época para um novo pacote. Esse parece ser, para mim, o futuro provável do vídeo: a recolocação em pacotes de pacotes fora de pacotes (que, inevitavelmente, sairão dos pacotes). Conforme se desintegra o formato monolítico da TV a cabo, caberá a empresas mais jovens aprender pelo que os telespectadores estão dispostos a pagar. Trabalhadores em alguns setores como jornalismo e arte ocasionalmente estremecem com a pressão de monetizar seu trabalho. É sempre bacana pensar nos criadores trabalhando em um universo separado do mundo oleoso do comércio. Mas todo mundo tem que comer. Claude Monet pintou durante quase sessenta anos, o que são 22 mil jantares, muito graças a seu heroico marchand Paul Durand-Ruel e seu amigo e benfeitor Gustave Caillebotte. Monet teve a liberdade de ser um dedicado artista porque uma outra pessoa foi seu dedicado marchand. David Chase e Matthew Weiner desfrutaram liberdade artística porque a HBO e AMC tinham um modelo econômico que lhes permitia e até mesmo os encorajava a se arriscarem. A arte pode ter um preço inestimável, mas não vem de graça. De uma forma ou de outra, alguém tem que pagar.

* ...p or hora. No futuro p róximo, eu esp ero que redes de TV aberta como a CBS vendam mais p rodutos diretos aos consumidores, como a Netflix, e que emp resas p or assinatura como a Netflix exp erimentem com a p rop aganda, como a CBS. A fusão dos modelos de negócios já está acontecendo. Nos últimos anos, redes de TV aberta ganharam bilhões com taxas de retransmissão, que são como as taxas de afiliados de TV a cabo p ara a TV aberta. [N. do A.] ** Embora as redes sejam chamadas de canais “a cabo”, elas também p odem ser acessadas via emp resas de satélites como a DirecTV e emp resas de telecomunicações como a Verizon, e não ap enas emp resas de TV a cabo como a Time Warner Cable. M as eu continuarei usando o termo abrangente “TV a cabo”. [N. do A.]

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O QUE AS PESSOAS QUEREM II: UMA HISTÓRIA DE PIXELS E TINTA O que as pessoas querem dos noticiários (e frequentemente não encontram nos noticiários)

Escrever no século XXI pode ser o ramo mais competitivo na história da humanidade. As barreiras são baixas, o suprimento é gigantesco e a concorrência é global, com inúmeros publicadores produzindo conteúdo para um público mundial. Todos os dias, jornalistas e blogueiros escrevem vários milhões de artigos de notícias e posts de blogs, junto com centenas de milhões de mensagens no Twitter e no Facebook.1 Mas quantos desses trilhões de gigabytes são alguma coisa que alguém realmente queira ler?2 Buscar a verdade pura e simples é o primeiro, e talvez o único, objetivo do jornalismo. Porém os noticiários são um negócio e um editor sábio busca uma métrica (que se espera que seja) complementar: o prazer de seus leitores. Descobrir como deixar os leitores e os telespectadores deleitados pode parecer uma investigação simples. No entanto, entender o que as pessoas realmente querem no mundo da arte e das ideias não é algo nem um pouco direto. Na verdade, os públicos são tão curiosos e complicados que a maioria dos métodos bem-sucedidos de estudar seu comportamento são, com frequência, indistinguíveis da antropologia. Então vamos voltar ao primeiro estudo antropológico de leitores, feito quase cem anos atrás, em outra era em que o mundo parecia estar desesperadamente imerso em palavras.

A década de 1920 foi

uma era de ouro da leitura e a espinha dorsal da bibliofilia americana descia pela Quarta Avenida, ao sul da Union Square, em Manhattan. Tratava-se da “Fileira dos Livros”, um agrupamento de 48 livrarias independentes ao longo de seis longas quadras. (Atualmente, todas as fachadas se foram, exceto por uma das mais famosas livrarias independentes nos Estados Unidos; apropriadamente para uma solitária sobrevivente, ele se chama The Strand.) Aquela foi uma bela década para a construção de livrarias. O número de livros publicados a cada ano dobrou entre as décadas de 1910 e 1920, chegando a 10 mil títulos únicos.3 Porém o volume de papel barato não foi o mais impressionante sobre a literatura dessa década. Os anos de 1920 nos proporcionaram O grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald, O sol também se levanta, de Ernest Hemingway, e O som e a fúria, de William Faulkner. Entre as importações europeias estavam Ulisses, de James Joyce, O processo, de Franz Kafka, e Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf. Era uma época de poesia sombria e cheia de incredulidade, com A terra inútil, de T. S. Eliot e a década de ficção inspiradoramente cheia de fé, com a publicação de Sidarta e O profeta. Um dos maiores escritores de mistério da história passou a bola para outra. O primeiro livro de Agatha Christie, O misterioso caso de Styles, chegou em 1920, e o volume final das histórias de Sherlock Holmes, de Sir Arthur Conan Doyle, foi publicado sete anos depois. Com milhares de títulos fluindo pelas fileiras de livros dos Estados Unidos de 1920, descobrir obras tornou-se um problema em voga, e novas organizações surgiram para solucioná-lo.4 O Clube do Livro do Mês, nascido em 1926, prometia escolher a dedo apenas as melhores obras para seus membros seletos. Nesse mesmo ano, surgiu a concorrência no negócio de assinatura de livros da Guilda Literária da América. Nenhuma das duas organizações é louvada como inovadora hoje, no entanto, seu modelo de negócios previu um século de venda de conteúdo em pacotes. Pagar um preço com um grande desconto por unidade para obter mais coisas do que se consegue razoavelmente consumir é a TV a cabo, Spotify, Netflix e o moderno negócio de assinatura de caixas. O que fez da década de 1920 anos tão alegres para a palavra impressa? Uma explicação plausível deve incluir educação, tecnologia e casualidade político-econômica. A cota de homens e mulheres formados na escola secundária subiu muito, de cerca de 30% nos anos de 1900 a cerca de 60%

em 1930, e a demanda por notícias e entretenimento para tal força de trabalho instruída foi às alturas. No decorrer do século seguinte, o centro de gravidade nas notícias dos Estados Unidos passaria para a rádio, a televisão, os computadores e os celulares. Mas por um tempinho tinta e papel desfrutaram um breve monopólio da mídia. Por fim, os anos de 1920 foram um período pacífico e próspero em comparação com a guerra e a recessão que marcaram o final da década anterior. Dependendo de sua perspectiva, o jornalismo beneficiou-se da era de ouro do papel ou ficou totalmente empanturrado com ela. Uma ninhada de icônicas revistas nasceu, entre elas, a Time, em 1923 e The New Yorker, em 1925, e a renda com anúncios em revistas aumentou em 500% na década. Ainda assim, a chegada de novos periódicos e extraordinárias obras literárias mal parecia saciar a sede dos leitores por publicações diárias. As vendas de jornais também aumentaram em 20% nos anos de 1920, chegando a 36 milhões de exemplares por dia. Isso dava uma média de 1,4 jornais para cada casa. Em determinado momento, a cidade de Nova York tinha para si doze jornais diários.5 As primeiras décadas do século XX também testemunharam a produção crescente e agressiva de um novo produto: o tabloide. Como tantas coisas na história das letras americanas, o tabloide foi uma importação britânica. Originando-se na medicina de fins de 1800, a palavra “tabloide” primeiramente se referiu a um pequeno comprimido (remédio). Logo se tornou um termo genérico para se referir a uma forma menor e comprimida de alguma coisa, inclusive jornalismo e jornais. O padrinho dos tabloides de notícias foi o grande magnata da mídia britânica, Alfred Harmsworth,* o fundador e proprietário do Daily Mail em Londres, que estreou em 1896. Com artigos mais curtos, uma pegada populista e custando meio centavo (metade do preço de seus rivais), o Daily Mail foi uma sensação na Grã Bretanha. Por volta de 1900, foi o primeiro jornal no mundo a ter uma circulação de mais de 1 milhão de exemplares. Inesperadamente, para um pioneiro em vulgaridade sucinta, Harmsworth era pomposo, colocando seu crescente império da mídia na curva da história. “Nós estamos entrando no século da combinação e centralização”, ele escreveu. “Hoje o mundo entra no Século XX ou Século da Economia de Tempo. Eu declaro que, por meio do meu sistema de jornalismo condensado, ou tabloide, centenas de horas de trabalho podem ser salvas a cada ano.”6

Sendo assim, o tabloide foi concebido não como um mero resumo de obscenidades, como também uma tecnologia para economizar tempo. Estes periódicos focavam-se em esportes, fofocas e, acima de tudo, crimes. Um estudo de 1927 mostrou que eles devotavam quase um terço de seu espaço a histórias sobre crimes, dez vezes mais do que os jornais tradicionais.7 O primeiro tabloide americano, inspirado no Daily Mirror de Harmsworth, foi o Illustrated Daily News, lançado em Nova York, em junho de 1919. Por volta da década de 1940, foi o jornal mais vendido dos Estados Unidos. Pouco a pouco, o espírito dos tabloides colonizou até mesmo os jornais mais respeitáveis, como o The Washington Post e o The New York Times, que aumentaram matérias sobre esportes de bola e violência para acompanhar a evolução dos gostos dos leitores (ou poderia ser argumentado que se tratava de uma involução). Tratava-se de uma era de crescentes e grandes esforços para os maiores jornais dos Estados Unidos. O final dos anos de 1800 tinham visto uma explosão de jornais menores, feitos sob medida para classes, línguas e etnias específicas. Só Nova York e Nova Jersey eram o lar de L’Eco d’Italia, L’Observateur Impartial, Armenia Times, Norway Tiding e Der Idisher Zschurnal entre outros jornais étnicos.8 The Canajoharie Radii, fundado por um professor surdo-mudo chamado Levi Backus, inicialmente tinha como foco notícias para os surdos. Esse nível de especialização significava que, digamos, repórteres ítalo-americanos estavam escrevendo para leitores ítalo-americanos, que, às vezes, eram seus próprios vizinhos. Os jornalistas eram membros de seu próprio público-alvo e os editores não tinham que se preocupar demais com o que haveriam de colocar no jornal, visto que escrever para seus leitores com frequência significava escrever para si mesmo. No entanto, os jornais do início do século XX eram uma besta completamente diferente: nacionais em vez de locais, pluralistas em vez de puramente étnicos. A urbanização encorajou jornais menores a se consolidarem. A invenção do telégrafo e a distribuição das notícias trouxe histórias de longe para os leitores locais. O negócio dos jornais estava mudando, mas o mesmo ocorria com a função básica do jornalismo. Conforme os jornais iam ficando maiores, os editores ficavam responsáveis por alcançar um imenso e diverso grupo de leitores que não conheciam de modo algum. Escrever para seu público não era mais sinônimo de escrever

para seus vizinhos. Significava escrever para centenas de milhares de estranhos. Essas mudanças tecnológicas e culturais forçaram editores e publicadores a surgirem com uma nova abordagem a uma pergunta antiga: o que os leitores querem? Os jornais tinham todos os tipos de formas para medir as demandas de seus leitores no início do século XX, no entanto, cada uma delas era falha e algumas eram extremamente primitivas.9 Os registros de circulação poderiam dizer aos editores qual era o tamanho de seu público, mas não para onde os leitores olhavam quando abriam o pacote. Reclamações e respostas, por exemplo, cartas aos editores, eram uma fonte honesta de feedback, mas uma minoria vocal de leitores oferecia uma caricatura dos verdadeiros leitores de um jornal. Os editores recorriam a táticas absurdas para descobrir o que as pessoas estavam lendo. Para saberem quais colunas eram mais populares, alguns jornais contratavam investigadores particulares para surgirem de fininho atrás dos leitores de modo a marcar os artigos para os quais eles estavam olhando.10 Outros editores enviavam espiões para dentro de trens e trólebus para registrarem a página exata em que jornais descartados eram deixados abertos no chão. Essa era uma forma horrível de se medir os leitores, visto que não dizia se as pessoas tinham gostado da página antes de saírem apressadamente do trem ou se haviam odiado tanto a história a ponto de jogá-la no chão, com repulsa. Porém, tempos desesperados pediam que se pescasse informações em trólebus e trens. A era dourada da leitura ainda estava na idade da pedra em termos de entendimento dos leitores. Então surgiu um homem cujo nome agora é sinônimo de opinião pública. Ele ofereceu um plano aparentemente simples para descobrir o que as pessoas querem. Entrar em suas salas de estar e apenas as observar.

George

Gallup sonhava em ser um editor profissional de jornal, porém, quando ele se formou na Universidade de Iowa em 1923, juntou-se ao programa de doutorado da faculdade em psicologia aplicada.11 Cinco anos depois, publicou uma dissertação que unia seu sonho e sua formação, estudando os leitores como se eles fossem objetos de pesquisa.

Gallup não era nenhum sentimentalista em se tratando do Quarto Poder. Ele via os jornais principalmente como gladiadores na arena da atenção. “O problema do jornal moderno é adequar-se o máximo possível às necessidades do público leitor”, ele escreveu. “Especificamente, seu problema é ser lido.” Essa não era uma poderosa admissão do dever cívico do jornalismo e, ainda assim, tinha seu mérito. Um jornal sem leitores está destinado a ir à falência e uma história bem relatada tem pouco uso se ninguém a ler. Gallup estava à frente de seu tempo no entendimento de que a concorrência dos jornais não vinha simplesmente das invenções impressas de sua era, como os tabloides e as revistas semanais. Vinha de qualquer coisa que demandasse a atenção de leitores em potencial. Dentre os rivais do jornal, ele incluía a rádio, a indústria cinematográfica que se expandia rapidamente, e até mesmo o tempo passado dirigindo um carro. Sua dissertação de 1928 era intitulada: “Um método objetivo para a determinação do interesse do leitor no conteúdo de um jornal”. A ênfase de Gallup era diretamente no adjetivo “objetivo”. Ele dispensava a circulação e os esforços patéticos dos editores de despacharem agentes secretos para espionarem leitores. Ele era cético até mesmo em relação aos questionários. Em vez disso, propôs uma abordagem etnográfica que ele chamou de “Método de Iowa”. Decidido em seu propósito de observar famílias em suas próprias salas de estar e cozinhas, enviou entrevistadores para dentro dos lares de Iowa para que ficassem sentados a uma mesa em frente aos assinantes. O pesquisador e o leitor folheavam os jornais de Iowa juntos, desde a história principal na primeira página até os cartuns, marcando cada manchete, parágrafo e imagem como lido ou não lido. Gallup suspeitava que os leitores com frequência mentiam em pesquisas, então ele instruiu sua equipe a ignorar declarações como “eu li toda a página da frente” ou “eu não li nada além das tirinhas”, porque, ele escreveu, “quase sem exceção, um questionamento posterior provava que essas declarações preliminares eram falsas. A pessoa que acredita ter lido toda a página da frente de um jornal pode não ter lido um quarto dela.”** Gallup registrava meticulosamente seus dados de entrevistas em dezenas de páginas. Ele considerou como trabalhar com leitores do sexo masculino era diferente de trabalhar com as mulheres e como fazendeiros tratavam o jornal de forma diferente de famílias urbanas.

Ele determinou que notícias sérias na primeira página do jornal não eram mais populares do que algumas colunas leves enterradas mais para trás. O item mais lido não era nem uma notícia! Era o cartum da página da frente, de J. H. Darling, lido por 90% dos homens, em comparação com apenas 12% que leram as notícias do governo local do dia. Em relação às mulheres, as partes mais lidas do jornal eram as de “estilo e fotos de beleza”. Está na moda para os críticos da mídia de hoje ficarem avisando que o jornalismo está afundando sob o Facebook, notícias na TV a cabo e o dilúvio das mídias sociais. Porém os típicos leitores de notícias nos idos de 1920 não ansiavam por uma longa cobertura de uma reportagem arcana, ainda que com consequências políticas internacionais. Os homens dos anos 1920 gostavam de imagens engraçadas e as mulheres gostavam de fotos bonitas. A ideia de fazer uma pesquisa de produtos observando as pessoas em suas cozinhas poderia não parecer digna de deixar alguém de queixo caído, mas era sutilmente revolucionária. Gallup era um pioneiro no que alguns agora chamam de “antropologia aplicada”,*** o uso da antropologia para resolver um problema humano prático. Nos anos de 1930, o governo dos Estados Unidos contratou seus primeiros especialistas em antropologia aplicada para estudar reservas indígenas de modo a implementar a Lei da Reorganização Indígena do Novo Tratado.12 Nos anos 1980, a Xerox PARC, a fábrica de ideias de Palo Alto, empregou antropólogos para que fizessem o design de protótipos para o computador moderno. Hoje em dia, firmas de consultoria como IDEO e McKinsey com frequência começam projetos despachando jovens funcionários para observarem clientes e consumidores em seus ambientes naturais — seus escritórios, suas cozinhas, seus carros e suas salas de estar. Depois do governo dos Estados Unidos, o segundo maior empregador de antropólogos nos dias de hoje nos Estados Unidos não é a Universidade de Harvard ou a UCLA. É a Microsoft.13 Os métodos de Gallup fizeram dele uma celebridade do marketing nos anos 1930. Ele juntou-se à agência de propaganda Young & Rubicam e aplicou sua abordagem à propaganda impressa nas profundezas da Grande Depressão. Gallup mudou a forma como os editores pensavam em relação a espaço, fontes surpreendentes e grandes imagens. Por exemplo, com base em entrevistas junto aos leitores, Gallup concluiu que os anúncios colocados “abaixo da dobra”, na metade inferior de uma página de um jornal, eram com frequência ignorados.14 Ele também descobriu que os leitores prestavam mais atenção a fotos do que a palavras.

Gallup acabou aplicando seus métodos à política, onde seu sobrenome se tornou uma marca amplamente conhecida na arena da opinião pública. Hoje em dia, jornalistas e pesquisadores frequentemente se referem a análises estatísticas e pesquisas de Gallup sobre tudo, desde o engajamento do trabalhador em relação a atitudes relacionadas a raça e eleições presidenciais. Porém existe uma distinção importante entre esses dois serviços. Análises estatísticas medem sentimentos e comportamentos atuais (você é um republicano registrado?). Pesquisas preveem futuros resultados de eleições (você votará nos Republicanos na eleição do próximo ano?). A distinção entre análises estatísticas, uma medição do presente, e pesquisas, uma medição do futuro, aponta para a segunda lição do Método de Iowa de Gallup: as pessoas são boas em relatar seus sentimentos.15 Porém, são menos confiáveis no relato de seus hábitos (especialmente em se tratando de hábitos ruins) ou em projetarem seus futuros desejos e necessidades. Os leitores de Iowa eram repórteres não confiáveis de seus próprios comportamentos. Mas a maioria das pessoas é assim. Pergunte a alguém sobre seus pontos fracos e eles com frequência encobrirão a podre verdade, enfiando-a em uma casca à la Loewy de pensamento ambicioso. Em estudos psicológicos, isso é, às vezes, atribuído à “ideia tendenciosa de desejabilidade social”. As pessoas contam aos pesquisadores (sem falar de seus amigos e familiares) que são melhores do que realmente são porque elas querem que as pessoas gostem delas. Ou, de uma forma mais sutil, elas querem contar a si mesmas que são o tipo de pessoa de quem as pessoas gostam. Uma revisão de 2008 do efeito descobriu que objetos de pesquisa mentem sobre quase todos os elementos de suas identidades: suas competências em diversas tarefas, suas condições psiquiátricas, seus regimes de exercícios, suas emoções, seus comportamentos em relação a seus parceiros, e suas dietas.**** Sendo-lhes dado tempo para refletir, as pessoas preferem falar quem desejam ser, e não sobre a pessoa que elas são. As pessoas caracterizam de forma enganadora seus maus hábitos porque elas podem fazer isso. Elas fracassam na previsão de seu comportamento futuro porque não podem fazer isso. Prever o futuro de qualquer um é difícil, até mesmo o seu próprio. Era especialmente difícil para os ávidos leitores de jornais nas décadas de 1920 e 1930 preverem a tecnologia impressionante que estava logo ali na esquina. Era uma pequena caixa movida a tubos de raios catódicos que suplantaria os jornais e a rádio em

seu caminho para se tornar o produto de mídia mais popular na história dos Estados Unidos.

Por volta de meados do século XX, grandes jornais continuaram a crescer tanto em termos de contagem de páginas quanto de leitores, tendo absorvido muitos jornais pequenos e especializados, porém, eles se depararam com um novo teste, que provou ser mais intimidante para o futuro da leitura do que os tabloides, o rádio, os filmes ou até mesmo os carros. Nos anos de 1950, a televisão passou de curiosidade na sala de estar a uma onipresença nos lares.16 Menos de 1% das casas tinham um aparelho de televisão em 1948. Uma década depois, 83% das casas tinham uma TV, e as famílias ficavam durante mais de cinco horas por dia sentadas em frente a ela. Nenhuma tecnologia pessoal, nem o rádio, nem o telefone, o carro, a geladeira ou o encanamento interno havia se disseminado tão rapidamente de uma casa a outra. Inicialmente, os jornais ignoraram a ameaça da televisão. O jornalismo impresso era “bem mais fascinante, bem mais variado e oferece bem mais possiblidades de recompensa financeira”, disse o editor-executivo do New York Daily News, Richard W. Clarke, em 1947.17 O editor-executivo do The New York Times, Turner Catledge, escrevendo em 1951, declarou que ele não “considerava a TV uma concorrente direta do tipo de jornal que publicamos”. Enquanto isso, editores se garantiam quanto à possibilidade de que pudesse haver algo com a TV afinal de contas, sendo donos de seis de suas quinze estações. Embora seja fácil julgar a confiança equivocada dos editores muitas décadas depois, eles estavam se comparando com um produto de notícias na televisão que era simplesmente horrível. Havia poucas reportagens originais e a primeira geração de produtores não entendia como fazer um bom programa de TV. Em vez disso, eles sabiam como colocar um bom programa de rádio na TV. No entanto, a televisão ruim não fez com que as pessoas parassem de criar canais, cujo número quintuplicou na década de 1950, assim como não as impediu de assistirem à televisão. Entre 1948 e 1955, o tempo médio passado em uma casa ouvindo rádio caiu de 4,4 para 2,4 horas.18

Seria gratificante e também dramático relatar que uma única história das notícias marcou o ponto de inflexão da transição da televisão de marginal para mainstream. Tal evento não existe, mas a história de uma jovem garota californiana chamada Kathy Fiscus chega bem perto disso.19 Em uma tarde de sexta-feira em San Marino, em abril de 1949, a jovem, com seus cabelos claros cacheados e um sorriso gracioso, caiu no estreito eixo de um poço de água abandonado. A cidade requisitou um arsenal de ferramentas de escavação para o cenário do acidente de modo a resgatar Kathy: sondas, escavadeiras mecânicas, guindastes e dezenas de holofotes dos estúdios de Hollywood. Repórteres da estação KTLA, de Los Angeles, cobriram a tentativa de resgate durante 28 horas consecutivas e dez mil pessoas reuniram-se para ficar sabendo, infelizmente, que Kathy havia morrido no fundo do poço. O esforço de resgate foi notícia de primeira página no Los Angeles Times, mas a tragédia ressaltou a capacidade da televisão de transportar as pessoas até notícias de última hora de forma tal que a palavra impressa jamais seria capaz de fazer. “Essa foi a primeira vez em que o tubo de raios catódicos conseguiu completamente o furo de reportagem, abafando os jornais”, lembrou-se Will Fowler, um famoso repórter de longa data de Los Angeles.20 (Sete décadas depois, os noticiários na TV a cabo lembram-se da lição: nada capta tanto a atenção nacional quanto um mistério com o qual as pessoas possam se relacionar e que ofereça a promessa de uma resolução adequada: quem ganhou a eleição? Quem planejou o ataque? Para onde foi o avião?) Na década de 1950, vários eventos políticos demonstraram o poder dessa curiosa caixinha. O Comitê do Senado de 1951 para a investigação do crime organizado e o retorno do General Douglas MacArthur aos Estados Unidos foram ambos transmitidos para dezenas de milhões de telespectadores. A Convenção Nacional Republicana de 1952 criou a maior audiência para um evento ao vivo na televisão até hoje, com 60 milhões de telespectadores. A revista Newsweek referiu-se a ela como “a convenção da televisão”.21 Em 1956, Dwight Eisenhower estava tão entusiasmado com o poder da televisão como uma mídia empática que ele contratou um jovem marqueteiro da televisão — de fato, da antiga firma de Gallup, Young & Rubicam — para orquestrar a Convenção Nacional Republicana e injetá-la com “informalidade, sentimento e emoção”.22 ***** A eleição presidencial de 1960 teve o primeiro debate televisionado, fatidicamente justapondo o ar de

realeza de John F. Kennedy com o rosto suado de Richard Nixon. Hoje em dia, a disputa de 1960 é amplamente considerada “a eleição da televisão”, mas seria um erro pensar que aquela foi a primeira eleição modulada pelo aparelho.****** Aos poucos, os críticos da mídia dominante no país mudaram seu tom ao falarem sobre as notícias na televisão. Não era terrível por completo, apenas terrível com regularidade e excelente aqui e ali. Em 1961, Newton Minow, presidente da Comissão Federal de Comunicações, apresentou seu famoso discurso chamando a televisão de uma “vasta terra inóspita”. No entanto, seu discurso não foi tão terrível quanto sugere a citação bem conhecida. Na verdade, incluía outra fala que deveria ser igualmente imortal: “Quando a televisão é boa, nada é melhor”.

O que as pessoas querem ler? é a pergunta que abre este Capítulo. Essa é a pergunta que motivou editores de jornais a contratarem espiões e a transformarem George Gallup em um astro. No entanto, o sucesso da televisão sugere que a questão seja estreita demais. A pergunta correta seria: “como as pessoas querem vivenciar as notícias, o entretenimento e a contação de histórias, seja a mídia em palavras, imagens ou sons?” Às vezes, uma empresa arrivista derrubará uma indústria remanescente de outra época, não com um produto superior no velho mercado, mas sim com um produto inferior em um novo mercado.23 Na verdade, acabou que melhores jornais não eram a maior ameaça para os jornais. Era a má televisão. A televisão suplantou o papel como fonte principal de notícias quase em toda parte onde foi introduzida. Nos Estados Unidos, no Reino Unido, na Austrália e pela Europa continental, o número de jornais vendidos por pessoa caiu de modo vertiginoso na segunda metade do século XX.24 *******

Se a televisão minou os leitores de jornais, a internet, por fim, trouxe abaixo o modelo de negócios de árvores mortas. Como sua entrega física, os jornais são um pacote econômico. A seção de negócios paga pelas reportagens políticas; as seções de automóveis e imobiliárias intersubsidiam as investigações internacionais. Porém a internet removeu a necessidade dos subsídios.25 Sites como Craigslist, eBay e Zillow ofereciam versões mais diretas e mais acessíveis das seções de classificados e páginas

imobiliárias, os anúncios largaram a versão impressa e foram para outros websites. Se isso não fosse o bastante, as notícias digitais foram furtivamente minando as notícias pagas em um senso mais amplo, criando uma expectativa de que as notícias deveriam ser gratuitas. Agora existem dezenas de websites excelentes movidos somente por propaganda que tomaram os lugares das revistas e dos jornais remanescentes de outra época. No entanto, juntos, cometeram uma espécie de massacre não intencional das notícias pagas, instruindo uma geração de leitores sobre o fato de que o mero tempo de atenção pode financiar o jornalismo. As notícias na internet também estão evoluindo. No primeiro estágio, jornais e revistas colocavam seus artigos na web, forçando conteúdo de décadas a entrarem na nova mídia, de forma muito similar a como os primeiros shows de televisão eram essencialmente programas de rádio jogados na frente de uma câmera. No segundo estágio, os agregadores tomaram conta da cena. Os leitores aprenderam que não precisavam ir até um website para tomar conhecimento das notícias da manhã. Eles podiam digitar palavras-chave na barra de pesquisas do Google e as notícias apareceriam num piscar de olhos. Eles podiam visitar sites como Digg e Reddit, que classificavam e contextualizavam links de diversos publicadores. Ou podiam fazer o login em suas contas de redes sociais, como Facebook e Twitter, para ler artigos postados por seus amigos e pares. A ascensão dos agregadores diluiu o poder de websites e home pages, conforme os leitores aprenderam a ir até o Google ou Reddit para questões anteriormente reservadas a seu jornal local. O centro de poder na publicação estava mudando de novas marcas para plataformas de descoberta, de forma bem similar a como aconteceu, em uma outra era de abundantes palavras, quando o Clube do Livro do Mês ajudava os leitores a terem uma amostra, de forma estratégica, do excesso de novos títulos. Hoje em dia, as mídias sociais substituíram o jornal matinal como o primeiro ponto de parada para muitos jovens em busca de notícias sobre o mundo. Pessoas jovens entre dezoito e 34 anos, alternativamente chamadas de millennials, geração y e várias outras coisas, tendem a não seguir notícias “indo diretamente aos provedores de notícias”, descobriu o Instituto Americano de Imprensa em uma análise estatística de 2015.26 Em vez disso, quase 90% das pessoas jovens obtêm notícias das mídias sociais. O século XXI marca um retorno altamente tecnológico aos valores das notícias no século XIX, com os nichos reconquistando o mainstream, mas

com uma mudança. Quando a mídia em massa foi subdividida em centenas de jornais étnicos, os editores ainda serviam aos leitores em um relacionamento estritamente unidirecional. Hoje em dia, contudo, os leitores são seus próprios editores. Usuários do Facebook e do Twitter não têm que seguir nenhuma nova marca que seja. Eles seguem indivíduos, que compartilham qualquer artigo ou imagem que eles achem interessantes ou chocantes. A unidade básica das notícias costumava ser um pacote de jornal, organizado por estranhos e distribuído via rota de entrega. Hoje em dia, a unidade atômica é um artigo, cuja entrega é gratuita, e todo mundo serve como editor, leitor e disseminador ao mesmo tempo. As notícias tornou-se um anacronismo. São minhas notícias agora.27 ******** Três temas merecem ser especificamente desenvolvidos: a mudança das notícias no século XX, de apenas texto para texto, som e vídeo; a evolução da descoberta de notícias de publicadores individuais para plataformas que agregam muitos publicadores; e a ascensão de redes pessoais substituindo a coleta e separação de conteúdo uma vez realizada por editores e jornalistas. Existe realmente uma empresa que se encontra no centro de todas essas tendências e é, hoje, a fonte mais importante de notícias e informações no mundo. Essa empresa é o Facebook.

Quando George Gallup disse que o problema do jornal moderno era “ser lido”, ele não poderia possivelmente ter imaginado a escala em que uma empresa poderia ser bem-sucedida ao longo desta métrica. Mais de 1 bilhão de pessoas no mundo todo fazem o login no Facebook em qualquer dia e cerca de 170 milhões delas vêm dos Estados Unidos e do Canadá somente. Em julho de 2014, a empresa relatou que a média de tempo que um consumidor americano passa na rede social é de cinquenta minutos por dia.28 Isso é mais tempo do que o total de tempo que o típico americano passa lendo e praticando esportes, segundo a Agência de Estatísticas de Trabalho. A página inicial do Facebook é chamada de Feed de Notícias, uma pilha de observações sobre a vida, vídeos, fotografias e artigos, organizadas por um algoritmo mestre de modo a mostrar as coisas mais interessantes no topo. Como qualquer algoritmo projetado para fazer com que as pessoas se engajem, o Feed de Notícias é um espelho do comportamento do usuário. Pessoas que gostam de artigos liberais e fotos de bebês tenderão a ver mais

artigos liberais e bebês. Porém, ele também é um reflexo dos próprios valores do Facebook. Sendo um negócio suportado por anúncios, o interesse comercial do Facebook não é o de meramente ajudá-lo a encontrar alguma coisa interessante para que você saia voando para outro canto da internet, mas sim o de construir um ambiente aonde as pessoas cheguem, no qual elas fiquem e façam a rolagem pelos anúncios. No século XX, podia-se dividir mais ou menos cada tecnologia de comunicações em duas categorias: social (de uma para poucos) e difusora (de um para muitos). Conversar era social; a rádio era difusora.29 Telefones eram sociais, a televisão era difusora. O Facebook é uma mudança no padrão das tecnologias do século XXI, pois ele é, ao mesmo tempo, uma mídia social (um lugar para ver as fotos dos amigos) e uma plataforma de difusão, quanto é uma das mais importantes fontes de tráfego da internet. É isso o que torna o Facebook poderoso: ele é tanto um sistema de correspondência global quanto um jornal global, parte rede telefônica e parte TV aberta. A fórmula algorítmica do Feed de Notícias é como a receita da CocaCola: ela serve a bilhões de pessoas e nada que chegasse perto de sua plena explicação já foi publicado alguma vez. Recentemente, eu visitei a sede do Facebook em Menlo Park para uma reunião com seu chefe de gerenciamento de produto, Adam Mosseri, um ex-designer que já administrou uma consultoria que se especializava, entre outras coisas, em exposições em museus. Eu não esperava que Mosseri fosse revelar os segredos sombrios de seu laboratório, como se eu fosse Charlie Bucket, que ficava até tarde na Fábrica de Chocolate. Em vez disso, eu queria que Mosseri me explicasse a filosofia de engajamento do Feed de Notícias e como o Facebook pensa em relação à questão central de Gallup: o que as pessoas querem ler e como entregar isso a elas? O Facebook tem uma vantagem sobre o Método de Iowa e basicamente todas as outras empresas no mundo em se tratando de entender as pessoas. Em estudos psicológicos, “reatividade” é a noção de que, quando as pessoas estão cientes de que estão sendo observadas, elas mudam seu comportamento. No Facebook, contudo, é improvável que a maioria das pessoas esteja em um estado constante de automonitoração nervosa, por medo de que os cientistas de dados da rede social saibam que elas gostam de pandas vermelhos. O Facebook pode observar os leitores sem que eles

sejam alertados sobre isso. Assim, deveria ser capaz de prover um entendimento relativamente preciso do que as pessoas querem ler. A coisa mais óbvia que o Facebook pode dizer é que as preferências do leitor são um mosaico nos países e no mundo todo. Os sul-coreanos assistem a mais vídeos no Facebook, muitos países do Oriente Médio têm discussões mais longas nos comentários, a Tailândia e a Itália usam mais aquelas carinhas ilustradas chamadas de “adesivos”. No entanto, também existem universalidades. “Se você perguntar às pessoas no mundo todo por que elas vêm ao Facebook, eles falarão primeiramente sobre estarem conectadas com amigos, familiares ou pessoas de quem eles gostam e que estão longe, como uma irmã na faculdade do outro lado do país”, disse Mosseri. Se lhes é dada a oportunidade de olhar para qualquer coisa no mundo, a maioria das pessoas não gravita em direção a notícias sérias. Elas estão mais para os leitores de Iowa da dissertação de Gallup, preferindo olhar para coisas que são pessoais, engraçadas ou belas. O sinal mais forte de que alguém gosta de um post no Facebook é curti-lo, compartilhá-lo e deixar um comentário. Essas interações entram em um algoritmo que fica constantemente reordenando o feed para trazer em seu topo as coisas mais relevantes. É um pouco como abrir a cada manhã o jornal do dia e ver que a primeira página é um reflexo das histórias que você leu nas semanas anteriores. Em 2013, o próprio Mark Zuckerberg fez essa analogia, dizendo: “O objetivo é criar o perfeito jornal personalizado para [mais de 1] bilhão de pessoas.”30 A capacidade do Facebook de observar seus leitores enquanto eles leem é o sonho de qualquer publicador/editor, remontando a George Gallup.********* No entanto, acontece que, quando um jornal personalizado ergue um perfeito espelho diante de seu público, o reflexo pode ser meio nojento. Quando o Feed de Notícias depende exclusivamente do comportamento do usuário, pode se tornar pura lama, um fluxo infinitivo de diversões desprovidas de nutrientes. O jornalista Steven Levy referiu-se a isso como o problema dos “doze donuts”.31 As pessoas sabem que não deveriam comer donuts o dia todo, mas se um colega de trabalho colocar uma dúzia de donuts em sua escrivaninha toda tarde, a pessoa poderia comê-los até que sua boca ficasse encrustada de açúcar. O Feed de Notícias também pode ser um tabloide diário — uma porção hiperminiaturizada de celebridades, quizzes e outras formas de

calorias vazias em que as pessoas clicam, dizendo aos algoritmos do Facebook para servirem mais donuts. Porém, o Facebook percebeu que, se as pessoas achassem que o Feed de Notícias era apenas uma bomba açucarada sem nenhum significado mais profundo, os leitores poderiam fechar suas contas. Então, o Facebook, tendo levado o método etnográfico de Gallup a seu extremo, decidiu que existe sim valor em perguntar às pessoas o que elas querem. É por isso que o Facebook apresenta perguntas embutidas no Feed de Notícias (“Você gostou do que acabou de ler?”), pesquisas junto aos leitores (“Que tipo de coisas você gostaria de ver?”), e questionários expandidos onde “avaliadores” pagos pelo país todo respondem a perguntas sobre todos os itens em seu Feed de Notícias e escrevem um parágrafo sobre cada história. Eles falaram sobre aquilo posteriormente com seus familiares e amigos? Tiveram uma resposta emocional? Acharam que aquilo lhes deu algum insight? Existe o que as pessoas querem ler. E existe o que as pessoas na verdade leem. Mosseri me disse que um dos estudos mais importantes do Facebook é essa lacuna: e como fechá-la. O Feed de Notícias deve apelar para o eu comportamental, exibindo histórias nas quais se fia que os leitores vão clicar, das quais vão gostar e que serão por eles compartilhadas. Porém também deveria apelar para o eu aspirativo, mostrando histórias que os leitores querem ver, mesmo que eles não interajam com elas. “Se eu lhe perguntasse se você quer se exercitar, provavelmente você diria: ‘Sim, talvez duas vezes por semana’”, disse Mosseri. “No entanto, se eu lhe perguntar, às seis e meia da manhã de amanhã... ‘Você quer se exercitar?’, você diria: ‘Não, eu quero dormir por mais uma hora’.” Mosseri está interessado em onde esses dois eus — o aspirativo e o comportamental — podem ser abastecidos por um produto. “O que nós poderíamos lhe mostrar que você diria que quer e com o que interagiria? Nós estamos sempre atrás destes interesses alinhados”, disse ele. O melhor exemplo da lacuna entre o eu comportamental e o eu aspirativo da história da mídia recente é a história da “isca de cliques”. Um artigo é considerado isca de cliques se a manchete faz com que o leitor clique em uma história que não está à altura do que promete. Vários anos atrás, a internet foi inundada por manchetes que provocavam com alguns deliciosos detalhes e terminavam com um cliffhanger. “Um urso entra em uma

mercearia. Você não vai acreditar no que acontece em seguida.” “Por que bebês choram tanto? A resposta pode surpreendê-lo.” “Se você acha que exercícios o ajudarão a perder peso, isso o deixará pasmo.” Essas histórias atraíam os leitores para histórias terríveis, melosas e nada nutritivas. A isca de cliques era aquela caixa diária de donuts — irresistível, ainda que não saudável. Se o Facebook dependesse exclusivamente de cliques, então, as iscas de cliques poderiam muito bem ter dominado toda a internet. Em vez disso, a empresa tinha várias métricas de feedback, como pesquisas embutidas e questionários, que mostravam que muitos leitores odiavam histórias que são iscas de cliques, mesmo que, com frequência, eles clicassem nelas. Nos últimos anos, o Facebook anunciou várias iniciativas para livrar o Feed de Notícias de piolhentas manchetes que fazem uso de má lacuna de curiosidade. Meu exemplo predileto dessa lacuna entre o eu comportamental e o eu aspirativo não tem nada a ver com leitura, mas, de forma útil, estende a metáfora da comida além dos donuts. No começo e até meados da década de 2000, o McDonald’s ficou mais agressivo na promoção de opções saudáveis como salada e frutas em seus menus. No entanto, o crescimento de sua renda naqueles anos deveu-se inteiramente a pessoas que comiam mais comidas gordurentas, como x-burguers e frango frito. Novas opções saudáveis pareceram atrair para o restaurante pessoas que faziam uma pseudo-dieta, onde elas pediriam os básicos do fast food. Em 2010, um grupo de pesquisadores da Universidade de Duke que eram bons com as palavras, referiram-se a esse fenômeno como sendo uma “realização vicária de uma meta”.32 A mera consideração de algo que seja “bom para a gente” satisfaz uma meta e nos concede licença para nos mimarmos. As pessoas dizem que elas querem notícias sérias em seus feeds de redes sociais, mas a maioria clica em fotos engraçadas. As pessoas dizem que querem comer vegetais, mas a maioria pede sanduíches gordurosos em restaurantes que servem saladas. As pessoas não estão mentindo — elas realmente querem ser aquele tipo de pessoa que lê notícias! Elas querem mesmo ver opções de saladas! —, mas a mera proximidade do bom comportamento satisfaz o seu interesse em se comportar bem. A economia da mídia intelectual ou qualquer negócio que “é bom para você” com frequência requer monetizar a aspiração em vez do comportamento real. A maior parte das academias não ganha dinheiro

deixando que os visitantes infrequentes paguem por minuto de uso. Pelo contrário, eles fazem com que os tolos se matriculem e paguem no começo de janeiro por horas de exercícios que nunca se materializarão em junho (ou até mesmo no final de janeiro). As mensalidades pagas pelo pessoal de barriga flácida estão subsidiando o suor dos ratos de academia. Porém, existe uma outra forma de conceitualizar o esquema: as academias estão monetizando a lacuna entre a aspiração e o comportamento. Revistas de prestígio também fazem isso. É uma observação comum em meio aos leitores da The New Yorker (pelo menos aqueles que eu conheço em Nova York) que a revista pode ser uma fonte de culpa, visto que ela publica mais histórias excelentes do que seus assinantes realisticamente são capazes de consumir. Eu estive em muitos apartamentos e em muitas casas em que as salas de estar ou banheiros incluíam uma torre caída de exemplares intocados da revista The New Yorker em uma mesa ou em um cesto de vime.********** Páginas digitais são tipicamente monetizadas a cada clique e impressão. Se The New Yorker, The Atlantic ou The New York Review of Books ganhassem dinheiro apenas com as páginas impressas individualmente lidas por seus assinantes, eles poderiam estar encrencados. Em vez disso, tais revistas têm centenas de milhares de assinantes que pagam a mesma quantia anual quer eles leiam mil páginas ou zero. Assinaturas protegem um negócio como a HBO, Netflix ou The New Yorker da necessidade de maximizar a atenção ou o uso em uma base por unidade, provendo às empresas um fluxo de renda confiável e oferecendo um pouco de folga aos criadores. Existe uma terceira dimensão em relação a dar às pessoas o que elas querem além de preferências declaradas (o que eu digo que quero) e preferências reveladas (o que eu faço). São as preferências latentes: o que eu nem mesmo sei que eu quero. O Facebook observa vários efeitos de rede que são complicados demais para se perguntar sobre eles em uma pesquisa. Por exemplo, os usuários nunca pedem para ver notificações de outras pessoas que estão fazendo amigos no Facebook. No entanto, “histórias de formação de amizades” têm um efeito contagioso. Quando as pessoas veem amizades se formando, elas mesmas têm mais probabilidade de adicionar amigos, o que cria mais conexões, o que é sinônimo de mais conteúdo, o que torna o Feed de Notícias uma experiência melhor para as pessoas.

Vários anos atrás, o Facebook tentou mostrar comentários sob os artigos. Isso não era necessariamente alguma coisa que a maioria dos usuários do Facebook sabia que eles queriam, porém, o Facebook descobriu que as pessoas que viam mais comentários acabam postando mais comentários. Isso levou a mais conteúdo de modo geral, mais notificações e mais tempo passado no Facebook. Sendo assim, a resposta para a pergunta “o que as pessoas querem ler?” tem três dimensões. A primeira dimensão é a mais simples de ser observada: são os cliques, as curtidas e os compartilhamentos. É tudo que podemos aprender apenas observando as pessoas, como George Gallup em uma sala de estar em Iowa. A segunda dimensão fica mais próxima da realização vicária de meta. É aquilo pelo que as pessoas pedem em pesquisas — notícias sérias no Feed de Notícias, salada no menu — mas nem sempre aparece em seu comportamento observado. A terceira dimensão é a mais complexa e, talvez, a mais valiosa. É aquilo que as pessoas não sabem que querem, mas, se lhes forem dados, tornará suas vidas melhores, às vezes, por meio de total surpresa, como o iPhone, e às vezes por meio de efeitos inesperados de rede, como as histórias de formação de amizades no Facebook.

Na segunda metade do século XX, a televisão lentamente erodiu a influência dos jornais conforme foi ficando mais claro que a maioria das pessoas preferia imagens móveis ao texto estático. No Facebook, a mudança de meio século do texto para o vídeo poderia se completar em pouco tempo. Dentro de cinco anos, o Facebook “provavelmente será totalmente em vídeo”, disse Nicola Mendelsohn, chefe de operações da rede social na Europa, no Oriente Médio e na África.33 O Facebook não é predominantemente uma rede de notícias, mas pessoas jovens passam tanto tempo nele que o site está se tornando a fonte dominante de tráfego de notícias para publicadores digitais. Quarenta e quatro por cento de toda a população dos Estados Unidos34 — e 88% das pessoas com menos de 35 anos de idade — obtêm suas notícias do Facebook.35 Isso faz com que ele seja um destino maior para notícias do que Twitter, Instagram, Snapchat, Reddit, Linkedln e YouTube juntos. Por ora, o Facebook atingiu uma espécie de dominação da qual nunca se ouviu falar com tecnologias

anteriores. O The New York Times nunca foi o equivalente a “jornais”. A Fox News nunca foi toda a “TV a cabo”. No entanto, em termos de notícias, o Facebook é quase “a internet”. Todavia, o Facebook pode descobrir que o escrutínio amplamente disseminado é um custo inerente do crescimento. Em 2016, a empresa enfrentou uma ampla reação adversa quando ex-funcionários vieram a público com a acusação explosiva de que a empresa estava suprimindo publicadores politicamente conservadores. Se o Facebook fosse apenas mais um canal de mídia, isso não viria ao caso. Canais liberais de notícias como a MSNBC criticam os republicanos duramente o tempo todo e isso não é uma história de notícia nacional. No entanto, o Facebook não é como um canal de televisão. Ele é algo que nós realmente nunca vimos antes: uma operadora a cabo superempoderada para o futuro móvel. O Facebook é uma empresa de mídia, no entanto, mais do que isso, é um serviço de utilidade social, uma peça integrante da infraestrutura de informações em que centenas de publicadores e empresas de mídia confiam que alcance seus públicos.36 A rápida ascensão da empresa que é potência da mídia atraiu ceticismo, particularmente de jornalistas, para quem o Facebook tem a obrigação de ser mais aberto em relação a como funciona o Feed de Notícias se ele vai ser o canal central de distribuição de informação. O Facebook ressaltou que ele é uma plataforma neutra para facilitar a transmissão de qualquer comunicação. Porém isso parece insuficiente, visto que a ideia de uma plataforma neutra regida por um algoritmo projetado por um ser humano é algo falho nos fundamentos e paradoxal quanto às possibilidades. O algoritmo do Facebook não é uma expressão divina de preferências do público. Ele é, como muitas obras de arte e muitos produtos, uma hipótese, uma melhor tentativa de engajar um público. Essa hipótese algorítmica foi escrita por humanos que têm chefes também humanos, e os chefes humanos têm motivações, falhas e investidores humanos. Tal peso de humanidade deixa sua marca em todo algoritmo, inclusive no do Facebook. A verdade é que ninguém quer que o Facebook seja totalmente neutro, menos ainda o próprio Facebook. A empresa não quer se tornar uma placa de Petri para abuso emocional ou iscas de cliques e tomou medidas para suprimir estilos de manchetes específicas e lutar contra trolls. No entanto, o Feed de Notícias também pode ficar cheio de teorias da conspiração e mentiras absolutas, projetadas para reunir um público por meio da credulidade e indignação. Conforme o Facebook continua a crescer, a

empresa pode ter que considerar novas obrigações que vão além de qualquer jornal anterior, organização de notícia ou serviço de utilidade pública. Mas não é o suficiente construir uma estrada aberta para as comunicações on-line e então negligenciar os piores impulsionadores. O Facebook é um jornal moderno, em virtude de seus leitores e do fato de que ele se tornou um importante portal para notícias. Mas o site é um especialista em redes, não em notícias. Não existe o equivalente à relação de editor-repórter nem dever cívico para focar nas questões localmente significativas. Pelo contrário, o Facebook encontra-se principalmente nos negócios de encorajar as pessoas que ele não emprega a postar conteúdo que ele não pediu e que seja significativo para um público que ele não conhece. Em outras palavras, a raison d’être do Feed de Notícias é induzir [à postagem de] coisas interessantes. Essa é uma grande diferença do Des Moines Register ou do The New York Daily News da década de 1920, no entanto, é a apoteose do edito de 1928 de George Gallup para o publicador moderno: “ser lido.”

* Harmsworth: um nome soberbamente dickensiano p ara um homem que ficou p odre de rico enquanto era acusado de p rejudicar a instituição do jornalismo. [N. do A.] ** Visto que o nome Gallup agora nos traz à mente estudos estatísticos e p esquisas de mercado, é bastante irônico que a tese que o tornou famoso destacasse os p roblemas de se confiar nas reações de reflexo das p essoas a p erguntas sobre seu comp ortamento. [N. do A.] *** O método de Gallup é mais bem descrito como etnografia e, ainda assim, o camp o é com frequência chamado de “antrop ologia ap licada”. Qual é a diferença? Antrop ologia é o estudo de p essoas e de seus ambientes. Etnografia é um método de estudar as p essoas em seus ambientes observando-as em primeira mão. A antrop ologia é uma discip lina amp la, e a etnografia é um método esp ecífico. [N. do A.] **** Igualmente interessantes, talvez, sejam as áreas onde os p esquisadores não encontraram nenhuma evidência de ideia tendenciosa de desejabilidade social — na religião, p or exemp lo. A crença em Deus é talvez um dos p oucos traços mais fortes do que o desejo de uma p essoa de que gostem dela. [N. do A.] ***** Não consigo resistir e vou ap ontar p ara o fato de que os valores atribuídos à televisão em meados da década de 1950 — informalidade e sentimento — são p recisamente as p alavras usadas p elos p ublicadores da internet p ara descrever a singularidade do conteúdo digital. Uma das p ossibilidades é que cada mídia nova se sinta mais íntima e emocional quando estreia. Outra é que o longo arco de inovação em notícias e entretenimento curva-se semp re em direção a uma maior informalidade e mais sentimentos. [N. do A.] ****** Não seria a última vez que uma mídia de notícias usou esta construção p ara se referir a uma nova tecnologia e uma eleição. O jornal The Huffington Post anunciou a “eleição do Snap chat”, em 2015. O BuzzFeed chamou a eleição de 2014 de “eleição do Facebook”. The Hill chamou a eleição de 2012 de “eleição do Twitter” e, em 2006, The New York Times p reviu a “eleição do YouTube”. [N. do A.] ******* Existem exceções à regra, mas se trata mais de p aíses que ficaram ricos dep ois da década de 1950. O p aís com o mais alto crescimento no número de jornais p or p essoa na segunda metade do século XX foi a Coreia do Sul, e nenhum p aís da Organização p ara a Coop eração e Desenvolvimento Econômico (OECD) ficou com mais jornais diários do que o M éxico. [N. do A.] ******** A p orta abre-se p ara ambos os lados. Leitores de notícias servem como seus p róp rios editores, leitores e disseminadores, mas o mesmo acontece com os fazedores de notícias. Quando os jornais (e a TV, o rádio etc.) eram donos da distribuição de notícias, celebridades, CEOs e p olíticos tinham que p assar p elos rep órteres p ara conseguir ter suas p alavras disseminadas. Agora, essas mesmas celebridades, os mesmos CEOs e p olíticos p odem p ostar coisas com suas p róp rias

p alavras, em seu p róp rio temp o, no Facebook, Twitter, Instagram, M edium e assim p or diante. Então, a internet nivelou o p rocesso de leitura de notícias e o p rocesso de fazer notícias p rovendo às p essoas p or trás das matérias suas p róp rias mídias. [N. do A.] ********* A cap acidade da emp resa de rodar milhares de testes simultaneamente em usuários gerou controvérsia, tal como quando o Facebook revelou que havia manip ulado os Feeds de Notícias de mais de 689 mil p essoas p ara fazer com que eles vissem mais notícias p ositivas ou negativas. Os resultados do estudo foram interessantes: as p essoas que viram mais p osts p ositivos contribuíram com um conteúdo mais feliz, enquanto as p essoas que viram mais histórias negativas adotaram aquele tom em seus p osts. Críticos on-line resp onderam que se os humores são de fato contagiantes, o Facebook não deveria ser tão desdenhoso em relação a infectar seus leitores com dep ressão. [N. do A.] ********** Existe uma p alavra em jap onês relacionada a isso: “Tsundoku”, que significa emp ilhar livros não lidos. Em uma cultura de mídias abundantes, todo mundo está p raticando uma forma de tsundoku multimídia: comp rando livros que não lê, fazendo assinaturas de revistas que não são abertas e colocando em fila séries de TV que não termina. [N. do A.]

INTERLÚDIO Broadway, no 828

Uma das coisas mais frustrantes em relação à escrita deste livro é o fato de que eu não posso ver você, leitor. Um ator é capaz de sentir o frio do público morto. Ou, se a casa está cheia e ruidosa, pode sentir a iminência de aplausos em pé tal como um animal é capaz de intuir uma tempestade. A escrita, porém, é relativamente solitária. Escrever um livro para pessoas que eu não conheço é parecido com atuar em uma peça de olhos fechados, atrás de uma parede à prova de som. O trabalho em si oferece poucas dicas da recepção. Talvez você diga, então, que as coisas sempre foram assim. Porém o loop de feedback para escritores digitais hoje em dia não poderia ser mais claro. Vários anos atrás, quando eu cobria economia para o website The Atlantic, a redação recebeu uma ferramenta chamada Chartbeat que oferecia uma espécie de vigilância total do leitor. O Chartbeat fornecia uma aferição em uma página dinâmica de nosso público global. Com uma olhadela de relance, os redatores podiam ver o número exato de pessoas no mundo todo que estavam, no momento, lendo os artigos mais populares; de onde vinham essas pessoas; quantos minutos passavam lendo e até que parte da página elas iam. Como quaisquer muitas ferramentas da internet, o Chartbeat era um produto utilitário envolto em uma distração dentro de um vício. Ele respondia a uma pergunta importante que havia assombrado publicadores durante décadas: o que os leitores realmente querem ler? No entanto, suas lições nem sempre eram positivas. Os artigos mais compartilhados no Facebook, como você pode se lembrar, não são tipicamente relatos investigativos da Síria, mas, sim, testes um tanto quanto frívolos. Eu passava muitas horas que antes eram reservadas para a escrita com o olhar fixo no

Chartbeat, tentando descobrir seus segredos: será que eu deveria escrever mais manchetes em forma de perguntas? Deveria escrever mais sobre o modelo de negócios da televisão ou sobre os hábitos de consumo dos adolescentes? Nem de todo bom, nem de todo ruim, o Chartbeat estava mais para uma ninhada de cavalos de Troia, em que não se sabe ao certo se a coisa que está no coração disso tudo é um presente ou um inimigo mortal. Eu queria saber mais sobre este medidor de atenção que havia, ironicamente, absorvido toda a minha atenção. Eu escrevi para o fundador da empresa, Tony Haile, e perguntei a ele se poderia entrevistá-lo para um artigo ou, talvez, para um livro. Ele me convidou a dar uma passada na sede do Chartbeat, perto da Union Square, em Manhattan. Ao me aproximar da quadra dele, eu vi um grande banner marrom em que se desdobravam as palavras “Strand Books”. Conforme fui me aproximando, eu me dei conta de que o Chartbeat não ficava simplesmente na mesma quadra da lendária livraria, The Strand; ele ficava no mesmo edifício, no número 828 da Broadway. Entrei no elevador e subi vários andares. Lá dentro, o escritório pareciase com muitos escritórios de pequenas empresas de tecnologia: um grande espaço aberto, fileiras de pessoas com seus vinte e poucos e trinta e poucos anos usando fones de ouvido em frente a computadores da Apple. Tony encontrou-se comigo lá. Alto, com curtos cabelos loiros, ele estava com uma camisa social com dois botões abertos, deixando à mostra um dente de urso polar sobre seu peito, que pendia de uma fina tira de couro em volta de seu pescoço. Antes de ter inventado o Chartbeat, Haile viu muito do mundo que ele acabou monitorando. Ele viveu em um porão palestino, serviu como timoneiro em uma corrida de iate ao redor do mundo, conduziu expedições ao Polo Norte — daí o dente do urso polar — e administrou uma start-up de rede social que rapidamente o demitiu. Quando ele se mudou para Nova York, dormiu no chão do apartamento de uma garota. “Agora ela é minha esposa”, disse ele. Eu fui até a Chartbeat para conversar sobre atenção. Em vez disso, nós conversamos sobre feedback. Na segunda metade do século XX, um piloto da força aérea e estrategista militar chamado John Boyd inventou um modelo de tomada de decisões que ele chamou de OODA, um acrônimo para Observação, Orientação, Decisão e Ação, que descrevia uma abordagem

estratégica em que as informações eram constantemente canalizadas de volta para o tomador de decisão de modo a formar uma nova teoria de ataque.1 Toda decisão de um piloto de combate — como todo livro, todo artigo, toda canção ou todo filme — é uma hipótese, uma teoria sobre como o outro lado ou público responderá. Quando a resposta vem, é quase sempre uma surpresa. Então o que fazer em seguida? Segundo Boyd, a chave para uma força de luta bem-sucedida não era apenas um brilhante plano de ataque. Era uma facilidade para aprender e alterar a estratégia com rapidez, quando o inimigo inevitavelmente se adaptava para contra-atacar a estratégia inicial. “A velocidade de adaptação era o fato chave na possibilidade de ganhar ou perder em uma batalha aérea”, disse Haile. OODA sempre foi aplicado a diversas disciplinas, sendo o ponto chave o fato de que a maior parte dos guerreiros bem-sucedidos — ou os publicadores, políticos ou treinadores esportivos de sucesso — não são necessariamente os maiores e os mais fortes. Em vez disso, uns poucos especiais têm o dom da percepção e da aguda capacidade de apresentar uma resposta rápida. Eles são capazes de medir um oponente, atacar, absorver o significado da resposta e aprender, gradualmente, a prever o próximo movimento. Sobre esse ponto, Hamlet foi conciso, ao menos uma vez: “A prontidão é tudo.” “Não existe mais nenhum mistério em relação a que artigos as pessoas estão lendo”, disse-me Haile. “Em vez disso, o mistério é: o que você quer fazer com todas essas informações?” Os mais bem-sucedidos publicadores do futuro, disse ele, seriam aqueles que não apenas tivessem o talento da análise e da reportagem nua e crua, mas também entendessem como se adaptar, como manobrar no meio do ar, como se mover junto com seus públicos, como os pilotos de combate do coronel Boyd. A conversa fez com que eu quisesse escrever um livro totalmente novo. Um livro sobre batalhas aéreas e start-ups, ciclos de desenvolvimento de clientes e loops de OODA. Um livro sobre feedback, e sobre o que acontece depois que sua hipótese explode na sua cara. Eu e Haile trocamos um aperto de mãos e eu desci no elevador. O banner marrom da The Strand apareceu acima da minha cabeça. Eu senti o puxão de uma livraria em uma mochila vazia e entrei nela, lembrando-me de como toda sala com livros parecia sutilmente subterrânea para mim. Dei uma olhada nos montinhos de livros novos que haviam chegado, “escolhas dos

funcionários” e velhos clássicos. O espaço emitia uma sensação de porão familiar, cálido e suave. Comprei alguns livros que eu planejava ler, junto com vários clássicos conspícuos que eu não planejava ler. Sempre me pareceu que possuir um livro canônico tecnicamente conta como participar vicariamente de seu consumo. “Não, eu não o li, mas está na minha estante...” A cultura não é apenas o que as pessoas fazem. Também é o que as pessoas dizem fazer. Se muitas pessoas leem Us Weekly em casa (mas nunca conversam sobre isso em festas) e conversam sobre Thomas Piketty em festas (mas nunca passaram da página 5 de O capital no século XX), então quem tem a maior influência na cultura: Us Weekly ou Piketty? Em seu famoso estudo sociológico de 1980, Distinction [Distinção], Pierre Bourdieu argumentou que gosto é, em parte, uma performance, uma exibição de “capital cultural”. A elite não apenas gosta de ópera porque foi exposta à ópera; ela é exposta à opera porque acha que isso faz dela a elite. No entanto, muita coisa mudou desde 1980. Mercados culturais tornaramse mais transparentes, deixando mais tênue a linha entre as preferências declaradas e reveladas. A Billboard tornou-se um honesto reflexo da música e Chartbeat, uma visão mais transparente do interesse do leitor. Em uma cultura assim, onde o status é uma performance, mas os gostos são transparentes, a postura socialmente correta é não gostar demais de qualquer coisa única, mas, sim, sentir-se soberbo a ponto de se mostrar ciente de tudo. Existe algo mais valorizado do que o “capital cultural” em uma era de abundância de mídias e isso é a chamada “percepção cultural”, estar ciente das notícias a nível global e opiniões que formam a paisagem cultural. Então você viu Hamilton? Ótimo. Você é capaz de citar referências do rap e sugerir por que seu louvor universal poderia ser superestimado e contextualizar seu significado em relações de raça do século XXI? Agora estamos conversando. Estar superciente das coisas é o novo capital cultural.

Eu voltei à Strand várias vezes enquanto estava escrevendo este livro que você está segurando — seja qual for a superfície que exibe essas palavras, feita de polpa ou vidro. Porém ainda com mais frequência eu voltei à ideia do número 828 da Broadway. Parece-me um museu vivo de palavras. Lá em cima: um mapa borgesiano dos leitores on-line do mundo que não conseguem se esconder do onipresente olho Saurônico do Chartbeat. Lá

embaixo: “quase 30 quilômetros” de livros de papel, que nunca contam os segredos de seus leitores.2 Os andares do número 828 da Broadway apresentavam uma irresistível pergunta: a arte começa com o feedback ou começa com o oposto, um espaço silencioso, livre de distrações, onde criadores podem voltar o holofote para dentro de si e criar algo na maior parte para eles mesmos? Na Chartbeat, tem-se o perfeito loop de OODA. Os leitores leem o website e o website lê os leitores. Trata-se de jornalismo como laboratório, ou a escrita como uma batalha aérea: experimentação, aprendizado, adaptação com a velocidade da luz. Na Strand, tem-se o perfeito santuário. O loop de feedback mais visível para um escritor de livros é interno, entre o instinto, a mente e os dedos. Imagine a aterrorizante paralisia de tentar escrever um romance em uma plataforma em que o mundo todo tem acesso em tempo real a cada página. Críticos brutalizaram os romances mais famosos do século XX. Quando O Grande Gatsby foi publicado, o livro recebeu horríveis resenhas: “desimportante”, “dolorosamente forçado”, “um fracasso”3 e deparou-se com vendas fracas. Virginia Woolf referiu-se a Ulisses, de James Joyce, como sendo “uma memorável catástrofe — imensa em atrevimento, terrível em desastre”.4 Se os romancistas tivessem uma previsão perfeita de como o público receberia suas obras, talvez eles nunca fossem erguer a pena de uma caneta ou digitar em um teclado. Eu notei que eu preciso do loop do feedback, das ovações em pé e dos devastadores silêncios que podem saudar um artigo on-line. Porém, quando dou a volta em uma pilha de livros na Strand, fica difícil evitar a conclusão de que talvez os melhores escritores também soubessem fazer seu trabalho e esquecer, por um instante, que alguém algum dia leria o produto de suas fantasias. Eles montavam uma produção de palco em suas mentes, mas apenas para eles, algo magnífico e privado, como se sonhassem acordados.

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OS FUTUROS DOS HITS: IMPÉRIO E CIDADE-ESTADO Surpresas familiares, redes e pó de pirlimpimpim

Nós estamos vivendo em meio a uma revolução industrial na atenção. No século entre os anos de 1870 e 1970, os Estados Unidos passaram por uma revolução industrial nos alimentos (a invenção da geladeira), na luz (a disseminação global da eletricidade), na viagem (o triunfo do automóvel e do avião) e até mesmo na anatomia dos lares, com a modernização do gás, de esgotos e da água corrente.1 Como o historiador econômico Robert Gordon argumentou inteligentemente, um viajante no tempo visitando uma casa na década de 1970 haveria de se sentir bem à vontade em sua cozinha, em seu banheiro, em sua sala de estar ou dormitório. Porém, se esse mesmo pulador de décadas quisesse assistir à TV a cabo em uma gigantesca tela plana de televisão, ouvir música on-line de uma biblioteca de milhões de músicas ou procurar alguma coisa na internet, se sentiria perdido. Na década de 1970 não havia telefones capturando os olhares de seus donos como Narciso na água, não havia fios de fones de ouvido saindo dos bolsos de todas as pessoas, nem bibliotecas de informações armazenadas em minúsculas placas de vidro. Nos últimos quarenta anos, as mais visíveis mudanças na tecnologia ocorreram no reino da atenção e em seus sub-reinos do entretenimento, das comunicações e das informações.2 Este livro é sobre essa revolução e ofereço várias lições para os leitores que procuram alguma coisa a mais da cultura do que uma diversão de uma tarde — significado, emoção, uma verdade mais profunda sobre a vida e, talvez, até mesmo uma sensação de genialidade.

1. O lado sombrio da música e história Várias táticas por trás de hits da cultura pop podem ser perigosamente sedutoras fora da arena do entretenimento. Por exemplo, a repetição é a partícula de Deus da música. Sem ela, o mundo poderia soar como um tamborilar cacofônico e a quantia certa de repetição na escrita pode fazer uma frase cantar. Porém, na retórica política, esses modos de repetição, como a anáfora e a antimetábole, com frequência revestem ideias feias com uma linguagem fácil de ser lembrada. A retórica musical cria uma espécie de anestesia cognitiva que amortece a capacidade dos públicos de terem um pensamento mais profundo. Debates nacionais sobre questões importantes seriam melhorados se mais pessoas conhecessem a criação de slogans musicais e críticos e comentaristas seriam de maior serviço se distinguissem um “grande discurso” de “uma grande performance retórica-musical com ideias vazias ou perigosas em seu centro”. O mesmo se dá em relação às histórias. Mitos heroicos servem como estrutura narrativa para contadores de histórias, o que vem de longa data, de muitos séculos. A jornada do pobre-coitado comum até em sua trajetória edificante de campeão oferece um arco muito gratificante que ensina ao público uma lição adorável: que o fracasso, a mediocridade e o descontentamento são estações de trem intermediarias en route a um destino mais feliz. Mas é precisamente porque grandes histórias são persuasivas que nós deveríamos ser cautelosos em relação a quais narrativas deixamos entrar em nossos corações. Os contadores de histórias em nossas vidas, dos chefões de Hollywood a loquazes avós, são todos os sutis instrutores de expectativas culturais. Uma grande história pode ensinar aos públicos que o preconceito racial é certo ou errado, que uma guerra é necessária ou abominável, que as mulheres são subservientes objetos sexuais ou heroínas e capazes de ter auto-determinação. O drama narrativo nem sempre é um atributo moral. Está mais para um recurso mercenário, igualmente adepto à venda de preconceito e empatia. Acima de tudo, uma grande história deve ser um convite para pensar e não um substituo para o pensamento. 2. O lado positivo do não-familiar Um outro grande tema desse livro é a tensão entre a neofilia e a neofobia. Muitas pessoas anseiam por novos produtos, novas ideias e histórias,

contanto que sejam como os produtos, as ideias e as histórias já conhecidas. A digitalização de conteúdo produziu um mundo de algoritmos que, em teoria, serve tanto ao eu neofílico quanto ao eu neofóbico. Organizam o mundo de músicas, séries e artigos em torno de nossas preferências prévias, permitindo que descubramos apenas aqueles itens que são “idealmente novos”. Existe uma excitação advinda de ler um ensaio brilhante que prova um ponto com o qual o leitor já concorda ou em ouvir uma piada que resume, de forma elegante, a visão que uma pessoa tem do mundo. Isso pode prover um frescor intelectual, uma espécie de terapia cognitiva. Mas um dos lados negativos da profunda preferência das pessoas por ideias familiares é que elas evitam histórias e argumentos quando há expectativa de discordância. A mídia social e os algoritmos, que encolhem a abertura de notícias, reduzindo-as a apenas um punhado de histórias preferenciais por parte de nossos pares, facilitam para as pessoas evitarem ideias frustrantes ou até mesmo para que nunca saibam de sua existência. Em vez de conectarem o mundo, essas tecnologias podem criar milhões de cultos cujas visões de mundo são coloridas por um interesse comercial em cercar as pessoas com ideias que espelham as ideias delas próprias. “Eu não gosto daquele homem”, disse Abraham Lincoln. “Eu tenho de conhecê-lo melhor.” Seria legal tratar as ideias da mesma forma. Por exemplo: fazer uma lista de ideias de que você não gosta ou que não entende e ler alguma coisa nova sobre o tópico todos os meses para conhecê-las melhor. Plataformas de conteúdo como o Facebook poderiam, propositalmente, oferecer feeds disfluentes, de forma que um liberal judeu de Connecticut pudesse ver a dieta de mídia de um conservador evangélico do Texas e vice-versa. Música e teatro com frequência são feitos para que sejam catárticos, mas informações não deveriam parecer terapia. Às vezes, deveria doer aprender sobre o mundo. 3. O paradoxo da balança Logo depois da supresa que foi a popularidade da estreia de Loucuras de verão, George Lucas disse a um entrevistador que ele estava trabalhando em um western no espaço sideral. O entrevistador fez uma pausa desconfortável. “Não se preocupe”, disse Lucas. “Meninos de dez anos de idade vão amar o filme.”

É significativo que o mais importante mito secular do século XX tenha sido projetado para atrair a meninos da quinta série? Talvez a lição seja que meninos de dez anos de idade são a mina de ouro demográfica de Hollywood. Talvez seja o fato de que adultos são mais parecidos com crianças do que a maioria das pessoas acha. Ou talvez não exista nenhuma lição: afinal de contas, a cultura é um caos, e existiam milhões de maneiras de esse filme para crianças do ginásio ter sido um fracasso (particularmente se Lucas tivesse filmado um de seus primeiros e horrendos rascunhos). Porém, eu vi que existe uma sabedoria à parte no comentário despreocupado de Lucas. O paradoxo da balança é que os maiores hits são, com frequência, projetados para um pequeno e bem definido grupo de pessoas. Star Wars era para crianças de uma idade mágica, velhas o suficiente para apreciar filmes e jovens o bastante para amar histrionices medievais de amor no espaço sem nenhuma ironia ou vergonha. O Facebook foi inicialmente projetado para apelar a amigos de estudantes de graduação de Harvard e não para conectar o mundo todo. Vince Forrest descobriu que seus buttons mais vendidos tinham as mais divertidamente estranhas e específicas mensagens. Johannes Brahms compôs a canção de ninar mais famosa do mundo para apenas uma mãe. Hits feitos sob medida para um público menor têm uma probabilidade maior de serem bem-sucedidos, talvez tanto por causa de suas qualidades inerentes — são obras que recebem concentração de atenção — quanto por causa de suas qualidades de rede. É mais provável que as pessoas conversem sobre produtos e ideias às quais elas se sentem excepcionalmente ligadas. Grupinhos da escola secundária, cultos da Califórnia e aglomerados ideológicos são todos definidos por suas diferenças de algo visivelmente mainstream. Esses grupos existem há um bom tempo, mas um mundo digitalmente conectado de comércio significa que é mais fácil aferir lucros de hits cults — ser lucrativamente “estranho na balança”.3 4. A genialidade de MAYA No ano passado, eu estava discutindo sobre esse livro com um amigo meu, um crítico de música e televisão de uma importante revista nacional. Ele me fez uma pergunta maliciosa: “Mas você leva a genialidade em conta?”

Eu não tinha uma resposta imediata para isso. No entanto, eu me lembrei de que, em conversas com acadêmicos, uma realização artística tinha vindo à tona mais do que qualquer outra. “Você ficaria surpreso com quanta frequência professores querem falar comigo sobre Kid A”, eu disse. Da banda britânica Radiohead, Kid A é bem possivelmente o álbum mais estranho a ter vendido 1 milhão de cópias. Não pertence a gênero algum, não existe praticamente nenhum refrão nele, e, em algumas canções, mal existe o que qualquer ser humano reconheceria como canto. Trompetes de jazz trocam riffs com guitarras, cortinas de estática ansiosa são pontuadas por beepsboops robóticos e a faixa título não soa diferente de um alienígena morrendo asfixiado. E, ainda assim, por causa dessas heresias musicais ou a despeito delas, Kid A é de uma beleza indizível. É a própria definição de MAYA — música para uma espécie avançada, talvez a que vier depois da nossa. Porém os psicólogos e sociólogos que consultei não falavam sobre o som do álbum. Pelo contrário, vários deles declararam a mesma coisa: em hipótese alguma um álbum como Kid A, tão hostil em relação à melodia, teria conseguido o disco de platina se fosse o álbum de estreia de uma banda. Eles admitiam a genialidade de Kid A, mas o álbum só era aceitável porque o trabalho anterior do Radiohead já tinha comprado a aceitação do público. Vindo depois de vários LPs imensamente bem-sucedidos, Kid A foi o quarto álbum do Radiohead. Dessa forma, pensei, o sucesso de Kid A parecia encaixar-se em um padrão mais amplo. O quarto álbum sem título do Led Zeppelin é uma obra-prima mítica. Born to Run foi o terceiro álbum de estúdio de Bruce Springsteen, Sgt. Pepper foi o oitavo álbum dos Beatles, Thriller foi o sexto álbum de Michael Jackson, My Beautiful Dark Twisted Fantasy foi o quinto álbum de Kanye West e Lemonade foi o sexto álbum de Beyoncé. Pensei na Quinta e na Nona Sinfonias de Beethoven, nas temporadas de quatro a sete de Seinfeld, no oitavo longa-metragem de Stanley Kubrick, no quarto romance de Virginia Woolf e no sexto livro de Leon Tolstoi. É óbvio que a melhor obra de uma pessoa poderia surgir depois de anos de prática, conforme os artistas refinam suas habilidades. Porém, existe algo mais em jogo aqui: esses artistas e essas equipes produziram suas obras mais ressonantes depois que já tinham passado de um certo limiar de fama e popularidade. Talvez a genialidade floresça em um espaço levemente protegido da necessidade de ganhar um concurso de popularidade. Na

verdade, ela vem depois que o jogo já está ganho, depois que o artista pode dizer, essencialmente: “Agora que eu tenho a atenção de vocês...” A teoria MAYA de Raymond Loewy provia uma explicação para o sucesso nas fronteiras do gosto. Talvez genialidade seja o nome que nós damos àquele limite e a maior obra vem dos criadores que procuram alguma coisa além de aceitação, empurrando a fronteira mais adiante.

Não

existia nenhum livro impresso até o século XV. Não havia nenhum museu público até o século XVIII. Não havia nenhum cinema barato até o século XX, nenhum programa de notícias no rádio antes de 1920, nenhuma TV em cores antes de 1950, e nada de Facebook, Twitter ou Snapchat em 2000. É um grupo desordenado de instituições, publicações e aplicativos. No entanto, todos eles são herdeiros da tradição comum, que é a distribuição democratizada de informações e entretenimento. Cada nova entrada no mercado da atenção ameaçou obliterar o status quo. Mas apesar de muitos avisos contrários a isso, a palavra impressa não matou a arte da escrita, os filmes não mataram os livros, a rádio não matou as notícias, a televisão não matou os filmes, a internet não matou a televisão e o vídeo não matou a estrela do rádio. A paisagem da cultura pop é geologicamente ativa e está sempre em crescimento. É a história de novas ideias entrando de fininho nas fronteiras das placas de antigas tecnologias. Embora os monges tivessem previsto que o dispositivo de Gutenberg haveria de obliterar a palavra escrita, a prensa tipográfica aumentou os índices de alfabetização e trouxe milhões de novos escritores para o mercado das letras. Antes de 1960, os filmes com as maiores bilheteria de todos os tempos — E o vento levou, Os dez mandamentos e Branca de Neve e os sete anões —, foram todos baseados em livros e, ainda assim, mais da metade das pessoas de 18 a 34 anos de idade ainda estão lendo por prazer. Existem filmes baseados em jogos de celular, assim como videogames baseados em filmes e logo haverá muitos videogames de realidade virtual popular baseados em ambos. Vários anos atrás, McKinsey publicou uma estimativa de tempo passado consumindo mensagens desde o início do século XX.4 Em 1900, as mensagens chegavam por meio de apenas uns poucos canais. As pessoas liam “polpa” — livros e jornais —, mas a maior parte da comunicação era

feita cara a cara. No século seguinte, as casas de famílias apaixonaram-se pelo rádio, pelo televisor, por seus computadores e por seus dispositivos móveis. Teoricamente, a mais importante fronteira para a mídia é o tempo; ainda existem apenas 24 horas em um dia. Ainda assim, cada nova geração passa mais horas conversando, assistindo a coisas e ouvindo coisas. Novas placas colidem e a montanha de mídia cresce.

É tentador ver sempre as mudanças tecnológicas como um agente de morte cultural. Em 1906, John Philip Sousa previu que a invenção do fonógrafo e dos discos haveria de obliterar a composição de canções e a educação musical nos Estados Unidos.5 “Essas máquinas falantes vão arruinar o desenvolvimento artístico da música neste país”, ele escreveu para o Congresso dos Estados Unidos. “A corda vocal será eliminada por um processo de evolução, assim como aconteceu com o rabo do homem quando ele surgiu do macaco.”6 Sousa, um homem branco, não previu que a tecnologia barata da música daria um microfone global a negros americanos como Aretha Franklin e N.W.A., nem que um público coletivo do tamanho de mil salões de concerto ouviriam as gravações de seu “Stars and Stripes Forever” no decorrer do próximo século, tornando-o mais famoso do que ele jamais teria esperado ser no século XIX, nem que tal disponibilidade ampla da música facilitaria para todos os artistas dividirem as influências e alusões que enriquecem a criatividade musical.7 As cordas vocais de músicos modernos reverberam em alto-falantes e fones de ouvido no mundo todo por causa da própria revolução em reprodutibilidade temida por Sousa.

Assim como algumas pessoas estão dispostas demais a ver morte em todas as coisas novas, alguns tecnologistas veem uma simples linha exponencial estendendo-se em direção à utopia. Mas embora seja mais fácil conversar, ouvir, compartilhar e assistir a alguma coisa, a facilidade de acesso não é puramente virtuosa. O Facebook é uma cola global, ligando empresas, consumidores, famílias e amigos; e, ainda assim, a mídia social faz com que algumas pessoas se sintam mais solitárias ao lançarem uma luz sobre a felicidade que lhes falta. A revolução digital na música tornou as canções mais abundantes, contudo, também impulsionou para baixo o preço de música gravada, de modo que muitas bandas têm uma exposição gigantesca, mas recebem uma renda insignificante. A digitalização da música tornou os hits raros mais valiosos do que nunca. Em 2014, o top 1% de bandas e artistas solos ganhavam 77% de toda a renda de música gravada e as dez faixas mais vendidas comandavam 82% mais do mercado do que na década anterior.8 Este livro é sobre a psicologia dos hits e a economia da mídia, mas existe uma lição mais ampla nestes Capítulos, que é sobre seres humanos e história. Se eu tivesse que captar esse metatema em uma frase, eu escolheria esta: a tecnologia muda mais rápido do que as pessoas. Durante os últimos cinquenta anos, o progresso marchou para um ritmo apressado conhecido como Lei de Moore. Em 1965, Gordon Moore, o cofundador da Intel, foi convidado a escrever um artigo para a revista Electronics para que ele previsse a próxima década de tecnologia de semicondutores. Ele previu que o número de transistores que se encaixariam em um microchip dobraria mais ou menos a cada ano.9 Durante o último meio século, sua previsão se provou quase correta. Porém, enquanto a tecnologia corre na velocidade exponencial da Lei de Moore, os seres humanos arrastam os pés ao longo do caminho em um lento passo darwiniano.10 As necessidades básicas das pessoas são complexas, mas antigas. Elas querem se sentir únicas e também querem pertencer a algo; querem banhar-se em familiaridade e ser um pouco provocadas; querem ter suas expectativas atendidas e quebradas e atendidas novamente. A tecnologia oferece novas ferramentas para trabalhos antigos. Nos anos 1950, a televisão tornou-se o produto mais popular e de crescimento mais rápido para os consumidores na história. Ameaçava substituir os cinemas como a única fonte de entretenimento em vídeo, a palavra impressa como a

fonte primária de notícias e o rádio, como peça padrão de móvel na sala de estar. Porém, embora a televisão realmente tenha contribuído para o relativo declínio desses setores, ela também pode tê-los tornado a todos melhores e mais únicos. Os cinemas adaptaram-se à ascensão da televisão passando mais tempo na produção para distinguir grandes filmes da insignificante TV. Revistas e jornais continuaram a produzir um jornalismo excelente enquanto aprendiam uma lição com a televisão, adicionando a suas matérias mais fotografia e gráficos. O rádio respondeu da forma talvez mais interessante: em 1940, o rádio de carro era um recurso raro, mas, dentro de trinta anos, 95% dos veículos nos Estados Unidos incluíam um. “O rádio tornou-se um companheiro do indivíduo em vez de permanecer sendo um ponto focal de entretenimento de toda a família”, escreveu o historiador cultural J. Fred MacDonald.11 A televisão demitiu a rádio de seu antigo emprego, em que servia como um símbolo do lar e da família, mas o libertou para vagar e seguir os usuários enquanto eles se moviam pelo mundo todo. Hoje em dia, a antiquada televisão está em crise existencial, forçada a responder por si mesma à pergunta que antes ela fez para o restante das mídias: o que eu consigo fazer melhor?12 Durante muitos anos, o pacote de TV a cabo era dominante em sua habilidade de prover notícias e informações imediatas, de deixar salas de estar em deleite com contação de histórias originais e de abrir uma janela universal para os esportes. No entanto, atualmente, a internet provê notícias e informações mais imediatas. O Facebook provê escapismo mais conveniente e atomizado. Netflix, Hulu e Amazon Video oferecem tocantes e significativas histórias. A realidade virtual logo oferecerá experiências mais imersivas. É como se, ao cortarem o cabo, as jovens pessoas liberassem particulados de TV no ar que estão sendo absorvidos por todas as mídias e tudo está se tornando televisão. O futuro dos hits será um palco global com muitos holofotes estreitos. Este livro se concentrou na cultura ocidental, indo de canções de ninar europeias e impressionismo até gravadoras de Nova York e Hollywood. Alguns podem achar esse percurso ocidental ruim, mas creio que seja defensável com base no fato de que, nos últimos séculos, o Ocidente foi e ainda é o principal exportador cultural de blockbusters e superastros e superestrelas. Porém, isso haverá de mudar. Em 2015 e 2016, pelo menos dez filmes arrecadaram 100 milhões de dólares no mundo todo com mais de

99% de sua audiência fora dos Estados Unidos.13 Talvez a nação indispensável esteja se tornando dispensável. Enquanto isso, existe pouca dúvida de que o futuro da atenção esteja se movendo para o celular, onde a fama é temporária, assim como a infâmia. No Facebook e no Instagram, orgulho, deslumbre e ultraje entram e saem da existência em um piscar de olhos como partículas quânticas. Escritores costumavam chamar cada moda de uma “maravilha de nove dias”. Na década de 1960, Andy Warhol previu que todo mundo teria apenas quinze minutos de fama. E a meia-vida da notoriedade está encolhendo. No novo mundo da mídia em que a vida é curtíssima, onde milhares de corações e curtidas podem seguir em bando para a foto ou o comentário de uma pessoa comum e depois passar adiante no minuto seguinte, milhões esperam por sua passagem de raspão pela fama, por seus sessenta segundos como celebridade. A mudança cultural é impossível de ser mapeada em uma linha reta, porque a cultura é newtoniana. As ações mais fortes provocam reações opostas. A ascensão dos e-books deveria ter destruído as menores livrarias de livros impressos. No entanto, o número de livrarias independentes aumentou em 35% desde 2009. O crescimento da música digital deveria ter destruído as gravações físicas. Porém, os álbuns de vinil, embora sejam um nicho, estão crescendo quase tão rapidamente quanto o streaming. As plataformas livres de atrito da internet permitiram que muitas organizações de notícias abrissem mão das assinaturas e se autofinanciassem por meio de propaganda, tornando as notícias totalmente gratuitas para os consumidores. Mas alguns dos meus escritores individuais prediletos, como Andrew Sullivan e Ben Thompson, ganham a vida dispensando propagandas e pedindo que os leitores paguem com suas rendas assim como com sua atenção. Esse paradoxo final é o que acho mais interessante. O futuro dos hits será um auge tanto para amplitude quanto profundidade. Os impérios do entretenimento de amanhã podem ser maiores do que nunca. No entanto, os artistas independentes também podem ser mais fortes. Minhas últimas duas histórias são sobre esses dois futuros dos hits, grandes e pequenos — império e cidade-estado.

The

Walt Disney Company é um império global de mídia. Como todo império histórico, é melhor não pensar nele como sendo uma organização de um único estado, mas sim um poder distribuído por entre um conjunto diverso de propriedades globais. Além dos filmes animados de animais e princesas que fizeram dela famosa, a Disney é dona de Star Wars, Marvel Comics e Pixar. Ela opera a ESPN e a ABC com participações em parceria com a A&E e Hulu. Ela é dona de oito dos dez mais populares parques de diversões do mundo.14 Não se trata apenas de uma empresa cinematográfica, como o nome poderia sugerir, mas sim a empresa do parque temático de maior sucesso no mundo, ligada à empresa de televisão mais rentável do país, conectada com a empresa cinematográfica mais famosa do mundo. No panteão dos criadores de hits, a Disney é Zeus. No entanto, no começo, a Disney não era a rainha cuspidora de lucros do entretenimento. Em seus primeiros anos, os filmes de Walt Disney tinham um fluxo de caixa decente, mas Walt era um artista que preferia gastar cada centavo em que ele pudesse pôr a mão em seu próximo filme. Sua empresa raramente operava com fortes e constantes ganhos nos anos de 1920 — e aqueles foram os anos de grande florescimento para a economia dos Estados Unidos. Então veio a Grande Depressão que atingiu o país. Logo a Segunda Guerra Mundial destruiria os cinemas da Europa. Para passar de artista a império na Depressão, Walt Disney precisaria de um sidekick heroico, o qual ele encontrou em um homem chamado Kay. “Kay” Kamen, cujo nome de batismo era Herman Samuel Kominetzky, nasceu em Baltimore, Maryland, em 27 de janeiro de 1892.15 Ele era o mais novo de quatro filhos em uma família judia que havia emigrado da Rússia. Sua vida quando jovem não previa a fama, fortuna nem mesmo uma competência moderada. Na adolescência, ele largou a escola secundária e passou um tempo na penitenciária juvenil. Com seus vinte e poucos anos, Kay finalmente conseguiu um trabalho regular vendendo chapéus de visom no Nebraska. Kamen rapidamente provou ser um vendedor com dons sobrenaturais, embora sua aparência física não fosse, nem em um bom dia, agradável de se ver. Ele era um cavalheiro atarracado, com uma face larga e nariz achatado. Usava óculos redondos e tinha uma tensa linha branca de seu couro cabeludo visível, dividindo ao meio seus cabelos pretos. Até mesmo seus colegas não o defendiam em relação a isso.

“Kay Kamen era um dos homens mais feios que eu já tinha visto na minha vida”, escreveu Jimmy Johnson, um veterano da Disney, em suas memórias. “Mas a aparência é apenas superficial. Kay era uma das pessoas mais charmosas e cordiais que eu já conheci.” Com seus trinta e poucos anos, Kamen encontrou o sucesso em uma firma de marketing da cidade do Kansas, onde ele se especializou no desenvolvimento de produtos baseados em filmes.16 Suas ambições seguiam para o oeste. Em 1932, ele viu um desenho animado do Mickey Mouse e reconheceu que o camundongo poderia ser um astro fora do cinema. Ele telefonou para Walt e Roy Disney em Los Angeles com uma solicitação simples: permitam-me vender seu camundongo do desenho animado. Os irmãos Disney convidaram Kamen para dar uma passada por seu estúdio de filmagem na avenida Hyperion da próxima vez em que ele estivesse em Los Angeles. Cerca de 48 horas depois, Kay Kamen estava sentado no escritório de Walt. Segundo relatos, ele tinha sacado as economias de sua vida toda, costurara as notas dentro do casaco de seu terno e embarcou em uma viagem de dois dias em um trem em direção ao oeste. Por temer que alguém pudesse roubar seu casaco, ele não dormiu durante toda a viagem de mais de quarenta horas. Kamen apresentou seu plano de vender o Mickey. “A filosofia de Kamen era de que a Disney precisava levar o Mickey Mouse para fora da loja de dez centavos e para dentro da lojas de departamentos, porque era para lá que os consumidores estavam indo”, disse Thomas Tumbusch, possivelmente o principal pesquisador da nação da história de merchandising da Disney. Kamen assinou um contrato para tornar-se o único responsável pelo licenciamento do personagem da Disney no mundo todo. O insight vencedor de Kamen era simples e tinha um quê de Cassandra: Hollywood achava que brinquedos eram como propaganda para os filmes. Hollywood estava errada: o oposto era verdade. Os filmes eram provas de conceito. O futuro do negócio cinematográfico era tudo do lado de fora do cinema. Particularmente, o futuro dos filmes estava nas lojas. As famílias estavam se mudando, em grandes números, das fazendas para as cidades, e as lojas acompanharam essas mudanças.17 Em 1920, não havia nenhuma loja de departamento da Sears nos Estados Unidos. Em 1929, havia trezentas delas.

As vendas anuais de merchandise da Disney passaram de trezentos mil dólares em 1930 para 35 milhões de dólares, em 1935. O feito mais famoso de Kamen foi o relógio de pulso do Mickey Mouse, que teve sua estreia internacional na Feira Mundial de Chicago, em 1933.18 Era o ponto mais baixo da Grande Depressão. A economia dos Estados Unidos havia encolhido em um terço desde o final dos anos de 1920 e o desemprego estava com um índice gritante que passava dos 20%.19 Muitas famílias mal tinham meios de comprar comida em 1933, muito menos brinquedos. Porém, o relógio de pulso do Mickey Mouse foi um hit instantâneo e incrível. Sua fabricante, a Ingersoll-Waterbury Company, foi resgatada da beira da falência pela relojoaria, aumentando o número dos trabalhadores em suas fábricas de trezentos para cerca de três mil em um ano, para atender à demanda. A proeminente loja de departamento Macy’s da cidade de Nova York vendeu onze mil relógios de pulso do Mickey em um dia. Em dois anos, a Disney vendeu mais de 2 milhões desses relógios. O relógio de pulso do Mickey foi então o maior sucesso financeiro na história da Walt Disney Company e não foi nem mesmo ideia de Walt Disney. Kamen infestou o mundo com ilustrações de roedores. O jornal The New York Times descreveu uma paisagem da cultura pop “repleta de sabonetes, doces, cartas de baralho, porta-cartas de baralho, escovas de cabelo, itens de porcelana, despertadores e bolsas de água quente envoltos em papel do Mickey Mouse, presos com fitas do Mickey Mouse e pagos com dinheiro tirado de bolsas do Mickey Mouse”. O Cleveland Plain Dealer descreveu uma criança idílica em 1935: Em seu quarto, com papel de parede do Mickey Mouse e iluminado com abajures do Mickey Mouse, seu despertador do Mickey Mouse o acorda, caso sua mãe se esqueça de fazer isso! Saindo de sua cama em um pulo, onde seu pijama e suas roupas de cama são da marca do Mickey Mouse, pisando em um chão em que os tapetes e o linóleo são do Mickey Mouse, ele calça seus mocassinos do Mickey Mouse e vai correndo até o banheiro, [até o] sabão feito à maneira da Disney, assim como o são sua escova de dentes, sua escova de cabelos e suas toalhas.20 É estranho agora imaginar Mickey Mouse como um símbolo de qualquer coisa que não seja um charme e uma animação inocentes. Porém, no exterior,

ele era um símbolo complexo, tanto amado como arte e zombado como propaganda. Os soviéticos clamavam que ele simbolizava a timidez patética da força de trabalho capitalista, enquanto o diretor de cinema russo, Sergei Eisenstein, louvava o trabalho de Disney como sendo “a maior contribuição do povo americano para a arte”.21 Na Alemanha nazista, uma divisão similar abriu-se entre a ridicularização em público e o deleite em particular. “Micky Maus é a propaganda mais deplorável, o ideal mais miserável já inventado”, declarou um jornal de propaganda nazista em 1931;22 todavia, Adolf Hitler não deve ter odiado o personagem tanto quanto parecia. Em dezembro de 1937, três meses antes da invasão da Áustria, o líder nazista recebeu dezoito filmes do Mickey Mouse de presente de Natal. Por incrível que pareça, o presente foi de Joseph Goebbels, o ministro da propaganda nazista.23 Voltando a Los Angeles, o império da fantasia de Kamen deu a Walt Disney a confiança para fazer o primeiro longa-metragem animado da história, Branca de Neve e os sete anões. “Sem Kay Kamen”, disse Tumbusch, “não haveria Branca de Neve”. Quando o filme saiu em dezembro de 1937, a recepção foi arrebatadora — não apenas entre as crianças como também entre os adultos mais exigentes. Charlie Chaplin, que esteve presente na première mundial, declarou o anão Dunga como sendo “um dos maiores comediantes de todos os tempos”. Dentro de uns poucos anos, Branca de Neve e os sete anões tornou-se o filme falado de maior bilheteria de Hollywood. Ainda assim, a bilheteria do filme não era capaz de acompanhar os passos de gigante de Kamen. Nos dois meses seguintes à sua estreia em 1938, o filme arrecadou 2 milhões de dólares com a venda de brinquedos — mais do que foi arrecadado pelo filme em si nos Estados Unidos naquele ano todo.24 Havia balas de caramelo da Branca de Neve, livros de colorir, caixas de doces, utensílios de cozinha, ornamentos de árvores de Natal, figuras de gesso, pentes, trabalhos manuais e conjuntos de giz de cera, só para citar alguns.25 Ninguém na indústria cinematográfica ou além dela jamais tinha visto nada do gênero antes — um filme saindo da tela prateada e se imprimindo promiscuamente em todas as categorias de produtos imagináveis. “O filme praticamente desenvolveu uma nova indústria de produtos dele derivados”, saudou The New York Times em um editorial de maio de 1938, prevendo que a Disney havia inventado um novo negócio, a “fantasia industrializada”, que poderia salvar a economia dos Estados Unidos da Grande Depressão.26

Eles estavam errados. A fantasia industrializada não era o futuro da economia. Ela era, porém, o futuro do entretenimento. A Disney havia desenvolvido a perfeita simbiose do merchandising de filmes. Branca de Neve, produzido com os lucros do negócio de licenciamento de Kamen, jogou um combustível novo de volta para dentro de sua máquina de merchandising. Os filmes inspiraram os brinquedos e os brinquedos pagaram pelos filmes. Disney pode não ter sido um homem de negócios nato, mas ele absorveu a lição de Kamen: a arte do filme é o filme, mas o negócio dos filmes está por toda parte. Disney descreveu a estratégia como “merchandising total”. Um filme era mais do que um filme. Também era uma camiseta, um relógio, um jogo — e, logo, um programa de TV. Nos anos de 1940, muitos de Hollywood receberam a aurora da televisão da mesma forma como ela foi recebida pelos editores de jornais: protegendo seus olhos e esperando que ela desaparecesse.27 Disney, todavia, viu a televisão pelo que ela poderia ser: um cinema em todas as salas de estar e uma propaganda em salas de estar para o cinema. Durante vários anos, ele quis construir um parque de diversões, uma “Terra da Disney” para crianças, com base em seus personagens animados. Ele também estava interessado em desenvolver um programa de TV para uma das maiores redes de TV aberta. O toque de gênio foi unir os dois sonhos. Ele disse a seu irmão Roy para vender uma série de TV da Disney para uma rede de TV apenas se ela também estivesse disposta a investir em seu parque. A NBC se recusou a fazer isso. O mesmo aconteceu com a CBS. A ABC, porém, a anã das três grandes redes de TV aberta, abraçou a ideia. Em 1952, concordou em fazer um programa de TV da Disney e em investir em um terço do parque. Com uma ação considerada “uma das mais influenciadoras decisões comerciais na cultura americana do pós-guerra”, Disney insistiu que o programa de TV e o parque tivessem o mesmo nome: Disneyland.28 Disneyland, o programa, tornou-se o primeiro programa da ABC a aparecer entre os dez com mais índice de audiência do ano. Cerca de 40% das 26 milhões de casas com TV dos Estados Unidos sintonizavam no programa toda semana, embora se tratasse, com frequência, pouco mais do que um anúncio comercial feito para parecer uma história ou uma mescla furtiva de conteúdo original e propaganda. Um episódio, “Operação submarina”, apresentou algo assim por trás dos bastidores de 20.000 léguas submarinas apenas uma semana antes de a Disney lançar o filme nos

cinemas: uma elaborada prévia do filme, que acabou se tornando o segundo filme com maior bilheteria de 1954, depois de Natal Branco. “Nunca antes tantas pessoas fizeram tão pouca objeção a tanta venda”, disse um executivo da ABC sobre o programa de TV Disneyland.* A estratégia de Disney também se beneficiou de uma inesperada herança demográfica. Seu mercado chave eram as crianças sentadas em frente à televisão e, na explosão do nascimento de bebês do pós-guerra, o número de crianças com idades entre cinco e catorze anos aumentou em 60% entre 1940 e 1960. Em 17 de julho de 1955, o parque temático Disneyland foi inaugurado. Foi um tremendo de um desastre ao qual os funcionários se referiram como “Domingo Negro”. Vários dos brinquedos não funcionavam. Não havia bebedouros em número suficiente para atender a quem lá estava presente devido a uma greve dos encanadores, mais cedo. Um calor de quase quarenta graus havia derretido o asfalto fresco, que grudava nos saltos dos sapatos das mães, como se fossem tinta de polvos do covil de Úrsula. Mas as primeiras impressões não são tudo. Em seus primeiros seis meses, 1 milhão de clientes pagantes passaram pelos portões da Disneyland e o parque foi responsável por um terço da renda da empresa naquele ano. A ABC havia tornado o parque possível, porém, vários anos depois de sua inauguração, a rede vendeu sua participação nele de volta para Disney. Em uma análise em retrospecto, essa foi uma ideia horrivelmente ruim, não diferente de vender a um bando de rebeldes as armas que eles em algum momento usarão para saquear sua cidade. Em 1995, a Walt Disney Company comprou a ABC por 19 bilhões de dólares, com muitos agradecimentos aos lucros do próprio negócio de parques de diversões que a ABC uma vez financiara. Por volta do meio do século, a Walt Disney Company não era mais um negócio cinematográfico. Até mesmo na década de 1950, o estúdio produziu histórias que obtiveram seu maior público na televisão. Disneyland, o programa, construiu uma mitologia na qual as famílias poderiam habitar somente no parque de diversões, Disneyland, que ganhava muito de seu lucro graças a uma outra coisa: a venda de merchandise da Disney. O império da Disney é baseado no princípio de que o público quer tanto se perder em um conto de fadas quanto quer mapear suas vidas nele. Poderia ser dito, de forma cínica, que os filmes da Disney são provas de conceito para programas de TV, que são propagandas de seu parque temático, que serve como líder de prejuízo para captar vendas de

merchandising. Mas na verdade não existe nenhuma linha unidirecional de comercialização. O império da Disney é um ouroboros, um infinito loop de nostalgia no qual tudo está vendendo todo o resto. Tal como o futuro da economia mundial em si, as ambições de Disney voltavam-se para o Oriente. A nova criação mais importante da empresa não é um novo filme para os Estados Unidos, mas sim um parque de diversões para a China. O Shanghai Disney Resort, inaugurado em 2016, é um projeto de 5,5 bilhões de dólares que levou 25 anos para ser feito.29 Trezentos milhões de chineses — cerca de 90% da população dos Estados Unidos — moram a três horas do parque em uma viagem de carro ou trem. Assim como a Disneyland se tratava de mais do que a venda de ingressos, o Shanghai Disney Resort não gira somente em volta da renda do parque temático em si, nem mesmo da venda de merchandise no parque em si. Ele tem a ver com a criação de um infinito loop de ciência envolvendo os filmes e os produtos da Disney na China. “Assim como Walt fez com a Disneyland na década de 1950, possibilitando que a Disneyland realmente fizesse a marca Disney crescer nos Estados Unidos, nós acreditamos que teremos algumas oportunidades realmente interessantes de fazer o mesmo na China”, disse o CEO da Disney, Bob Iger, em 2009.30 The Walt Disney Company é o império quintessencial dos hits por três motivos comerciais. Primeiramente, com seus canais de televisão e de marketing, a empresa tem grande poder para criar exposição e ciência para sua arte mais nova e mais arriscada. Em segundo lugar, a empresa é rica o bastante para pagar pelas franquias mais populares do mundo, como Star Wars e Marvel, e produzir extravagantes e familiares surpresas com novos capítulos de velhas histórias. Em terceiro lugar, ela transforma públicos felizes em devotos que pagam altos preços em seus parques de diversão e em suas lojas. Crianças, de quatro a 120 anos, são convidadas a ser donas das fantasias que a Disney magicamente criou, e as bonecas, os lençóis de cama e as fantasias dos personagens que elas levam para suas casas tornamse a propaganda mais poderosa para a próxima parcela de fantasia. Umberto Eco chamou a Disneyland de “a quintessência da ideologia do consumidor”, porque “não apenas produz ilusão”, como também “estimula o desejo por ela”. Esse é um dos aspectos dos hits no futuro: “merchandising total”. A Disney é maior, mais influente e mais presente do que qualquer empresa

poderia ter sido em 1932, quando Kay Kamen chegou de trem em Los Angeles e propôs transformar o Mickey Mouse em um relógio. Contudo ela ainda funciona por meio de uma filosofia de negócios que é puramente Kamen: todo canal de distribuição é uma oportunidade para exposição e comércio. Bem além do escuro de um cinema, as histórias da Disney vivem na TV a cabo e aberta; seus filmes estão no streaming da Netflix; suas franquias cinematográficas cobrem outdoors e táxis todos os anos; e oito de seus parques de diversão atraem pelo menos dez milhões de visitantes anualmente. O império da Disney expande-se até mesmo para o palco, aquela mais antiga e bela arena de entretenimento. Dezoito anos depois da estreia da versão musical de O Rei Leão, suas produções faturaram mais de 6,2 bilhões no mundo todo — mais do que qualquer filme — com mais de 85 milhões de ingressos vendidos. Merchandising total é poderoso não somente porque empurra o conteúdo de uma empresa por todos os canais disponíveis, como também porque as empresas podem puxar insights destes mesmos canais. A BuzzFeed, uma jovem empresa de mídia que poderia ter a melhor chance de se tornar uma Disney do século XXI, nasceu como um website. Porém, como a Disney, ela é uma vinha promíscua que consegue viver e crescer em qualquer clima. Em 2016, 805 do público da BuzzFeed descobriu seu conteúdo em algum outro lugar que não era seu website — em redes sociais como Facebook e Snapchat, em publicadores parceiros como Apple News e Yahoo, e em aplicativos de troca de mensagens, como WeChat. Para alguns consumidores, BuzzFeed é um jornal digital. Para outros, que a encontram no Snapchat, está mais para uma empresa de TV que programa conteúdo para várias redes de TV a cabo. O conteúdo flui para fora e as informações fluem para dentro. A BuzzFeed usa seus canais de distribuição para coletar informações sobre o que os públicos leem, assistem e compartilham e transforma estas lições em conteúdo para algum outro canal. Como na famosa descrição de Arthur Conan Doyle do lorde do crime, Moriarty, a BuzzFeed é como uma aranha no centro de uma vasta teia, considerando as irradiações de mil fios. “Se nós vemos que alguma coisa funciona bem no Instagram, isso pode ser adaptado para o Snapchat”, disse uma vez o fundador e CEO, Jonah Peretti. “Se vemos que alguma coisa funciona bem como um post, isso pode ser adaptado para vídeo. Se vimos que algo funciona no Reino Unido, pode

ser adaptado para a Austrália. Os nós da rede são muito autônomos, mas compartilham aprendizados com a rede maior.” O legado de Kamen passa pela Disney e pela BuzzFeed. É merchandising total, um loop de uma infinidade de hits em que tudo é um teste de conceito para todo o resto. Esta é uma visão do futuro dos hits. Mas existe outra. A livre distribuição da internet também deveria empoderar indivíduos, não confinados nem restringidos pelas correntes dos velhos guardiões dos portões que uma vez controlaram a distribuição, o marketing e a criação de hits. Esses indivíduos ou pequenas empresas podem não desafiar o domínio da Disney, mas podem obter renome cultural e sucesso comercial em seus próprios termos, usando a internet para construir redes e alcançar públicos. Não se trata de impérios, estão mais para cidades-estados.

Eu conheci Ryan Leslie — rapper, produtor de hip-hop, nerd da ciência de redes e fundador de start-up — no Distrito Financeiro de Manhattan, o centro ao sul da ilha onde as sombras de altos edifícios cortam insanos rombos de luz do sol nas minúsculas ruas. Eram dez horas da manhã quando nós nos encontramos no saguão de uma gigantesca e luxuosa torre residencial. Leslie havia ficado acordado até as quatro horas da manhã naquele dia em seu estúdio, a poucas quadras dali, trabalhando em várias músicas novas. Seus dentes de baixo estavam cobertos por uma dentadura de ouro e ele vestia uma longa camiseta de algodão e uma calça jeans skinny azul clara com buracos nos joelhos. Nós subimos no elevador até o andar dele e abrimos uma pesada porta para entramos em sua sala de projeções, com paredes beges à prova de som e várias fileiras de cadeiras também bege, combinando. Então Leslie me contou a história de sua vida. “Meus pais eram oficiais do Exército da Salvação, logo que ele foi criado”, ele começou a dizer. Quando Ryan nasceu, em 1978, seus pais o enviaram para a América do Sul para ir morar com seus avós e o Exército da Salvação, no Suriname. Quando ele voltou aos Estados Unidos, a família se mudava constantemente, mas a música ancorava sua vida em casa. Sua mãe cantava e tocava piano. Seu pai cantava e tocava trompete. Leslie estudou em quatro escolas secundárias diferentes em três anos: em Richmond e Fredericksburg, Virginia, e então na Cidade de Daly, nas proximidades de São Francisco, e Stockton, na Califórnia.

Aos catorze anos, Leslie quase havia exaurido a lista de cursos avançados de sua escola e um conselheiro escolar o encorajou a passar para a faculdade Califórnia. Leslie prestou o exame do SAT [Teste de Aptidão Escolar], no qual ele foi relativamente bem. Ele inscreveu-se para receber um auxílio do Rotary International e fez um discurso: “Fazer aquilo em que se acredita e acreditar no que se faz é a chave para uma vida de realizações”, disse ele, com uma perfeita antimetábole. Ele ganhou a bolsa de estudos e inscreveu-se em Stanford e Harvard. Escolheu a Harvard. Leslie chegou em Cambridge, Massachusetts, como um calouro de quinze anos de idade. Esperando honrar o exemplo de sacrifício de seus pais e avós, estava preparado para tornar-se um médico. Foi então que ele descobriu Stevie Wonder. E pronto. Leslie tinha de ser músico. “Meu pai ficou confuso”, conta Leslie. “Meus pais queriam me proteger dos riscos pessoais e financeiros associados a seguir uma carreira com tantas incertezas que requer um golpe de sorte e pozinho de Pirlimpimpim.” Ele era obsessivo, apresentando-se em vários grupos separados de canto, como os Kuumba Singers e The Harvard Krokodiloes e acampava do lado de fora do Quad Sound Studios para quem varava a noite, no porão da Pforzheimer House, para trabalhar nas batidas e nas letras. Quando ele precisou de uma forma barata de entrar em contato com gravadoras em Los Angeles, ele pegou um emprego de vendedor de anúncios no Harvard Guide e, em segredo, fazia ligações interurbanas para caçadores de talentos e produtores. Embora seus amigos lhe dissessem que ele era louco e ele tivesse passado a maior parte do tempo na faculdade trabalhando, formou-se no prazo e apresentou seu discurso da cerimônia de graduação para a classe de 1998 de Harvard. Mas ao contrário dos graduados de beca e capelo na plateia, Leslie não tinha passado seu último ano na faculdade conseguindo um emprego para formados em consultoria, bancos ou nos corredores corporativos da economia. Ele formou-se na Universidade de Harvard sem nenhum emprego, nem renda, nem economias, nem casa. Sua posse mais valiosa era uma chave de trabalhador do campus que lhe permitia entrar de fininho em dormitórios vagos no verão para dormir e tomar banhos. A carreira inicial de Leslie foi uma série de falsos começos. Ele vendia ritmos para gangues que queriam compilar de forma antológica suas vidas

em canções de rap e ganhava tão pouco dinheiro que ele tinha que morar e gravar em uma área de armazenagem atrás de uma barbearia em Boston. Por fim, um pouco de pó de pirlimpimpim caiu sobre ele. Aos 24 anos de idade, a ponto de desistir e tentar entrar na faculdade de direito, ele foi convidado a participar de um “beat camp” com duração de um mês no Bronx, com o produtor Younglord. O estágio levou a uma entrevista com Puff Daddy, que imediatamente reconheceu o talento prodígio de Leslie e proporcionou o dinheiro e as estrelas para nutri-lo. Logo ele estava compondo ritmos para Beyoncé. Leslie assinou um contrato com a Universal Records por meio milhão de dólares. Ele apaixonou-se e começou a namorar uma jovem modelo: negra, filipina, mexicana e “atomicamente sexy”, segundo a revista New York. O nome dela era Cassie. Ele compôs uma música para ela que poderia ter sido um presente dela para a sua mãe: “Me & U”. Quando a gravadora de Leslie ouviu a faixa, eles insistiram em lançar a canção e transformar Cassie em uma estrela. A gravação foi um estrondoso sucesso comercial, vendendo mais de 1 milhão de downloads digitais em meio ano, tornando-se uma das maiores canções do hip-hop de 2006. Os críticos louvavam Cassie como a próxima Janet Jackson do século. Porém, tão rapidamente quanto tudo pareceu se juntar, tudo se desfez. Cassie começou a namorar Puff Daddy, que agora se chamava Diddy. Leslie lançou dois álbuns solo e nenhum dos dois teve um sucesso de blockbuster. Em 2010, ele entrou com um pedido de falência. Àquela altura da conversa, Leslie fez uma pausa. Ele tinha falado por uma hora direto. Ele reclinou-se para trás e ergueu o olhar por um tempinho, como se a próxima parte da história estivesse escrita no teto. “Tudo de que eu precisava”, disse ele, e parou. Ele juntou as palavras e fez um verso em forma de rap: Tudo de que eu precisava era de umas cinco mil pratas, para conseguir me erguer e sair daquela vida de vira-latas. Tudo de que eu precisava era de alguns contatos, mas nenhum telefonema eu recebia, estes eram os fatos. Foi então que no trabalho pesado eu peguei, com meu tempo e minha luta, eu pensei: vencerei! Então, quando conto esses milhões, cara, são resultado do meu brilho esses tostões.

Leslie ficou pasmado com a economia do negócio das gravadoras. Para cada dólar ganho por um artista que gravava, a gravadora com frequência ganha entre três e oito vezes mais. O resultado disso é que as gravadoras são criadas para viver com base no equilíbrio da balança, até mesmo se os artistas não ganharem muito para viver no nicho. Um milhão de dólares aqui e ali não será o máximo nem levará à falência nenhuma gravadora em um ano. Porém, para um artista independente... 1 milhão de dólares mudaria a vida de alguém. Leslie não pertence mais a uma gravadora. Em vez disso, ele criou um aplicativo de smartphone que o ajuda a ficar mais próximo e em contato com um público menor que paga a ele diretamente por sua música. O aplicativo, chamado SuperPhone, é como um serviço avançado de mensagens. Leslie deu seu número direto de telefone para mais de 40 mil pessoas. Ele usa o aplicativo para enviar mensagens de texto a elas quando ele tem uma música nova, quando está se apresentando ao vivo ou quando quer convidá-las para uma festa. Ele vendeu todos os ingressos para uma celebração de véspera de Ano-Novo, em 2014, com valores de 1.700 dólares, e vendeu várias cópias de um álbum especial para o Quatro de Julho, dia da independência dos Estados Unidos, por 5 mil dólares. No total, Leslie tem 16 mil clientes pagantes com quem ele pode entrar em contato no SuperPhone. Ele sabe seus nomes, seus números, as músicas que eles compraram e quanto pagaram. (A contribuição média é por volta de cem dólares por ano.) Menos de 20 mil compradores não faria com que ele chegasse nem perto de se tornar um artista principal dentro do sistema de gravadoras. Porém, Leslie não precisa de uma gravadora. Por uma despesa de cerca de 3 mil dólares em taxas de envio de mensagens de texto, ele conseguiu gerar 589 mil dólares em 2014, sem gravadora, empresário ou funcionários de marketing. A criação do SuperPhone também ensinou a Leslie sobre a mecânica do sucesso, por que algumas pessoas talentosas conseguem-no e outros talentos fracassam. Leslie tem os números de Kanye West e Ludacris em seu telefone. Ele tem rappers, cantores e produtores famosos de hip-hop no bolso. Uma pessoa comum de 22 anos de idade não tem nada disso. Na verdade, muito do que inicialmente parecia para ele o “pó de pirlimpimpim” acabou se mostrando ser real e quantificável. Então, com frequência, a diferença entre sucesso e fracasso, ele concluiu, era a qualidade das pessoas que cercavam o artista.

Peguem dois homens jovens com o mesmo talento. Um deles é um menino de boa aparência das Grandes Planícies, com uma grande voz. Seus cinco amigos mais chegados são seus pais e colegas de classe. O segundo menino é de Londres, Canadá. Entre seus cinco amigos principais estão Usher, um dos maiores astros do pop do mundo, e Scooter Braun, um dos maiores empresários de talento do mundo na música. O primeiro menino é um talentoso zé-ninguém; o segundo é Justin Bieber. A diferença não está no rosto nem no falsete. Está na qualidade dos cinco amigos principais, o poder da rede. A ciência transforma-se em música: tudo de que eu precisava era alguns contatos... “Eu tenho arrepios de pensar nessas coisas”, Leslie me disse. “Se você quiser ser um astro do pop, precisa de um top cinco de astro do pop. Se quer ser político, precisa de um top cinco de político. Sua rede precisa equiparar-se à qualidade do círculo interno de Obama, ou de Clinton, ou de Bush. Se você quiser ser o melhor jogador de tênis no mundo, as cinco pessoas relacionadas ao tênis em sua vida têm de ser melhores do que as cinco pessoas que cercam Serena Williams.” Leslie estava pulando para cima e para baixo no sofá e esfregava os braços do ombro até o cotovelo. Agora eu podia vê-los, os arrepios em seus antebraços. “Minha tese é simples”, disse ele. “Sua rede é seu poder.”

A maior

parte dos hits carrega a indelével impressão não apenas de seu criador, como também de algum facilitador esquecido ao longo do caminho. Será que eu reconheceria uma pintura de Monet se ele nunca tivesse conhecido Manet, Paul Durand-Ruel ou Gustave Caillebotte? Será que centenas de milhões de pessoas no mundo todo cantarolariam “Rock Around the Clock”, de Bill Haley, se não fosse pelos gostos musicais de um menino da quinta série da Califórnia, Peter Ford? Não haveria Cinquenta tons sem uma rede de fanfiction, assim como inúmeros aplicativos não teriam obtido viralidade instantânea sem pegarem carona em redes de campi de faculdades. Eu conheci e amei a canção de ninar de Johannes Brahms não somente por causa de sua melodia econômica, mas também por causa de uma linhagem de americanos-alemães cujos ancestrais fugiram da Europa no momento certo. Essa cascata de influência musical floresceu a partir da

Áustria e de Berlim e seus rebentos tocaram o lar de minha mãe nos lares suburbanos de Detroit. Eu me peguei mapeando as observações de Ryan Leslie nas lições de Duncan Watts — o rapper e o teorista do caos, o artista versus o cientista, crescendo em extremidades opostas do mundo, seguindo paixões e metas divergentes, ainda que chegando à mesma conclusão. Hits são pedacinhos de significado passados de uma rede para outra, forjados no aglomerado de criadores e entregue a milhões de pequenos cultos. Nada disso é novo. De antigas canções de ninar a modernos memes, novos hits servem a antigos propósitos: preencher o tempo, familiarizar o estranho, infectar com emoção, criar significado. O que é diferente hoje são os meios — a capacidade dos pequenos jogadores, como Leslie, de reunir grandes públicos, e o poder de grandes empresas, como a Disney, de obter a omnisciência global. Ryan Leslie não é o maior astro de rap do planeta. Provavelmente ele nunca será. Existem talentos demais — e muito pouco tempo para se ouvir algo — para cada artista, criador ou empreendedor dignos de nota clamarem um assento no panteão do estrelato. Então, ele forjou um outro caminho e agora talvez seu legado mais durável não será nenhuma canção, mas sim uma invenção que permite que os artistas encontrem públicos pagantes sem a interferência de antigos guardiões dos portões que uma vez impediram sua interação. Leslie não sabe se a próxima coisa que ele vai criar vai se tornar um hit. Ninguém pode saber de uma coisa dessas. Ser um criador neste mundo é sacrificar a certeza pelo amor no altar da arte. Mas é a irresistível incerteza que o mantém acordado até as quatro da manhã. Meu tempo e minha luta... Isso é tudo que qualquer um pode esperar controlar. O resto é pozinho de pirlimpimpim.

* Existe muita coisa em relação à estratégia de TV da Disney que ecoa na mídia moderna. Décadas antes da Netflix ter colocado suas garras e entrado nos negócios do entretenimento ao criar um negócio que gira em torno de bibliotecas de outros estúdios e redes, a Disney usou a série de TV Disneyland p ara cap italizar em cima do baú de velhos desenhos animados do estúdio, remontando até o Mickey Mouse. O instinto de Walt Disney de mostrar às p essoas os magos p or trás de suas cortinas é distintamente moderno. Imagina-se que Walt teria ficado muitíssimo à vontade com tecnologias como o Facebook ou o Snap chat, que p rop orcionam a astros e estrelas relacionamentos diretos com seus p úblicos. [N. do A.]

AGRADECIMENTOS

Obrigado à Escola Potomac, onde aprendi a escrever, à Universidade Northwestern, onde eu também aprendi a escrever, e ao The Atlantic, onde ainda estou aprendendo a escrever. Obrigado a meus agentes, Gail Ross, in loco parentis e Howard Yoon, que me fez a proposta. Obrigado à maravilhosa equipe na Penguin Press: Virginia, Scott, Annie, Ann e todo o esquadrão de publicidade e marketing. Obrigado àqueles cujo trabalho inspirou este livro, direta e implicitamente: Raymond Loewy, Stanley Lieberson, Michael Kaminiski, Chris Taylor, Bill Bryson, Malcolm Gladwell, Jonah Berger, Steven Johnson, Tom Vanderbilt, Robert Gordon, David Suisman, Paul Barber, Elizabeth Margulis, John Seabrook, Charles Duhigg, Daniel Kahneman, Steven Pinker, Oliver Sacks, Michael Wolff, Nate Silver, Dan Ariely, Jonathan Franzen, Conor Sen, Felix Salmon, Matthew Yglesias, Ezra Klein, Chris Martin, Marc Andreessen e Umberto Eco. Obrigado àqueles cujas conversas inspiraram este livro, direta e implicitamente: Drew Durbin, Lincoln Quirk, Michael Diamond, Jordan Weissmann, Robbie dePicciotto, Laura Martin, Maria Konnikova, Mark Harris, Spencer Kornhaber, Rececca Rosen, Alexis Madrigal, Bob Cohn, John Gould, Don Peck, James Bennet, Kevin Roose, Gabriel Rossman, Jesse Prinz, Duncan Watts, Anne Messitte, Andrew Golis, Aditya Sood, Nicholas Jackson, Seth Godin, os Diamonds, os Durbins e Kira Thompson. Obrigado à minha avó, aos meus tios, minhas tias, meus pais e minha irmã.

NOTAS

Introdução 1 Jan Swafford, Johannes Brahms: A Biography. Nova York: Vintage, 2012, p. 338. 2 Paul Berry, Brahms Among Friends: Listening, Performance, and the Rhetoric of Allusion. Nova York: Oxford University Press, 2014, p. 63. 3 Ora Frishberg Saloman, Beethoven’s Symphonies and J. S. Dwight: The Birth of American Music Criticism. Boston: Northeastern University Press, 1995, p. 162. 4 Yearbook of immigration statistics, Departamento de Segurança Nacional dos Estados Unidos, 2008. 5 Box Office Mojo, www.boxofficemojo.com, acessado em 1o de março de 2016. 6 Blog de Benedict Evans, http://ben-evans .com/benedictevans/2014/6/24/imaging. 7 “Relatório de tendências da internet de 2016”, disponível em www.kpcb.com/blog/2016-internettrends-report. 8 Entrevista de Robert Scoble com Kevin Systrom, disponível no SoundCloud: https://soundcloud.com/scobleizer/my-first-interview-of-kevin. 9 Comentário de Robert Scoble sobre a pergunta “como foi que o Instagram formou sua comunidade em seus primórdios?”, Quora, 25 de janeiro de 2013, disponível em www.quora.com/How-didInstagram-build-up-its-community-in-its-early-days. 10 Kara Swisher, “The Money Shot”. Vanity Fair, junho de 2013. 11 Edward Jay Epstein, The Big Picture: Money and Power in Hollywood. Nova York: Random House, 2005, p. 6. 12 Robert Gordon, The Rise and Fall of American Growth: The U.S. Standard of Living Since the Civil War. Princeton: Princeton University Press, 2016. 13 Barak Y. Orbach e Liran Einav, “Uniform Prices for Differentiated Goods: The Case of the MovieTheater Industry”. International Review of Law and Economics, número 27, 2007, p. 129—53. 14 Derek Thompson, “The Global Dominance of ESPN”. The Atlantic, setembro de 2013. 15 “2013 Internet Trends Report”, disponível em www.kpcb.com/blog/2013-internet-trends. 16 Blog de Benedict Evans, disponível em http://ben-evans.com/benedictevans/2014/1/3/the-spread-ofglass. 17 “2016 Internet Trends Report”, disponível em www.kpcb.com/blog/2016-internet-trends-report. Parte I: Popularidade e a mente Capítulo 1: O poder da exposição 1 “Gustave Caillebotte: The Painter’s Eye”, Galeria Nacional de Arte dos Estados Unidos, disponível em www.nga.gov/content/ngaweb/exhibitions/2015/gustave-caillebotte.html. 2 James Cutting, Impressionism and Its Canon. Lanham, MD: University Press of America, 2006. 3 “Gustave Caillebotte: The Painter’s Eye”, Galeria Nacional de Arte dos Estados Unidos, disponível em www.nga.gov/content/ngaweb/exhibitions/2015/gustave-caillebotte.html.

4 John Rewald, History of Impressionism. Nova York: Museu de Arte Moderna, p. 572. No testamento original de Gustave Caillebotte solicitando a exibição pública de “intransigents ou impressionistes”, ele inclui Degas, Monet, Pissarro, Renoir, Cézanne, Sisley e Morisot, “sem a exclusão de outros”. A biografia de Caillebotte do historiador da arte Kirk Varnedoe, de 1987, contudo, não lista Morisot em meio à “Coleção de Caillebotte” final. Pelo contrário, ele inclui duas pinturas de Jean-François Millet, cujo estilo não é realmente impressionismo, mas cujos assuntos, como a vida camponesa, podem ter inspirado artistas impressionistas. Como declara Historty of Impressionism, de Rewald, nem Morisot nem Millet estavam entre os sete pintores que foram finalmente aceitos e tiveram suas obras penduradas [no museu] em 1897. Citando os nomes de cada um dos sete principais, Rewald escreve: Apesar da provisão por parte de Caillebotte de que sua coleção inteira deveria entrar no Museu de Luxemburgo, Renoir, como testamenteiro, foi forçado a ceder, caso contrário, o legado seria rejeitado. Das dezesseis telas de Monet, apenas oito foram admitidas; das dezoito de Pissarro, apenas sete; de oito de Renoir, seis; de nove de Sisley, seis; de quatro de Manet, duas; de cinco de Cezanne, duas; apenas Degas teve todas as sete de suas obras aceitas. (p. 572) Vários historiadores relataram que, no presente final ao estado francês, Renoir incluiu duas pinturas do próprio Caillebotte. Todavia, elas foram amplamente ignoradas pela maior parte dos historiadores da arte influentes, talvez devido à sua inclusão de última hora. No livro influente de Rewald, ele registra Caillebotte pelo legado de sua herança, mas dificilmente pela qualidade de sua arte. Por fim, alguns leitores poderiam se perguntar por que pintores famosos como van Gogh, Gauguin e Toulouse-Lautrec não são considerados parte dos sete “principais”. Eles são tipicamente considerados pósimpressionistas. 5 “Origens: O Museu de Luxemburgo”, Musée d’Orsay, disponível em www.museeorsay.fr/en/collections/history-of-the-collections/painting.html. Olympia, de Manet, primeiramente exibida em 1865, foi comprada pelos “amigos de Manet” para o estado em 1890. Foi primeiramente exposta no Louvre, em 1893, antes que as pinturas do legado de Caillebotte fossem penduradas no Museu de Luxemburgo. É possível que Olympia tenha sido a primeiríssima pintura associada ao movimento impressionista a ser pendurada em um museu público. No entanto, ela não é realmente uma pintura impressionista. Portanto, eu creio que é justo dizer que o legado de Caillebotte foi a primeiríssima exposição de arte impressionista. 6 James Cutting, op. cit. 7 Arthur P. Shimamura e Stephen E. Palmer (orgs.), Aesthetic Science: Connecting Minds, Brains, and Experience. Nova York: Oxford University Press, 2012, p. 238. 8 Ao conduzir uma pesquisa sobre as origens das preferências humanas, depara-se um tanto com o termo “homem das cavernas”, particularmente em referência aos “instintos do homem das cavernas” e à “psicologia do homem das cavernas”. Não estou usando esse termo familiar por dois motivos. Primeiramente, por volta de metade de nossos ancestrais não eram homens. Segundo, eles não viviam em cavernas. Se você for para a África Oriental em busca de cavernas, ficará decepcionado. A primeira evidência de neandertais e Cro-Magnons na Europa foi, de fato, encontrada em cavernas no século XIX, o que provavelmente levou a uma crença popular de que nossos ancestrais faziam moradas permanentes nas pedras. No entanto, estes grupos eram nômades. É passível de se entender que fôssemos encontrar os resquícios de antigos humanos em uma área sólida e coberta que é protegida da chuva e do vento, porque a natureza teria lavado, erodido ou coberto os outros artefatos de sua existência. No entanto, realmente acreditar que nossos ancestrais viviam em cavernas porque foi lá que suas coisas foram encontradas é como acreditar que mosquitos viviam em âmbar. Quando

alguém fala sobre o cérebro do “homem das cavernas”, aquela pessoa está falando sobre o cérebro do “caçador-coletor”. 9 Judith H. Langlois Lori A. Roggman. “Attractive Faces Are Only Average”, Psychological Science, 1990, pp. 115—121. 10 Denis Dutton, “Aesthetics and Evolutionary Psychology”, em Jerrold Levinson (org.), The Oxford Handbook for Aesthetics. Nova York: Oxford University Press, 2003. Estudos de preferências de crianças com frequência são controversos, e este também é. A descoberta de que os gostos em termos de cenários divergem durante toda a vida, e que eles, como muitas preferências, podem ser impulsionados pela exposição, é uma descoberta que tem uma base mais sólida do que aquela que diz que as crianças têm gostos perfeitamente universais em termos de paisagens. 11 Ibid. 12 “História do Museu Britânico”, The British Museum, disponível em www.britishmuseum.org/about_us/the_museums_story/general_history.aspx. 13 Liane Hansen, “Philadelphia Museum Shaped Early American Culture”, NPR, 13 de julho de 2008, disponível em www.npr.org/templates/story/story.php?storyId=92388477. 14 David Suisman, Selling Sounds: The Commercial Revolution in American Music. Cambridge: Harvard University Press, 2012, p. 58. 15 Steven Bertoni, “Why Sean Parker Is Obsessed with His Spotify”, Forbes, 4 de dezembro de 2013, disponível www.forbes.com/sites/stevenbertoni/2013/12/04/why-sean-parker-is-obsessed-with-hisspotify-playlist/#2993655c529e. 16 Jörg L. Spenkuch e David Toniatti, “Political Advertising and Election Outcomes”, abril de 2016, disponível em http://ssrn.com/abstract=2613987. 17 Lawrence Lessig, “More Money Can Beat Big Money”. The New York Times, 16 de novembro de 2011. 18 Matthew Baum e Samuel Kernell, “Has Cable Ended the Golden Age of Presidential Television?”, American Political Science Review, número 55, março de 1999, pp. 99—114. 19 Ibid. 20 Ibid. 21 Ibid. 22 Nicholas Confessore e Karen Yourish, ““$2 Billion Worth of Free Media for Donald Trump”. The New York Times, 15 de março de 2016. 23 Robert Schroeder, “Trump Has Gotten Nearly $3 Billion in ‘Free’ Advertising”. MarketWatch, 6 de maio de 2016, disponível em www.marketwatch .com/story/trump-has-gotten-nearly-3-billion-in-freeadvertising-2016-05-06. 24 Derek Thompson, “Turning Customers into Cultists”. The Atlantic, dezembro de 2014. 25 Itamar Simonson e Emanuel Rosen, Absolute Value. Nova York: HarperBusiness, 2014. 26 E-mail de Jesse Prinz ao autor, datado de 30 de julho de 2016. A teoria de Kant da interação livre pode nem mesmo ser o mais apto precursor do filósofo à metacognição, diz Prinz. Que poderia ser sua teoria do sublime. É comum que as pessoas gostem de experiências estéticas que envolvem um pouco de medo: como vistas de vulcões ou o som do trovão do lado de fora de uma casa. Essas coisas não são simplesmente belas; são sublimes”, segundo Kant. “Nós vemos o perigo e começamos a temê-lo”, diz Prinz, um eminente professor de filosofia e diretor do Comitê de Estudos de Ciência Interdisciplinar do Centro de Formação da Universidade da Cidade de Nova York. 27 Norbert Schwarz, Mario Mikulincer, Phillip R. Shaver, Eugene Borgida, John A. Bargh (orgs.)., APA Handbook of Personality and Social Psychology, Volume 1: Attitudes and Social Cognition. Washington: Associação Americana de Psicologia, 2015, pp. 203—229.

28 Christopher K. Hsee, “Less Is Better: When Low-Value Options Are Valued More Highly Than High-Value Options”. Journal of Behavioral Decision Making, número 11, 1998, pp. 107—121. 29 O efeito do “menos é mais” acaba também sendo um grande debate tático. Se você quiser persuadir alguém em relação a seu argumento, tente fazer com que ele entenda um grande motivo pelo qual ele poderia estar errado. Tentar fazer com que as pessoas entendam vários motivos complicados pelos quais elas poderiam estar erradas é um tiro que pode sair pela culatra. É difícil processar muitas objeções ao mesmo tempo. Seu oponente poderia atribuir, de forma errônea, o desconforto da dificuldade de pensar, a disfluência, com a qualidade de seus argumentos, confundindo, de forma também errônea, sentimentos com pensamentos. Ele: “Todas essas objeções não parecem certas, então deve haver algo errado com seu pensamento.” Capítulo 2: A regra MAYA 1 Raymond Loewy, Never Leave Well Enough Alone, 1951. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2002, p. 6. 2 Ibid. 3 “Up from the Egg”, Time, 31 de outubro de 1949. 4 Website de Raymond Loewy, disponível em www.raymondloewy.com/about.html#7. 5 “Up from the Egg”, Time, 31 de outubro de 1949. 6 “The Model T Ford”, Frontenac Motor Company, disponível em www .modelt.ca/background.html. 7 “GM’s Role in American Life”, All Things Considered. NPR, 2 de abril de 2009, disponível em www.npr.org/templates/story/story.php?storyId=102670076. 8 Paul Hekkert, “Design Aesthetics: Principles of Pleasure in Design”, Psychology Science 48, número 2, 2006, pp. 157—172. 9 Paul Hekkert, Dirk Snelders e Piet C. W. van Wieringen, “‘Most Advanced, Yet Acceptable’: Typicality and Novelty as Joint Predictors of Aesthetic Preference in Industrial Design”. British Journal of Psychology, número 94, parte 1, fevereiro de 2003, 111—124. 10 Raymond Loewy, Never Leave Well Enough Alone, 1951. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2002, pp. 59—139. 11 “Up from the Egg”, Time, 31 de outubro de 1949. 12 Ibid. 13 Raymond Loewy, Never Leave Well Enough Alone, 1951. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2002, p. 312. 14 Michael Beschloss, “The Man Who Gave Air Force One Its Aura,”. The New York Times, 7 de agosto de 2015, disponível em www.nytimes.com/2015/08/09/upshot/the-man-who-gave-air-forceone-its-aura.html. 15 Raymond Loewy, Never Leave Well Enough Alone, 1951. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2002, p. 201. 16 Ibid., 279. 17 Claudia Muth e C. C. Carbon, “The Aesthetic Aha: On the Pleasure of Having Insights into Gestalt”. Acta Psychologica 144, número 1, setembro de 2013, pp. 25—30. 18 “About Tetris”, disponível em http://tetris.com/about-tetris/. 19 Tom Huddleston, Jr., “Minecraft Has Now Sold More Than 100 Million Copies”. Fortune, 2 de junho de 2016, disponível em www.fortune.com/2016/06/02/minecraft-sold-100-million/. 20 Clive Thompson, “The Minecraft Generation”. The New York Times Magazine, 14 de abril de 2016, disponível em www.nytimes.com/2016/04/17/magazine/the-minecraft-generation.html.

21 Joshua A. Krisch, “Why the 2048 Game Is So Addictive”. Popular Mechanics, 3 de abril de 2014, disponível em www.popularmechanics.com/culture/gaming/a10341/why-the-2048-game-is-soaddictive-16659899/. 22 Axis of Awesome, “4 Chords”, YouTube, disponível em www.youtube.com/watch? v=oOlDewpCfZQ. 23 Derek Thompson, “The Shazam Effect”. The Atlantic, dezembro de 2014, disponível em www.theatlantic.com/magazine/archive/2014/12/the-shazam-effect/382237/. 24 Kevin J. Boudreau, Eva C. Guinan, Karim R. Lakhani e Christoph Riedl, “The Novelty Paradox and Bias for Normal Science: Evidence from Randomized Medical Grant Proposal Evaluations”, artigo de trabalho da Faculdade de Administração de Harvard, 4 de dezembro de 2012, disponível em www.hbs.edu/faculty/Publication%20Files/13-053_f32904ed-0526-4c9e-99a4-703088bb1212.pdf. 25 Derek Thompson, “Why Experts Reject Creativity”. The Atlantic, 10 de outubro de 2014, disponível em www.theatlantic.com/business/archive/2014/10/why-new-ideas-fail/381275/. 26 Derek Thompson, “The Most Valuable Network”. The Atlantic, setembro de 2013. 27 Matthew Ball, “The Truth and Distraction of U.S. Cord Cutting”. Redef, 20 de outubro de 2015, disponível em https://redef.com/original/the-truth-and-distraction-of-us-cord-cutting. 28 Rani Molla, “How Much Cable Subscribers Pay Per Channel”. The Wall Street Journal, 5 de agosto de 2014, diponível em blogs.wsj.com/numbers/how-much-cable-subscribers-pay-per-channel1626/. 29 Esses parágrafos são adaptados da minha coluna de setembro de 2013 no The Atlantic, “The Most Valuable Network”. 30 Hadas Gold, “Joe Scarborough: Donald Trump Calls Jeff Zucker His ‘Personal Booker’”. Politico, 9 de junho de 2016, disponível em www.politico.com/blogs/on-media/2016/06/joe-scarborough-donaldtrump-calls-jeff-zucker-his-personal-booker-224116. 31 Jesse Holcomb, “Cable News: Fact Sheet”. Estado da Mídia de Notícias em 2016, Centro de Pesquisas Pew, 15 de junho de 2016. 32 Richard Sandomir, “Fox’s Sports Network Hires an ESPN Veteran for a Reinvention”. The New York Times, 8 de maio de 2016, disponível em www.nytimes.com/2016/05/09/business/media/jamiehorowitz-tries-again-this -time-to-revive-fs1.html. 33 Paul Melvin, e-mail ao autor, 20 de junho de 2016. 34 Himabindu Lakkaraju, Julian McAuley e Jure Leskovec, “What’s in a Name? Understanding the Interplay Between Titles, Content, and Communities in Social Media”, Associação para o Avanço da Inteligência Artificial, 2013, disponível em https://cs.stanford.edu/people/jure/pubs/reddit-icwsm13.pdf. 35 Chip Heath e Dan Health, Made to Stick: Why Some Ideas Survive and Others Die. Nova York: Random House, 2007. 36 Pandora 2014 Q4 e 2014 K1. 37 Raymond Loewy, Never Leave Well Enough Alone, 1951. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2002, p. 376. Capítulo 3: A música do som 1 “Chart-Topping Songwriter Savan Kotecha Renews Agreement with ASCAP,”, Sociedade Americana de Compositores, autores e editores, 3 de junho de 2015, disponível em www.ascap.com/press/2015/06-03-savan-kotecha-renews.aspx. 2 Ola Johansson, “Beyond ABBA: The Globalization of Swedish Popular Music”. FOCUS on Geography 53, número 4, disponível em www.nclack.k12

.or.us/cms/lib6/or01000992/centricity/domain/519/64301138.pdf. 3 Nolan Feeney, “Why Is Sweden So Good at Pop Music?”. The Atlantic, 29 de outubro de 2013, disponível em www.theatlantic.com/entertainment/archive/2013/10/why-is-sweden-so-good-at-popmusic/280945/?single_page=true. 4 Marc Hogan, “What’s the Matter with Sweden?”. Pitchfork, 29 de março de 2010, disponível em pitchfork.com/features/article/7776-whats-the-matter-with-sweden/. 5 Saeed Saeed, “Ever Since Abba: The Swedish Influence on Pop Music Is as Strong as Ever,”. The National, 19 de maio de 2011, disponível em www.thenational.ae/arts-culture/music/ever-since-abbathe-swedish-influence-on -pop-music-is-as-strong-as-ever#page2. 6 Ola Johansson, op. cit. 7 Ibid. 8 Sophie Schillaci, “Meet Savan Kotecha: The Man Behind One Direction’s Rapid Rise to the Top (Q&A)”. Hollywood Reporter, entrevista, 6 de fevereiro de 2013, disponível em www.hollywoodreporter.com/earshot/one-direction-meet-man-rapid- 418682. 9 Diana Deutsch, “Speech to Song Illusion”, disponível em deutsch.ucsd.edu/psychology/pages.php? i=212. 10 Se você não consegue ler uma partitura musical, pode ouvi-la aqui: www.youtube.com/watch? v=TJe2J0NMox4. 11 Elizabeth Hellmuth Margulis, On Repeat: How Music Plays the Mind. Nova York: Oxford University Press, 2013, p. 19. 12 Elizabeth Hellmuth Marguis, “One More Time”. Aeon, 7 de março de 2014, disponível em https://aeon.co/essays/why-repetition-can-turn-almost-anything-in-to-music. 13 Ibid. 14 Mark Twain, “A Literary Nightmare”. Atlantic Monthly, 1876. 15 Derek Thompson, “The Shazam Effect”. The Atlantic, dezembro de 2014, disponível em www.theatlantic.com/magazine/archive/2014/12/the-shazam-effect/382237/. 16 David Samuels, “The Rap on Rap”. New Republic, 11 de novembro de 1991, https://newrepublic.com/article/120894/david-samuels-rap-rap-1991. 17 Matthias Mauch, Robert M. MacCallum, Mark Levy e Armand M. Leroi, “The Evolution of Popular Music: USA, 1960—2010”. Royal Society Open Science, 6 de maio de 2015, disponível em rsos.royalsocietypublishing.org/content/2/5/150081.full. 18 Derek Thompson, “The Shazam Effect”. The Atlantic, dezembro de 2014, disponível em www.theatlantic.com/magazine/archive/2014/12/the-shazam-effect/382237/. 19 David Huron, ““A Psychological Approach to Musical Form: The Habituation—Fluency Theory of Repetition”, disponível em http://musiccog.ohio-state.edu/ home/data/_uploaded/pdf/form.pdf. 20 Bruce Richman, “How Music Fixed ‘Nonsense’ into Significant Formulas: On Rhythm, Repetition, and Meaning”, Journal of Anthropological Sciences, junho de 2014. 21 Alison Landsberg, Prosthetic Memory: The Transformation of American Remembrance in the Age of Mass Culture. Nova York: Columbia University Press, 2004. 22 Alexandra Zaslow, “Gabby Giffords Sings ‘Maybe’ with Music Therapist”. People, 18 de fevereiro de 2015, disponível em www.people.com/article/gabby-giffords-sings-annie-maybe-music-therapist. 23 “From Singing to Speaking: It’s Amazing to See”, Associação Americana de Derrame, disponível em www.strokeassociation .org/STROKEORG/LifeAfterStroke/RegainingIndependence/CommunicationChallenges/From-Singing-to-Speaking-Its-Amazing-To-See_UCM_310600_Article .jsp#.V3p2hpMrLBJ.

24 Tracy Jan, “Leaving West Wing to Pursue Hollywood Dream”, Boston Globe, 3 de março de 2013, disponível em www.bostonglobe.com/metro/2013/03/03/obama-speechwriter-jon-favreau-leaveswest-wing-for-screenwriting/ Evt7Rtg5ax9dwbnVjFfOgJ/story.html. 25 Jon Favreau, “Jon Favreau, Speechwriter,”. New York, 12 de janeiro de 2016, nymag.com/news/features/beginnings/jon-favreau/#print. 26 Matthew D’Ancona, “Jon Favreau Has the World’s Best Job”. GQ (Reino Unido), 6 de dezembro de 2012, disponível em www.gq-magazine.co.uk/article/gq-comment-jon-favreau-president-barackobama-speechwriter. 27 Richard Wolffe, “Obama’s Speechwriter Speaks Up,”. Newsweek, 5 de janeiro de 2008, disponível em www.newsweek.com/obamas-speechwriter-speaks-87019. Vide também Larissa MacFarquhar, “The Conciliator”, The New Yorker, 7 de maio de 2007. 28 Tracy Jan, “Leaving West Wing to Pursue Hollywood Dream”, Boston Globe, 3 de março de 2013, disponível em www.bostonglobe.com/metro/2013/03/03/obama-speechwriter-jon-favreau-leaveswest-wing-for-screenwriting/ Evt7Rtg5ax9dwbnVjFfOgJ/story.html. 29 Amy Chozick, “David Axelrod: ‘I Don’t Think He’s Gonna Look Back’”. New York Times Magazine, 12 de fevereiro de 2015, disponível em www.nytimes.com/2015/02/15/magazine/davidaxelrod-i-dont-think-hes-gonna -look-back.html. 30 Juliet Lapidos, “The Hottest Rhetorical Device of Campaign ’08”. Slate, 12 de setembro de 2008, disponível em www.slate.com/articles/life/the_good_word/2008/09/the_hottest_rhetorical_device_of _campaign_08.html. 31 William C. Turner, Jr., “The Musicality of Black Preaching: Performing the Word”, em Jana Childers e Clayton J. Schmit (orgs.), Performance in Preaching. Grand Rapids : Baker Academic, 2008. 32 Bob Darden, People Get Ready!: A New History of Black Gospel Music. Nova York: Continuum, 2005, 64. 33 E. J. Fox, Mike Spies e Matan Gilat, “Who Was America’s Most Well-Spoken President?”. Vocativ, 10 de outubro de 2014, disponível em www.vocativ.com/interactive/usa/us-politics/presidential-readability/. 34 Derek Thompson, “Presidential Speeches Were Once College-Level Rhetoric—Now They’re for Sixth-Graders”. The Atlantic, 14 de outubro de 2014, disponível em www.theatlantic.com/politics/archive/2014/10/have-presidential-speeches-gotten-less-sophisticatedover-time/381410/. 35 Rita McGrath, “The Pace of Technology Adoption Is Speeding Up”. Harvard Business Review, 25 de novembro de 2013, disponível em https://hbr.org/2013/11/the-pace-of-technology-adoption-isspeeding-up/. 36 Matthew S. McGlone e Jessica Tofighbakhsh, “Birds of a Feather Flock Conjointly (?): Rhyme as Reason in Aphorisms”. Psychological Science 11, número 5, setembro de 2000, pp. 424–428. 37 Dale Carnegie, Como fazer amigos e influenciar pessoas. São Paulo: Editora Nacional, 2012. Interlúdio: Calafrios 1 Niloufar Torkamani, Nicholas W. Rufaut, Leslie Jones e Rodney D. Sinclair, “Beyond Goosebumps: Does the Arrector Pili Muscle Have a Role in Hair Loss?”, International Journal of Trichology 6, número 3, julho-setembro de 2014, pp. 88—94, disponível em www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4158628/. 2 George A. Bubenik, “Why Do Humans Get ‘Goosebumps’ Whey They are Cold, or Under Other circunstances?”. Scientific American, 1º de setembro de 2003, disponível em www.scientificamerican.com/article/why-do-humans-get-goosebu/.

3 Leon Tolstoi, O que é Arte?. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016. 4 Peter Mendelsund, What We See When We Read. Nova York: Vintage, 2014. 5 Carl Zimmer, “Picture This? Some Just Can’t”, The New York Times, 22 de junho de 2015, disponível em www.nytimes.com/2015/06/23/science/aphantasia-minds-eye-blind.html?_r=0. 6 Constance Grady, “Hamlet, The Divine Comedy, and 3 Other Pieces of Classic Literature That Are Also Fan Fiction”. Vox, 5 de abril de 2016, disponível em www.vox.com/2016/4/5/11363816/fiveliterature-fanfiction. 7 John Tierney, “What Is Nostalgia Good For? Quite a Bit, Research Shows,”. The New York Times, 8 de julho de 2013, disponível em www.nytimes.com/2013/07/09/science/what-is-nostalgia-good-forquite-a-bit -research-shows.html. Capítulo 4: A mente criadora de mitos I Existem muitas histórias maravilhosas sobre George Lucas e Star Wars. Devo este Capítulo, particularmente a dois livros notáveis: How Star Wars Conquered the Universe [Como Star Wars conquistou o universo], de Chris Taylor é um deleite de história sobre o processo de escrita de Lucas e o sucesso comercial de seus filmes: The Secret History of Star Wars [A história secreta de Star Wars], de Michael Kaminski, é como um Talmud Jedi, uma profunda e maravilhosa combinação de entrevistas, comentários e análise de Lucas e de suas criações. Ambos foram guias essenciais para a história deste capítulo sobre Lucas e Star Wars, assim como o são para qualquer um interessado em ler mais, eu não tenho como recomendar tais volumes com mais alto louvor. 1 Chris Taylor, How Star Wars Conquered the Universe. Nova York: Basic Books, 2015, 109. 2 “How Exactly Has Star Wars Made $37 Billion?”, Wired, 22 de novembro de 2014, disponível em www.wired.com/2014/11/geeks-guide-star-wars-empire/. 3 Chris Taylor, op. cit., p. 109. 4 Michael Kaminski, The Secret History of Star Wars. Nova York: Legacy Books Press, 2008. 5 Ibid. 6 Ibid. 7 Ibid. 8 Chris Taylor, op. cit., p. 24. 9 Forrest Wickman, “Star Wars Is a Postmodern Masterpiece”. Slate, 13 de dezembro de 2015, disponível em www.slate.com/articles/arts/cover_story/2015/12/star_wars_is_a_pastiche_how_george_lucas_comb ined_flash_gordon_westerns.html. 10 Chris Taylor, op. cit., p. 83. 11 Forrest Wickman, op. cit. 12 Michael Kaminski, op. cit. 13 “Pottering On and On”, The Economist, 11 de julho de 2011, disponível em www.economist.com/blogs/dailychart/2011/07/film-franchises. 14 Isaac Asimov, Fundação. São Paulo: Aleph, 2014. 15 Mark Strauss, “What Absolutely Everyone Needs to Know About Isaac Asimov’s Foundation”. io9, 19 de novembro de 2014, disponível em io9.gizmodo.com/what-absolutely-everyone-needs-to-knowabout-isaac-asim-1660230344. 16 Joseph Campbell, O herói de mil faces. São Paulo: Editora Nacional, 1995. 17 J.R.R.Tolkien, A sociedade do anel. São Paulo: Martins Editora, 2002.

18 “One Does Not Simply Walk into Mordor”, Know Your Meme,, março de 2016, disponível em knowyourmeme.com/memes/one-does-not-simply-walk-into-mordor. 19 “Ep. 1: Joseph Campbell and the Power of Myth—‘The Hero’s Adventure”, Bill Moyers & Company, 8 de março de 2013, disponível em billmoyers.com/content/ep-1-joseph-campbell-and-thepower-of-myth-the-hero’s-adventure-audio/. 20 Christopher Vogler, “Practical Guide to Joseph Campbell’s The Hero with a Thousand Faces”, 1985, disponível em www.thewritersjourney .com/hero’s_journey.htm. 21 Blake Snyder, Save the Cat. Studio City: Michael Wiese Produtions, 2005. 22 Walter Kirn, “A festa da improbabilidade”, junho de 2016, disponível em harpers.org/archive/2016/06/the-improbability-party/4/ http://harpers.org/archive/2016/06/theimprobability-party/4/. 23 Forrest Wickman, op. cit. 24 Michael Kaminski, op.cit. 25 Ibid. 26 “The Biggest Flop Ever”, The Economist, 23 de março de 2012, disponível em www.economist.com/blogs/prospero/2012/03/disneys-john-carter. 27 Vili Maunula, “Film Club: The Men Who Tread on the Tiger’s Tail”, Informações sobre Akira Kurosawa, 1o de novembro de 2010, disponível em akirakurosawa.info/2010/11/01/film-club-the-menwho-tread-on-the-tigers-tail/. 28 Adam Sternberg, “Free Yourselves from the Shackles of Spoilers! Life Is Too Short”. Vulture, 30 de setembro de 2014, disponível em www.vulture.com/2014/09/free-yourselves-from-the-shackles-ofspoilers.html. 29 Jonathan D. Leavitt e Nicholas J. S. Christefeld, “Story Spoilers Don’t Spoil Stories”. Psychological Science, agosto de 2011. 30 James Wood, “Scenes from a Marriage”. The New Yorker, 2 de novembro de 2015, disponível em www.newyorker.com/magazine/2015/11/02/scenes-from-a-marriage-books-james-wood. 31 Chris Taylor, How Star Wars Conquered the Universe. Nova York: Basic Books, 2015, p. 42. 32 Umberto Eco, Travels in Hyperreality. Orlando: Mariner Books, 2014. Capítulo 5: A mente criadora de mitos II Por seus respectivos trabalhos sobre o lado sombrio das histórias, eu gostaria de agradecer a Maria Konnikova, autora de um grande livro, The Confidence Game [O jogo da confiança] (Nova York: Viking, 2016) e Tyler Cowen, que apresentou uma palestra do TED de 2009, “Be Suspicious of Simple Stories” [Suspeite de histórias simples]. 1 Paul Barber, Vampires, Burial, and Death. New Haven: Yale University Press, 1988. 2 Voltaire, Philosophical Dictionaire, Parte 5, 1764, traduzido por William F. Fleming, disponível em http://oll.libertyfund.org/titles/voltaire-the-works-of-voltaire-vol-vii-philosophical-dictionary-part-5. 3 Paul Barber, op. cit., p. 3. 4 Ibid., p. 195. 5 Ibid.,pp. 5—9. 6 “The Economics of Early childhood Investment”, Conselho da Casa Branca para Assuntos Econômicos, janeiro de 2015, disponível em www.whitehouse.gov/sites/default/files/docs/early_childhood_report_update_final_non-embargo.pdf. 7 Rachel I. Mayberry, Elizabeth Lock e Hena Kazmi, “Development: Linguistic Ability and Early Language Exposure”. Nature, número 417, 2 de maio de 2002, 38.

8 Joe Pinsker, “Why So Many Rich Kids Come to Enjoy the Taste of Healthier Foods”. The Atlantic, 28 de janeiro de 2016, disponível em www.theatlantic.com/business/archive/2016/01/rich-kidshealthier-foods/431646/. 9 Lara Unnerstall, “New Study Shows That People Stop Listening to New Music at 33”. A.V. Club, 30 de abril de 2015, disponível em www.avclub.com/article/new-study-shows-people-stop-listening-newmusic-33-218752. 10 Dan Hopkins, “ Partisan Loyalty Begins at Age 18”. FiveThirtyEight, 22 de abril de 2014, disponível em http://fivethirtyeight.com/features/partisan-loyalty-begins-at-age-18/. 11 Stacy L. Smith, MarcChoueiti e Katherine Pieper, “Gender Bias Without Borders”, Instituto Geena Davis de Gênero na Mídia, disponível em seejane.org/wp-content/uploads/gender-bias-withoutborders-full-report.pdf. 12 Manohla Dargis, “Report Finds Wide Diversity Gap Among 2014’s Top-Grossing Films”. The New York Times, 5 de agosto de 2015, disponível em www.nytimes.com/2015/08/06/movies/report-findswide-diversity-gap-among-2014s-top-grossing-films.html. 13 O problema do sexismo de Hollywood não está apenas nas histórias; essa indústria é infamemente dominada por pessoas do sexo masculino, isso sem falar na quantidade igualmente infame de brancos e heterossexuais. Não existe nenhum substituto para diversidade atrás da câmera e eu não estou sugerindo que conseguir escalações mais equilibradas em termos de gênero seja a única meta de uma reforma progressiva no entretenimento. 14 John Horn, Nicole Sperling e Doug Smith, “Unmasking Oscar: Academy Voters Are Overwhelmingly White and Male”. Los Angeles Times, 12 de fevereiro de 2012, www.latimes.com/entertainment/la-et-unmasking-oscar-academy-project-20120219-story.html. 15 “Support for Same-Sex Marriage at Record High, but Key Segments Remain Opposed”, Centro de Pesquisas Pew, 8 de junho de 2015, disponível em www.people-press.org/2015/06/08/support-forsame-sex-marriage-at-record-high-but-key-segments -remain-opposed/. 16 Ian Skurnik, Carolyn Yoon, Denise C. Park e Norbert Schwarz, “How Warnings About False Claims Become Recommendations”. Journal of Consumer Research 31 (Março de 2005), disponível em https://dornsife.usc.edu/assets/sites/780/docs/05_jcr_skurnik_et_al_warnings.pdf. 17 A. L. Alter, D. M. Oppenheimer e N. Epley, “Disfluency Prompts Analytic Thinking—But Not Always Greater Accuracy: Response to Thompson et al. (2013)”, Cognition 128, número 2, 2013, pp. 252—255. Capítulo 6: O nascimento da moda Para este Capítulo, eu tenho um débito particular à obra magistral de Stanley Lieberson, A Matter of Taste [Uma questão de gosto] e às pacientes entrevistas com sua antiga assistente de pesquisa, Freda Lynn, que foi coautora do artigo que cunhou aquele termo magnífico: “popularidade como gosto”. 1 Sean Gregory, “Abercrombie & Fitch: Worst Recession Brand?”, Time, 25 de agosto de 2009, disponível em content.time.com/time/business/article/0,8599,1918160,00.html. 2 Andrew Hampp, “How fun.’s ‘We Are Young’ Scored Chevy’s ‘Stunt Anthem’ Super Bowl Spot”. Billboard, 5 de fevereiro de 2012, disponível em www.billboard.com/biz/articles/news/branding/1099054/how-funs-we-are-young-scored-chevys-stuntanthem-super-bowl-spot. 3 Fred Bronson, “Hot 100 55th Anniversary: The All-Time Top 100 Songs”. Billboard, 2 de agosto de 2013, disponível em www.billboard.com/articles/list/2155531/the-hot-100-all-time-top-songs. 4 Stanley Lieberson, A Matter of Taste: How Names, Fashions, and Culture Change. New Haven: Yale University Press, 2000, p. 71, p. 131.

O livro de Lieberson é incrível do começo ao fim. Uma de suas mais interessantes discussões é a história dos nomes de negros nos Estados Unidos, remontando à época da escravidão. Antes da Guerra Civil, nomes de negros de origem africana tinham sido essencialmente eliminados. Escravos recebiam com frequência a versão encurtava de nomes comuns (por exemplo, Jack ou Will), e escravos libertos às vezes celebravam sua dignidade adotando a contraparte formal destes (por exemplo, James ou William). Por volta de 1920, havia apenas sutis diferenças raciais entre os nomes de brancos e os nomes de negros. Porém com o decorrer do século, e particularmente depois do movimento de direitos civis dos anos de 1960, os negros assumiram mais nomes que refletiam suas raízes africanas ou islâmicas ou honravam heróis dos direitos civis. A popularidade do nome Marcus em meio à geração X e geração Y, por exemplo, podia ser rastreado até o interesse na era dos direitos civis em honrar Marcus Garvey, o nacionalista que defendia um retorno à África. A outra fascinante tendência nos nomes e negros é a evolução dos nomes de mulheres negras começando com o prefixo “La.” (a tendência não é exclusiva de mulheres: considere o astro running back LaDainian Tomlinson ou LeBron James.) Exatamente duas bebês meninas com nomes com o prefixo “La” nasceram em Illinois em 1916, segundo Lieberson: uma Lavera e uma Larenia. Porém, começando em 1967, oito distintos nomes com prefixo “La” entraram no top 100, e ficaram no topo de popularidade nesta exata ordem: Latonya, Latanya, Latasha, Latoya, Latrice, Lakeisha, Lakisha e Latisha. O incrível em relação à procissão de nomes com “La” não é apenas a grande onda deles nos anos de 1960, mas também a ordem de sua evolução. O passo entre Latanya e Latonya é uma nova letra; de Latonya para Latoya é um “n” a menos; de Lakiesha para Lakisha é uma vogal a menos e então, para Latisha é a troca de uma consoante. Essa é uma bela ilustração de nossa teoria de “surpresas familiares”. As pessoas gostam de nomes com raízes familiares, e a cultura evolui em minúsculos passos que, de longe, podem parecer passos de gigantes. 5 “Top Names of the Period 2000-2010”, Administração da Previdência Social dos Estados Unidos, disponível em www.ssa.gov/oact/babynames/decades/names2010s.html. 6 “Top Names of the Period 1900-1910”, Administração da Previdência Social dos Estados Unidos, disponível em www.ssa.gov/oact/babynames/decades/names1900s.html. 7 “Top Names of the Period 1990-2000”, Administração da Previdência Social dos estados Unidos, disponível em www.ssa.gov/oact/babynames/decades/names1990s.html. 8 Os dados históricos sobre nomes e o ponto de inflexão em que eles começaram a se comportar como uma moda vem da obra de Stanley Lieberson e de várias conversas com sua parceira de pesquisas, Freda Lynn, ela mesma socióloga da Universidade de Iowa. Lieberson aposentou-se e não respondeu a várias solicitações para comentários, mas seu livro, A Matter of Taste é um dos mais interessantes livros acadêmicos que eu já li na minha vida. Ele tem a minha mais alta recomendação e este Capítulo não seria possível sem essa referência. 9 Stanley Lieberson e Freda B. Lynn, “Popularity as a Taste: An Application to the Naming Process”, Onoma, número 38, 2003, pp. 235—276. 10 Ibid. 11 Stanley Lieberson e Freda B. Lynn, op. cit., p. 241. 12 Stanley Lieberson e Freda B. Lynn, op. cit. 13 Kimberly Chrisman-Campbell, “The King of Couture”. The Atlantic, 1o de setembro de 2015, disponível em www.theatlantic.com/entertainment/archive/2015/09/the-king-of-couture/402952/. 14 Fernand Braudel, The Structures of Everyday Life Nova York: Harper and Row, 1981, 317. 15 James Laver, Taste and Fashion. Londres, 1937. 16 Stanley Lieberson e Freda B. Lynn, op. cit. 17 “Top Names of the Period 1900-1910”, Administração da Previdência Social dos Estados Unidos.

18 Robert Cialdini, Influnce: The Psychology of Persuasion. Nova York: Harper Business, 2006. 19 Alan T. Sorensen, “Bestseller Lists and Product Variety”. Journal of Industrial Economics 55, número 4, dezembro de 2007, 715—38, disponível em www.ssc.wisc.edu/~sorensen/papers/sorensen_JIE_2007.pdf. 20 Ward A. Hanson e Daniel S. Putler, “Hits and Misses: Herd Behavior and Online Product Popularity”. Marketing Letters 7, número 4, outubro de 1996, pp. 297—305. 21 Balazs Kovacs e Amanda Sharkey, “The Paradox of Publicity: How Awards Can Negatively Affect the Evaluation of Quality”, Administrative Science Quarterly 59, número 1, 2014, pp. 1—33. 22 Ed Cohen, “The Last Laugh”, Nevada Silver & Blue, primavera de 2007, pp. 36—41, disponível em www.unr.edu/silverandblue/archive/2007/spring/NSB07CannedLaughter.pdf 23 “Charles Rolland ‘Charlie’ Douglass”, Variety, 21 de abril de 2003, disponível em variety.com/2003/scene/people-news/charles-rolland-charlie-douglass-1117884944/. 24 Ed Cohen, “The Last Laugh”, Nevada Silver & Blue, primavera de 2007, pp. 36—41, disponível em www.unr.edu/silverandblue/archive/2007/spring/NSB07CannedLaughter.pdf 25 Ibid. 26 Kimberly A. Neuendorf e Tom Fennell, “A Social Facilitation View of the Generation of Humor and Mirth Reactions: Effects of a Laugh Track”. Central States Speech Journal 39, número 1, primavera de 1998, pp. 37—48, disponível em academic.csuohio.edu/kneuendorf/vitae/Neuendorf&Fennell88.pdf. 27 Evan A. Lieberman, Kimberly A. Neuendorf, James Denny, Paul D. Skalski e Jia Wang, “The Language of Laughter: A Quantitative/Qualitative Fusion Examining Television Narrative and Humor”. Journal of Broadcasting & Electronic Media, dezembro de 2009, disponível em http://academic.csuohio.edu/kneuendorf/SkalskiVitae/Lieberman.etal.2009.pdf. 28 Max Roser, “Literacy, Our World in Data”, acessado em março de 2016, disponível em https://ourworldindata.org/literacy/ 29 Rita McGrath, “The Pace of Technology Adoption Is Speeding Up,”. Harvard Business Review, 25 de novembro de 2013, disponível em https://hbr.org/2013/11/the-pace-of-technology-adoption-isspeeding-up/. 30 Nicholas Felton, “Consumption Spreads Faster Today”. The New York Times, 2 de fevereiro de 2010, disponível em www.nytimes.com/imagepages/2008/02/10/opinion/10op.graphic.ready.html. 31 Device Ownership Over Time, Centro de Pesquisas Pew, disponível em www.pewinternet.org/datatrend/mobile/device-ownership/. 32 Susannah Fox e Lee Rainie, “The Web at 25 in the U.S.: Part I: How the Internet Has Woven Itself into American Life”, Centro de Pesquisas Pew, disponível em www.pewinternet.org/2014/02/27/part1-how-the-internet-has-woven-itself-into-american-life/. Interlúdio: Uma Breve História dos Adolescentes 1 Allan Metcalf, “Birth of the Teenager”, blog da Lingua Franca, Chronicle of Higher Education, 28 de fevereiro de 2012, disponível em http://chronicle.com/blogs/linguafranca/2012/02/28/birth-of-theteenager/. 2 Grace Palladino, Teenagers: An American History. Nova York: Basic Books, 1994. 3 J. Spring, The American School, 1642—1993. Nova York: McGraw-Hill, 1994. 4 Greg J. Duncan e Richard J. Murnane, “Introduction: the American Dream, then and now”, em Greg J. Duncan e Richard J. Murnane, (orgs.), Whither Opportunity? Rising Inequality, Schools, and Children’s Life Chances. Nova York: Russell Sage Foundation, 2011.

5 Elizabeth Kolbert, “The Terrible Teens”, The New Yorker, 31 de agosto de 2015, disponível em www.newyorker.com/magazine/2015/08/31/the-terrible-teens. 6 Laurence Steinberg, Age of Opportunity: Lessons from the New Science of Adolescence.Nova York: Houghton Mifflin Harcourt, 2014. Parte II: Popularidade e mercado Capítulo 7: Rock and roll e a aleatoriedade O papel de Peter Ford na popularização de “Rock Around the Clock” foi relatado em algum outro lugar, porém quase todos os detalhes contidos neste Capítulo vêm de conversas com Ford ao telefone. Eu não tenho como voltar no tempo para verificar os fatos ditos por Peter de que ele deu o disco ao diretor Richard Brooks. Com a devida dedicação, consultei diversos historiadores da música, entre eles, Alex Frazer-Harrison e Jim Dawson. Em um e-mail, Dawson me disse que, embora Richard Brooks tenha declarado, em separado, ter ouvido a canção no rádio, ele também acreditava no relato de Ford. 1 Martin Chilton, “Rock Around the Clock: How Bill Haley’s Song Became a Hit”, The Telegraph, 17 de abril de 2016, disponível em www.telegraph.co.uk/music/artists/rock-around-the-clock-how-billhaleys-song-became-a-hit/. 2 Jim Dawson, Rock Around the Clock: The Record That Started the Rock Revolution!. Nova York: Backbeat Books, 2005. 3 Ibid., 26—30. 4 “Bill Haley”, Billboard, disponível em www.billboard.com/artist/282385/bill-haley/biography. 5 “Bill Haley Biography”, Rock and Roll Hall of Fame, disponível em https://rockhall.com/inductees/bill-haley/. 6 Jim Dawson, op. cit.,p. 27. 7 Ibid., pp. 34—36. 8 “Bill Haley”, Billboard, disponível em www.billboard.com/artist/282385/bill-haley/biography. 9 Biografia de Bill Haley”, Hall da Fama do Rock and Roll, disponível em https://rockhall.com/inductees/bill-haley/. 10 Frank Mastropolo, “The History of ‘Rock Around the Clock’: How a B-Side Became a Rock Classic”, Ultimate Classic Rock, 28 de maio de 2014, disponível em ultimateclassicrock.com/rockaround-the-clock/. 11 Jim Dawson,op. it., pp.73—80. 12 Ibid. 13 Jim Dawson, e-mail ao autor, 12 de julho de 2015. 14 “Bill Haley”, Billboard, disponível em www.billboard.com/artist/282385/bill-haley/biography. 15 Duncan Watts, Everything Is Obvious: Once You Know the Answer. Nova York: Crown Business, 2011. 16 Matthew J. Salganik e Duncan Watts, “Social Influence: The Puzzling Nature of Success in Cultural Markets,”, em Peter Hedström e Peter Bearman (orgs.), The Oxford Handbook of Analytical Sociology. Oxford: Oxford University Press, 2011, p. 337. 17 Myrna Oliver, “Hunter Hancock, 88; Brought R&B to L.A. Radio Stations in 1940s”. The Los Angeles Times, 11 de agosto de 2004, disponível em www.articles.latimes.com/2004/aug/11/local/mehancock11. 18 Os detalhes contidos nessa seção vêm de conversas com Peter Ford e entrevistas de acompanhamento e e-mails trocados com Alex Frazer-Harrison e Jim Dawson.

19 Jim Dawson,op. it., pp. 127—43. 20 W. David Walls e Arthur De Vany, “Bose-Einstein Dynamics and Adaptive Contracting in the Motion Picture Industry”. The Economic Journal 106, número 439, janeiro de 1996, pp. 1493—1514. 21 Ben Fritz e Erich Schwartzel, “Hollywood’s Banner Year at the Box Office Masks a Procession of Flops”. The Wall Street Journal, 4 de janeiro de 2016, disponível em www.wsj.com/articles/hollywoods-banner-year-at-the-box-office-masks-a -procession-of-flops1451818332. 22 Albert Greco, “Book Publishing: An Introduction”, em Albert N. Greco, Jim Milliot e Robert M. Wharton (orgs.), The Book Publishing Industry. Nova York: Routledge, 2014. 23 W. David Walls e Arthur De Vany, op. cit. 24 Daniel Rowinski, “The Mobile Downturn: ‘An App for That’ Is Not a Business Model”. ARC, 11 de novembro de 2015, disponível em https://arc.applause.com/2015/11/11/app-discovery-strategy-and monetization/. 25 Anita Elberse, Blockbusters. Nova York: Henry Holt, 2013. 26 Derek Thompson, “Hollywood Has a Huge Millennial Problem”. The Atlantic, 8 de junho de 2016, disponível em www.theatlantic.com/business/archive/2016/06/hollywood-has-a-huge-millennialproblem/486209/. 27 “Movie Budget and Financial Performance Records”, The Numbers, disponível em www.thenumbers.com/movie/budgets/. Capítulo 8: O mito viral Dois dos mais importantes livros que incorporaram elementos de teoria de rede e a “viralidade” das informações disseminadas foram O ponto da virada, de Malcolm Gladwell (Rio de Janeiro: Sextante, 2009) e Unleashing the Ideavirus [Liberando o vírus da ideia], de Seth Godin (Nova York: Hachette, 2000). Eu gostaria também de agradecer a Anne Jamison, cujo trabalho sobre esse assunto, além de uma conversa ao telefone, aprofundaram minha apreciação pela história da fanfiction. 1 Ogi Ogas, “The Online World of Female Desire”. The Wall Street Journal, 30 de abril de 2011, disponível em www.wsj.com/articles/SB1000142405274 8704463804576291181510459902. 2 Anne Jamison, Fic: Why Fanfiction Is Taking Over the World. Dallas: Smart Pop, 2013. 3 Emily Eakin, “Grey Area: How ‘Fifty Shades’ Dominated the Market”, New York Review of Books, 27 de julho de 2012, disponível em www.nybooks.com/daily/2012/07/27/seduction-and-betrayaltwilight-fifty-shades/. 4 Amanda Hayward, e-mails para o autor, 12 de setembro de 2014. 5 Julie Bosman, “Discreetly Digital, Erotic Novel Sets American Women Abuzz”, The New York Times, 9 de março de 2012, disponível em www.nytimes.com/2012/03/10/business/media/an-erotic-novel-50shades-of-grey-goes-viral-with-women.html; vide também Malcolm Gladwell, op. cit. 6 Andrew Rice, “Does Buzzfeed Know the Secret?”. New York, 7 de abril de 2013, disponível em nymag.com/news/features/buzzfeed-2013-4/. 7 S. Goel, Duncan Watts e DanielGoldstein, “The Structure of Online Diffusion Networks”, Proc. 13th ACM Conf. Electronic Commerce 2012, Associação para Maquinaria da Computação, Nova York, 623—638, disponível em https://5harad.com/papers/diffusion.pdf. 8 Sharad Goel, Ashton Anderson, Jake Hofman e Duncan Watts, “The Structural Virality of Online Diffusion”, Management Science 62, número 1, janeiro de 2016, pp. 180—196, disponível em https://5harad.com/ papers/twiral.pdf. 9 Ibid.

10 Ibid. 11 Steven Johnson, O mapa fantasma: como a luta de dois homens contra o cólera mudou o destino de nossas metrópoles. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. 12 Kathleen Tuthill, “John Snow and the Broad Street Pump”. Cricket 31, número 3, novembro de 2003, reimpresso pelo Departamento de Epidemiologia da UCLA, disponível em www.ph.ucla.edu/epi/snow/snowcricketarticle.html. 13 John Snow, Medical Times and Gazette 9, 23 de setembro de 1854, pp. 321—22, reimpresso pelo Departamento de Epidemiologia da UCLA, disponível em www.ph.ucla.edu/epi/snow/choleraneargoldensquare.html. Observação: outros relatos da metodologia de Snow, como, por exemplo, o artigo de David Freedman, “Statistical Models and Shoe Leather”, dão mais peso à investigação por parte de Snow das empresas de distribuição de água. Uns poucos anos antes do surto, as distribuidoras de água de Londres haviam mudado seu ponto de entrada contra a corrente a partir do descarregamento do esgoto principal no Tâmisa, enquanto outra empresa mantinha seu ponto de entrada seguindo a corrente a partir do esgoto. Londres tinha sido dividida em dois grupos, um dos quais estava bebendo esgoto e o outro que bebia água mais pura. Em outras palavras, o surto de cólera em Londres foi o resultado de algo como um estudo controlado e randomizado não intencional da teoria da doença. Várias centenas de pessoas receberam, aleatoriamente, água distribuída de uma companhia e tinham mais probabilidade de ficarem doentes, enquanto várias outras milhares de pessoas receberam, aleatoriamente, água distribuída de uma outra companhia e continuaram saudáveis. 14 Randy Alfred, “Sept. 8, 1854: Pump Shutdown Stops London Cholera Outbreak”. Wired, 8 de setembro de 2009, disponível em www.wired.com/2009/09/0908london-cholera-pump/. 15 Goel e tal., “The Structural Virality of Online Diffusion”. 16 Samantha Grossman, “‘Kony 2012’ Documentary Becomes Mast Viral Video in History”. Time, 12 de março de 2012, disponível em newsfeed.time.com/2012/03/12/kony-2012-documentary-becomesmost-viral-video-in-history/. 17 J. David Goodman e Jennifer Preston, “How the Kony Video Went Viral”. Blog Lede, The New York Times, 9 de março de 2012, disponível em http:// thelede.blogs.nytimes.com/2012/03/09/how-thekony-video-went-viral/. 18 Matthew J. Salganik, PeterDodds e Duncan Watts, “Experimental Study on Inequality and Unpredictability in an Artificial Cultural Market”, 10 de fevereiro de 2016, Science 311. 19 Derek Thompson, “The Shazam Effect”. The Atlantic, dezembro de 2014, disponível em www.theatlantic.com/magazine/archive/2014/12/the-shazam-effect/382237/. 20 Motoko Rich, “Recession Fuels Readers’ Escapist Urges”. The New York Times, 7 de abril de 2009, disponível em www.nytimes.com/2009/04/08/ books/08roma.html. Capítulo 9: O público do meu público 1 Vincent Forrest, e-mail ao autor, 17 de julho de 2015. 2 Miller McPherson, LynnSmith-Lovin e James M. Cook, “Birds of a Feather: Homophily in Social Networks”. Annual Review of Sociology 27, agosto de 2001, pp. 415—444. 3 Simon Burgess, “Friendship Networks and Young People’s Aspirations”. Pesquisa em Política Pública, Centro para Organização Pública e de Mercado, disponível em www.bristol.ac.uk/medialibrary/sites/cmpo/migrated/documents/friendship.pdf. 4 Christopher Ingraham, “Three Quarters of Whites Don’t Have Any Non-White Friends”. The Washington Post, 25 de agosto de 2014, disponível em

www.washingtonpost.com/news/wonk/wp/2014/08/25/three-quarters-of-whites-dont-have-any-nonwhite-friends/. 5 Eileen Barker, The Making of a Moonie: Choice or Brainwashing?. Oxford: Blackwell, 1984. 6 Derek Thompson, “Turning Customers into Cultists,” The Atlantic, dezembro de 2014, disponível em www.theatlantic.com/magazine/archive/2014/12/turning-customers-into-cultists/382248/. 7 Ibid. 8 David Packman, “May I Have Your Attention, Please?”. The Mission, 10 de agosto de 2015, disponível em https://medium.com/the-mission/may-i-have-your-attention-please19ef6395b2c3#.ijawp0j6o. 9 Mike Murphy, “These Are the Most Popular iOS Apps and Games of All Time”, Quartz, 2 de setembro de 2015, disponível em qz.com/492870/these-are-the-most-popular-ios-apps-and-games-ofall-time/. 10 Derek Thompson, “The Most Popular Social Network for Young People? Texting”. The Atlantic, 19 de junho de 2014, disponível em www.theatlantic.com/technology/archive/2014/06/facebook-textingteens-instagram-snapchat-most-popular-social-network/373043/. 11 Duncan Watts e Peter Dodds, “Influentials, Networks, and Public Opinion Formation”, Journal of Consumer Research 34, dezembro de 2007, disponível em www.digitaltonto.com/wpcontent/uploads/WattsandDoddinfluentials.pdf. 12 Nick Summers, “The Truth About Tinder and Women Is Even Worse Than You Think”, 3 de julho de 2014, disponível em www.bloomberg.com/news/articles/2014-07-02/the-truth-about-tinder-andwomen-is-even-worse-than-you-think. 13 Ibid. 14 Chris Dixon, “The Bowling Pin Strategy”, blog de CDixon, 21 de agosto de 2010, disponível em cdixon.org/2010/08/21/the-bowling-pin-strategy/. 15 Steve O’Hear, “Tinder Rival Bumble Is Majority-Owned by European Dating Behemoth Badoo” Tech Crunch, 25 de março de 2016, disponível em https://techcrunch.com/2016/03/25/bumble-meetbadoo/. Interlúdio: Le Panache 1 Tim Peterson, “Ten Most Popular Stories on Twitter and Facebook in 2014”. Advertising Age, 23 de dezembro de 2014, disponível em adage.com/article/media/ten-popular-stories-twitter-facebook2014/296361/. 2 Diana I. Tamir e Jason P. Mitchell, “Disclosing Information About the Self Is Intrinsically Rewarding”, PNAS 109, número 21, 22 de maio de 2012, disponível em www.pnas.org/content/109/21/8038.full. 3 Alixandra Barasch e Jonah Berger, “Broadcasting and Narrowcasting: How Audience Size Affects What People Share”. Journal of Marketing Research 51, número 3, junho de 2014, pp. 286—99. 4 Ed Yong, “The Incredible Thing We Do During Conversations”, The Atlantic, 4 de janeiro de 2016, disponível em www.theatlantic.com/science/archive/2016/01/the-incredible-thing-we-do-duringconversations/422439/. 5 Stephen C. Levinson, “Turn-Taking in Human Communication—Origins and Implications for Language Processing”. Trends in Cognitive Sciences 20, número 1, 2016, pp. 6—14. Capítulo 10: O que as pessoas querem I Observação: A história sobre Patch Culbertson e “Ride” é adaptada de “The Shazam Effect”, minha coluna de 2014 no The Atlantic.

1 Fred Vogelstein, “And Then Steve Said, ‘Let There Be an iPhone’”, The New York Times Magazine, 4 de outubro de 2013, disponível em www.nytimes.com/2013/10/06/magazine/and-then-steve-said-letthere-be-an-iphone.html. 2 Jemima Kiss, “iPhone Set to Struggle”. The Guardian, 29 de junho de 2007, disponível em www.theguardian.com/media/2007/jun/29/digitalmedia.news?cat=media&type=article; vide também Tom Smith, “Anytime, Anyplace: Understanding the Connected Generation”, Universal McCann, Setembro de 2007, disponível em www.slideshare.net/Tomuniversal/anytime-anyplace-um-globalresearch-sep-2007-presentation. 3 “Revealed: The Eight-Year-Old Girl who saved Harry Potter”, The Independent, 2 de julho de 2005, disponível em www.independent.co.uk/arts-entertainment/books/news/revealed-the-eight-year-oldgirl-who-saved-harry -potter-296456.html. 4 Ken Auletta, “The Heiress”. The New Yorker, 10 de dezembro de 2012, disponível em www.newyorker.com/magazine/2012/12/10/the-heiress-2. 5 William Goldman, Adventures in the Screen Trade. Nova York: Grand Central, 1983. 6 Warren Buffett, “Berkshire Hathaway Letter”, 1990, disponível em www.berkshirehathaway.com/letters/1990.html. 7 Michael Lewis, A jogada do século. Rio de Janeiro: BestBusiness, 2011. 8 Derek Thompson, “The Shazam Effect”. The Atlantic, dezembro de 2014, disponível em www.theatlantic.com/magazine/archive/2014/12/the-shazam-effect/382237/. 9 Carla Guerrero, “Producer Aditya Sood ’97 on How the Box Office Hit ‘The Martian’ Came to Be”. Pomona College, 8 de outubro de 2015, disponível em www.pomona.edu/news/2015/10/08-produceraditya-sood-’97-how-box-office-hit- “martian”-came-be. 10 Derek Thompson, “If You Don’t Watch Sports, TV Is a Huge Rip-Off (So, How Do We Fix It?)”. The Atlantic, 3 de dezembro de 2012, disponível em www.theatlantic.com/business/archive/2012/12/if-you-dont-watch-sports-tv-is-a-huge-rip-off-so-howdo-we-fix-it/265814/. 11 Brian Raftery, “‘The Best TV Show That’s Ever Been’”, 27 de setembro de 2012, disponível em www.gq.com/story/cheers-oral-history-extended. 12 Jennifer Keishin Armstrong, Seinfeldia: How a Show About Nothing Changed Everything. Nova York: Simon & Schuster, 2016. 13 Ibid. 14 Paul Cabana, e-mail ao autor, 30 de março de2016. 15 Lacey Rose e Michael O’Connell, “The Uncensored, Epic, Never-Told Story Behind ‘Mad Men’”. The Hollywood Reporter, 11 de março de 2015, disponível em www.hollywoodreporter.com/features/mad-men-uncensored-epic-never-780101. 16 Ibid. 17 Derek Thompson, “The Mad Men Effect: The Economics of TV’s Golden Age”. The Atlantic, 3 de abril de 2015, disponível em www.theatlantic.com/business/archive/2015/04/the-mad-men-effect-theeconomics-of-tvs-golden-age/389504/. 18 James Hibberd, “Game of Thrones Piracy Hits Record High Despite HBO’s Stand-Alone Service”, Entertainment Weekly, 22 de abril de 2015, disponível em www.ew.com/article/2015/04/21/gamethrones-piracy-record. 19 Jeff Bezos, “Amazon Letter to Shareholders”, 5 de abril de 2016, disponível em www.sec.gov/Archives/edgar/data/1018724/000119312516530910/d168744dex991.htm. 20 David Zurawik e Chris Kaltenbach, “‘Sopranos’ Drives HBO Subscriber Numbers Up”. Baltimore Sun, 10 de janeiro de 2000, disponível em articles.baltimoresun.com/2000-01-

19/features/0001190248_1_hbo-sopranos-new-subscriptions. 21 Zachary M. Seward, “AMC is succeding by Breaking the Rules of Legacy Television”. Quartz, 13 de agosto de 2013, disponível em qz.com/114483/amc-is-succeeding-by-breaking-the-rules-of-legacytelevision/. Capítulo 11: O que as pessoas querem II Para este capítulo, eu tenho um débito em particular para com o extraordinário livro de Bill Bryson, One Summer: America, 1927 [Um Verão: América, 1927], por sua história animada e rica em dados do mundo das letras na década de 1920, e à Universidade de Iowa, por partilhar sua dissertação de George Gallup sobre os hábitos de leitura dos habitantes de Iowa. 1 Eu não consegui encontrar a média de dados de posts do Facebook e do Twitter por dia, então eu fiz uma estimativa por baixo, conforme reportado pelo Business Insider; o número pode facilmente ser de bilhões: Jim Edwards, “Leaked Twitter API Data Shows the Number of Tweets Is in Serious Decline”. Business Insider, 2 de fevereiro de 2016, disponível em www.businessinsider.com/tweetson-twitter-is-in-serious -decline-2016-2. 2 “What Is Big Data?”, IBM, disponível em www-01.ibm.com/software/data/bigdata/what-is-bigdata.html. 3 Bill Bryson, One Summer: America, 1927. Nova York: Random House, 2013. 4 Fareed Zakaria, The Future of Freedom: Illiberal Democracy at Home and Abroad. Nova York: Norton, 2004, p. 215. 5 Bill Bryson, op. cit. 6 Matt Novak, “One Newspaper to Rule Them All”. Smithsonian, 3 de janeiro de 2012, disponível em www.smithsonianmag.com/history/one-newspaper-to-rule-them-all-14383197/?no-ist. 7 Bill Bryson, op. cit. 8 Lista de jornais do Estado de Nova York em microfilme — Biblioteca do Estado de Nova York, website da Biblioteca do Estado de Nova York, disponível em www.nysl.nysed.gov/nysnp/title1.htm. 9 George Horace Gallup, “An Objective Method for Determining Reader Interest in the Content of a Newspaper”, dissertação da Universidade de Iowa, agosto de 1928, disponível em ir.uiowa.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=5318&context=etd. 10 Ibid. 11 Jill Lepore, “Politics and The New Machine”. The New Yorker, 16 de novembro de 2015, disponível em www.newyorker.com/magazine/2015/11/16/politics-and-the-new-machine. 12 Ann M. Reed, “History: Applied Anthropology”. Antropologia Aplicada, Universidade de Indiana, maio de 1998, disponível em www.indiana.edu/~wanthro/ theory_pages/Applied.htm#history; vide também George M. Foster, Applied Anthropology. Boston: Little, Brown, 1969. 13 Graeme Wood, “Anthropology Inc.”. The Atlantic, março de 2013, disponível em www.theatlantic.com/magazine/archive/2013/03/ anthropology-inc/309218/. 14 Susan Ohmer, “Gallup Meets Madison Avenue: Media Research and the Depression”, Milestones in Marketing History: Proceedings of the 10th Conference on Historical Analysis and Research in Marketing (CHARM), Centro John W. Hartman para vendas, propaganda e história do marketing, Universidade de Duke, Durham, Carolina do Norte, 17-20 de maio de 2001; vide também Boris Doktorov, George Gallup: Biography and Destiny. Moscou, 2011. 15 Jill Lepore, op. cit. 16 Robert Gordon, The Rise and Fall of American Growth: The U.S. Standard of Living since the Civil War. Princeton: Princeton University Press, 2016; vide também James L. Baughman, “A

televisão vem para a América, 1947—57”, História de Illinois, março de 1993, disponível em www.lib.niu.edu/1993/ihy930341.html. 17 David R. Davies, The Postwar Decline of American Newspapers, 1945—1965. Westport: Praeger, 2006; vide também Richard W. Clarke, Speech to the Silurian Society, novembro de 1947, citado em George Britt (org.), Shoeleather and Printers’ Ink. Nova York: Quadrangle, 1974, pp. 326 —332; vide também Sig Mickelson, “Two National Political Conventions Have Proved Television’s News Role”, Quill, dezembro de 1956, pp. 15—16. 18 Robert Gordon, op. cit. 19 William Deverell, “Fueled by Obsession”, Huntington Frontiers, primavera/verão de 2009, disponível em www.huntington.org/uploaded-Files/Files/PDFs/S09obsession.pdf. 20 Will Fowler, Reporters: Memoirs of a Young Newspaperman. Malibu: Roundtable, 1991, pp. 160— 61. 21 “Television Convention”, Newsweek, 14 de julho de 1952. 22 Karla Gower, Public Relations and the Press: The Troubled Embrace. Chicago: Northwestern University Press, 2007, p. 29. 23 Clayton Christensen, The Innovator’s Dilemma. Minha frase aqui é uma reformulação impressionista da tese de Christensen, a qual é, sem sombra de dúvida, inspirada no referido livro, mas não é realmente uma tentativa de resumi-lo. 24 Ken Goldstein, “Sixty Years of Daily Newspaper Circulation Trends,”, Projeto de Jornalismo Canadense, 2011. 25 James Fallows, “How to Save the News”. The Atlantic, junho de 2010, disponível em www.theatlantic.com/magazine/archive/2010/06/how-to-save-the-news/308095/. 26 “How Millennials Use and Control Social Media”, Projeto de Insight em Mídia, Instituto Americano de Imprensa, 16 de março de 2015, disponível em www.americanpressinstitute.org/publications/reports/survey-research/millennials -social-media/. 27 Adaptado de uma passagem em Jonathan Franzen, “Farther Away”, The New Yorker, 18 de abril de 2011, disponível em www.newyorker.com/magazine/2011/04/18/farther-away-jonathan-franzen. 28 James B. Stewart, “Facebook Has 50 Minutes of Your Time Each Day. It Wants More”, The New York Times, 5 de maio de 2016, disponível em www.nytimes.com/2016/05/06/business/facebookbends-the-rules-of-audience -engagement-to-its-advantage.html?_r=0. 29 Derek Thompson, “Facebook and Fear”. The Atlantic, 10 de maio de 2016, disponível em www.theatlantic.com/technology/archive/2016/05/the-facebook-future/482145/. 30 Steven Levy, “Inside the Science That Delivers Your Scary-Smart Facebook and Twitter Feeds”. Wired, 22 de abril de 2014, disponível em www.wired.com/2014/04/perfect-facebook-feed/. 31 Steven Levy, “How 30 Random People in Knoxville May Change Your Facebook News Feed”, Backchannel, 30 de janeiro de 2015, disponível em https://backchannel.com/revealed-facebooksproject-to-find-out-what-people-really-want-in-their-news-feed-799dbfb2e8b1#.srntqeuy7. 32 Keith Wilcox, Beth Vallen, Lauren G. Block e Gavan Fitzsimons, “Vicarious Goal Fulfillment: When the Mere Presence of a Healthy Option Leads to an Ironically Indulgent Decision”. NA—Avanços em Pesquisas do Consumidor 37, 2010, pp. 73—76. 33 Cassie Werber, “Facebook Is Predicting the End of the Written Word”. Quartz, 14 de junho de 2016, disponível em qz.com/706461/facebook-is-predicting-the-end-of-the-written-word/. 34 Jeffrey Gottfried e Elisa Shearer, “News Use Across Social Media Platforms 2016”, Centro de Pesquisas Pew, 26 de maio de 2016, disponível em www.journalism.org/files/2016/05/PJ_2016.05.26_social-media-and-news_FINAL-1.pdf . 35 “How Millennials Use and Control Social Media”, Instituto Americano de Imprensa.

36 Derek Thompson, op. cit. Interlúdio: Broadway, 828 1 Vide, por exemplo, a palestra de Grant T. Hammond “On the Making of History: John Boyd and American Security”, Palestra do Harmon Memorial [Hospital], Academia da Força Aérea dos Estados Unidos, 2012, disponível em www.usafa.edu/df/dfh/docs/Harmon54.pdf. 2 “Strand History”, The Strand, disponível em www.strandbooks.com/strand-history. 3 Megan Garber, “To Its Earliest Reviewers, Gatsby Was Anything but Great”. The Atlantic, 10 de abril de 2015, disponível em www.theatlantic.com/entertainment/archive/2015/04/to-early-reviewersthe-great -gatsby-was-not-so-great/390252/. 4 Virginia Woolf, “How It Strikes a Contemporary”, The Common Reader, 1925. Capítulo 12: Os futuros dos Hits Muito obrigado a Ben Thompson sobre o futuro da mídia, esse inexaurível objeto de constante especulação, a Tom Tumbusch sobre o legado de Kay Kamen e a Ryan Leslie por sua história de vida. 1 Robert Gordon, The Rise and Fall of American Growth: The U.S. Standard of Living Since the Civil War. Princeton: Princeton University Press, 2016. 2 Ibid. 3 É um termo que primeiramente ouvi do editor substituto do website do The Atlantic, Matt Thompson. 4 Michael Chui, James Manyika, Jacques Bughin, Richard Dobbs, Charles Roxburgh, Hugo Sarrazin, Geoffrey Sands e Magdalena Westergren, “The Social Economy: Unlocking Value and Productivity Through Social Technologies”. Instituto Global McKinsey, julho de 2012, disponível em www.mckinsey.com/industries/high-tech/our-insights/the-social-economy. 5 Alex Ross, “The Record Effect”, The New Yorker, 6 de junho de 2005, disponível em www.newyorker.com/magazine/2005/06/06/the-record-effect. 6 Declaração de John Philip Sousa. Argumentos diante do Comitê sobre patentes da Câmara dos Representantes sobre a H.R. 19853, para fazer uma emenda e consolidar as leis de respeito aos direitos autorais, 6-9 de junho de 1906. 7 Ross estabelece um ponto similar sobre o poder de democratização da tecnologia da música para artistas negros em “O Efeito da Gravação”. 8 Derek Thompson, “The Shazam Effect”. The Atlantic, dezembro de 2014, disponível em www.theatlantic.com/magazine/archive/2014/12/the-shazam-effect/382237/. 9 Gordon E. Moore, “Atolando mais componentes em circuitos integrados”, Electronics 38, número 8, 19 de abril de 1965, disponível em www.monolithic3d.com/uploads/6/0/5/5/6055488/gordon_moore_1965_article.pdf. 10 Nicholas Carr, The Glass Cage. Nova York: Norton, 2014, p. 41. Eu vi diversos escritores justaporem o ritmo exponencial da tecnologia e a metódica evolução dos seres humanos, mas o primeiro lugar em que me lembro de ter lido esta construção foi no livro de Carr: “Enquanto os computadores correm para a frente no ritmo da lei de Moore, nossas próprias habilidades inatas arrastam-se para a frente com o passo da tartaruga da lei de Darwin.” 11 J. Fred Mac Donald, Don’t Touch That Dial. Nova York: Wadsworth, 1979. 12 Ben Thompson, “The Jobs TV Does”, Stratechery, 3 de junho de 2013, disponível em https://stratechery.com/2013/the-jobs-tv-does/. Sou grato a Thompson não apenas pelo insight provido por sua escrita, como também por sua explicação ao telefone sobre o futuro da televisão e da mídia.

13 Rendas Brutas no mundo todo de 2015 e 2016, Box Office Mojo, disponível em www.boxofficemojo.com/yearly/chart/? view2=worldwide&yr=2016&sort=ospercent&order=DESC&p=.htm e www.boxofficemojo.com/yearly/chart/?view2= worldwide&yr=2015&sort=ospercent&order=DESC&p=.htm. Em relação à história dos anos iniciais da Disney, eu consultei diversas biografias, entre elas: Bob Thomas, Walt Disney: An American Original. Nova York: Disney Editions, 1976; Neal Gabler, Walt Disney: The Triumph of the American Imagination. Nova York: Vintage, 2006; Tom Tumbusch, Walt Disney: The American Dreamer. Dayton: Tomart, 2008. 14 Katia Hetter, “World’s 25 Most Popular Amusement Parks”, CNN, 27 de maio de 2016, disponível em www.cnn.com/2016/05/26/travel/worlds-most-popular-amusement-parks-2015/. 15 Didier Ghez, e-mail ao autor, 23 de outubro de 2015. 16 Ibid. 17 Daniel Raffand Peter Temin, “Sears, Roebuck no século XX: concorrência, complementariedades e o problema de desperdiçar ativos”, em Naomi R. Lamoreaux, Daniel M. G. Raff e Peter Temin (orgs.). Learning by Doing in Markets, Firms, and Countries. Chicago: University of Chicago Press, 1999, p. 227. 18 Várias fontes, inclusive: Alan Bryman, The Disneyization of Society. London e Thousand Oaks: SAGE, 2004 e Tom Tumbusch, op. cit. 19 Vide, por exemplo, Robert A. Margo, “Employment and Unemployment in the 1930s”, Journal of Economic Perspectives 7, número 2, primavera de 1993, pp. 41—59, disponível em https://fraser.stlouisfed.org/docs/meltzer/maremp93.pdf. 20 Amplamente citado, porém, vide, por exemplo, Dade Hayes, Anytime Playdate. Nova York: Simon & Schuster, 2008. 21 Ruud Janssens, Of Mice and Men: American Imperialism and American Studies. Amsterdã: Amsterdam University Press, 2004. 22 Richard J. Evans, The Third Reich in Power. Nova York: Penguin, 2005, p. 130. 23 Ibid.,131. 24 “Prosperity Out of Fantasy”, The New York Times, 2 de maio de 1938. 25 Tom Tumbusch, Tomarts’s Merchandise History of Disneyana: Disney Merchandise of the 1930s. Dayton: Tomart, 2009. 26 Ibid. 27 A história da invasão de Walt da televisão é igualmente extraída de duas fontes: Tom Tumbusch, op. cit. e Christopher Anderson, “Hollywood in the Home: TV and the End of the Studio System”, em James Naremore e Patrick Brantlinger (orgs.), Modernity and Mass Culture. Bloomington: Indiana University Press, 1991. 28 Cristopher Anderson, op. cit. 29 Ben Fritz, “Shanghai Disneyland Offers Springboard for Disney’s China Ambitions”, The Wall Street Journal, 12 de junho de 2016, disponível em www.wsj.com/articles/new-shanghai-resort-createshigh-stakes-for-disney-ceo-1465752586. 30 Ibid.

SOBRE O AUTOR

DEREK THOMPSON é editor-sênior da revista The Atlantic, para qual ele escreve sobre economia e mídia. Ele contribui regularmente com o Here and Now da NPR e aparece frequentemente na televisão, em emissoras como CBS e MSNBC. Ele foi nomeado tanto para a lista da revista Inc. quanto para a da revista Forbes de 30 pessoas notáveis com menos de 30 anos. Ele mora em Nova York.

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